Incertezas em relação ao curso de graduação podem gerar ansiedade na população jovem
Na lista de países cujas populações mais sofrem de ansiedade, o Brasil está no topo. Os dados são da Estimativa de Saúde Global (Global Health Estimates), publicados em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e apontam que mais de 9% da população enfrenta o problema. Para a professora doutora Cristina Bachert, docente do curso de graduação em Psicologia da Universidade de Sorocaba (Uniso) e uma das docentes à frente do programa de orientação vocacional da universidade, quando se considera a parcela jovem da população (no fim da idade escolar e no começo da vida adulta), a escolha do curso e de uma profissão, bem como a expectativa de ser aceito ou não na universidade pretendida, podem ser importantes fatores causadores dessa ansiedade.
Esse é exatamente o caso de Pedro Gargiulo, 17, estudante do Ensino Médio numa escola privada do município de Montes Claros, em Minas Gerais. “A maior pressão que sinto é a que eu exerço sobre mim mesmo. Fico me martirizando por achar que não estou dando o meu melhor, ou que estou perdendo muito o foco por coisas supérfluas”, ele conta. Por esse motivo, Pedro, que já se decidiu pelo curso de Direito, procurou a ajuda de um profissional, para aprender a lidar melhor com a pressão inerente a essa fase da vida.
Mas se engana quem pensa que as preocupações estão resolvidas depois de vencer a etapa do vestibular; muitos estudantes do Ensino Médio não conhecem os componentes curriculares que fazem parte da grade do curso escolhido, e nem como esses componentes poderão ser aplicados mais tarde, gerando frustrações futuras.
“Com frequência, a escolha do curso e da profissão acontece de forma idealizada, ou marcada pelo desejo de sucesso financeiro, por influência dos pais. Essa influência pode ser reconhecida por alguns fatores bastante comuns: a idealização de uma profissão que é reconhecida como sinônimo de reconhecimento social ou de ganho financeiro, a obrigação de seguir um negócio da família que precisa de sucessores atuantes, a realização de um sonho que era do pai ou da mãe…”, diz Bachert. “A consequência é que o estudante inicia um curso, mas não o reconhece como parte de sua vida, podendo passar anos da graduação apenas cumprindo os requisitos de trabalhos, estágios e notas, sem estar de fato comprometido com essas atividades. Como resultado, é possível que essa pessoa tenha dificuldades para identificar caminhos para sua autorrealização.”
Marcos Innocencio Rodrigues, 23, é hoje um dos estudantes do curso de Jornalismo da Uniso, porém, antes de optar por esse curso, ele passou por outros dois, Gastronomia e Ciências da Computação. Ele percebia que acordava triste todos os dias, sofrendo pela pressão de continuar num curso em que ainda não havia se encontrado. “Existe essa noção errada de que, se você troca de curso, está perdendo tempo e dinheiro. Há por parte da sociedade uma pressão muito grande para escolher um rumo e continuar nele, mesmo se você estiver infeliz, acreditando que no fim tudo valerá a pena”, ele desabafa.
Marcos não está sozinho nessa situação, conforme destaca a professora: “Segundo dados do Censo do Ensino Superior de 2017, disponibilizados no site do Ministério da Educação, 21% dos estudantes da rede federal — cerca de 69 mil estudantes — buscaram naquele ano mudar de curso e/ou de instituição de ensino. Já quando expandimos nosso olhar, incluindo também as instituições das redes estadual, municipal e particular de Ensino Superior, cerca de 56% dos ingressantes abandonaram ou trocaram de curso no meio da graduação (segundo uma reportagem publicada pelo programa de inclusão educacional Educa Mais Brasil, em julho de 2018). Esses dados são semelhantes a um estudo exploratório realizado também em 2018 por estagiários de Psicologia e Saúde do curso de Psicologia da Uniso, com 96 estudantes de 26 cursos da instituição. A pergunta disparadora foi ‘você já pensou em mudar de curso?’ e os dados obtidos indicaram que 50% dos entrevistados já haviam pensado nisso, sendo que, desse total, 19% mudaram efetivamente, um índice semelhante ao do Censo do Ensino Superior.”
O que a universidade pode fazer pelo estudante?
O programa de orientação profissional DOTS, da Uniso, foi criado para apoiar os jovens que se encontram nessa mesma situação. “Trata-se de uma oficina voltada àqueles estudantes que estão em dúvida sobre a escolha do curso que estão realizando. Essa condição costuma ser percebida durante a primeira metade do curso, mas aqueles que estão em etapas mais avançadas, e que se encontram nessa mesma situação, também podem participar. Podemos definir o perfil do participante do DOTS da seguinte maneira: são estudantes que, na maioria das vezes, não têm dificuldades acadêmicas ou de relacionamento interpessoal com colegas ou professores, mas não se veem, em médio prazo, atuando naquela área profissional — uma condição que tem um alto potencial de desmotivar esse estudante, gerando um nível crescente de ansiedade, que pode levar, em alguns casos, a um estado de depressão”, Bachert explica.
A oficina é composta por seis encontros semanais, em grupo, cada um com 1 hora e meia de duração. Ao longo dessas semanas, o estudante participa de atividades voltadas ao autoconhecimento e ao processo de investigação sobre o mundo profissional, de modo a identificar habilidades e preferências pessoais, bem como possibilidades de atuação em longo prazo, alinhadas ao seu projeto de vida.
“Com base nessas informações, o estudante terá a oportunidade de repensar sua escolha inicial de curso. Nesse processo, é possível que ele a confirme, agora com conhecimentos mais específicos, ou que opte por mudar de habilitação. O estudante pode perceber que fez a escolha certa do curso, mas poderá mudar sua habilitação ou foco de atuação, permanecendo na área. Ou, como outra possibilidade, encontrar outro curso com o qual se identifique mais. De qualquer forma, essa escolha será baseada em dados e reflexão — condição muito diferente da troca impulsiva ou baseada em valor da mensalidade, duração do curso, status da profissão em seu grupo social, entre outros fatores. Essa maneira mais assertiva de se posicionar poderá evitar os transtornos comuns de quem faz a mudança de forma mais passional, usando critérios externos que nem sempre estão alinhados aos seus”, diz a professora.
O DOTS é parte do projeto Go Beyond, da Uniso, o qual engloba outros serviços gratuitos de atendimento psicológico direcionados aos estudantes da instituição. Para participar do DOTS ou dos demais serviços oferecidos, o estudante deve entrar em contato com a Clínica-Escola de Psicologia, que funciona todos os dias das 9h às 21h, e agendar um horário para uma entrevista inicial de acolhimento. O telefone para contato é (15) 2101-7050.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Joice Rayane Barros Vieira Pinto e Maria Eduarda Silva Lago