Tira-prosa, há mais de quatro décadas a torcida feminina do São Bento
Entre as torcidas organizadas, a Tira-Prosa se destaca. Não só por ser do São Bento, o queridinho de Sorocaba, maspor ser formada exclusivamente por mulheres, fanáticas pelo azul e branco. Desde 1975, quando foi fundada pelas irmãs Ramalho — Rosa, Maria Helena, Marina, Maria José e Paula —, a torcida esteve presente em momentos decisivos da história do time.
As irmãs Marina, Rosa Maria e Maria Helena, durante partida do São Bento |
No início de sua trajetória, as irmãs tiveram de enfrentar uma série de desafios, provando que estádio também era lugar de mulher — algo que é bastante comum nos dias de hoje, mas um pouco diferente há mais de quatro décadas. Era difícil acreditar que as mulheres estavam ali, no estádio Humberto Reale, onde os jogos aconteciam, pelo mesmo motivo que os homens: o amor pelo time e pelo futebol.
“Naquela época, as pessoas costumavam achar que as mulheres iam ao estádio só para correr atrás de jogador e não aceitavam quando uma mulher dizia que gostava de futebol. Meu pai foi e é a minha principal inspiração para o meu amor pelo esporte e hoje eu vejo que tudo o que vivo atualmente é reflexo do que fazíamos no passado”, conta Rosa, uma das irmãs, que frequenta os jogos desde a fundação da torcida. Hoje, ela é funcionário do São Bento.
Boas memórias em família
Além das memórias de luta por espaço, as irmãs também compartilharam, ao longo de todos esses anos, de outros bons momentos nas arquibancadas. Para Rosa, jogos de acesso são sempre os mais emocionantes. “Jogos assim marcam bastante. Como, por exemplo, um jogo contra o Sertãozinho, em que o nosso time conseguiu reverter um empate para uma vaga no acesso. Eu me lembro que foi muito acirrado, pois o outro time fazia um gol e logo em seguida nós fazíamos outro, e assim foi até chegarmos nos 3 a 3, o que nos garantiu o acesso”, relembra a torcedora
Para Maria Helena, a líder da organizada, os jogos são oportunidades de se reencontrar com velhos amigos. A diferença é que no passado era mais fácil subir até a arquibancada superior, local reservado às torcidas organizadas. “Não tenho mais joelho para ficar lá em cima!”, brinca.
O amor das irmãs pelo clube também foi passado adiante à nova geração da família. Maria Helena conta, com orgulho, que seus primogênitos também têm forte paixão pelo clube; sua filha já foi uma das musas do time e seu neto, até pouco tempo atrás, vestia a roupa do mascote da equipe.
Assim como suas irmãs, Marina também é apaixonada por futebol. Durante os 20 anos em que morou em São Paulo com o marido, Marina assistiu a poucos jogos “Durante aquele período, o São Bento não estava em um bom momento. Depois que voltei, há 10 anos, pude voltar a acompanhar o time e posso dizer que, na minha volta, vivi a alegria de chegarmos à primeira divisão do Paulistão e subir para a série B no Campeonato Brasileiro”, ela conta. Ela foi uma das principais responsáveis pelo movimento ‘Vamos Subir Bento!’ — momento em que a equipe voltou a figurar entre os grandes times do estado de São Paulo e se classificou para o campeonato nacional da série D, em 2016 —, quando fazia parte da diretoria do clube.
No caso das irmãs Ramalho, o amor pelo São Bento foi herdado do pai, que também partilhava de enorme fanatismo pelo Corinthians, um time com o qual elas compartilham uma lembrança muito marcante.
O dia em que o São Bento torceu pelo Corinthians
Em 1976, as irmãs Ramalho fizeram uma viagem ao estádio do Maracanã, para assistir à semifinal do campeonato brasileiro daquele ano, entre o Fluminense e o Corinthians, jogo que ficou conhecido como a “invasão corintiana”. O episódio foi marcado pela presença de mais de 70 mil corintianos no estádio adversário.
No dia do jogo, elas vestiram o uniforme azul do São Bento, personalizado com o brasão da equipe corintiana, e carregaram uma faixa em que estava escrito “O São Bento torce pelo Corinthians”.
“Abrimos a faixa no intervalo do jogo. Imagina todo o Maracanã fazendo coro: ‘SÃO BENTO! SÃO BENTO! SÃO BENTO!’ Tenho gravado no coração. Arrepia só de lembrar. Minhas pernas bambearam de emoção. Chorei de alegria! Foi lindo, nunca mais ouvi um coro tão intenso, nem tão bonito”, conta Marina.
Legado: inclusão e respeito
Há mais de 40 anos, as irmãs Ramalho atuam ativamente em meio ao São Bento e na torcida que elas mesmas criaram. Mas e quanto ao futuro, o que elas pretendem deixar para as novas gerações de torcedores e torcedoras?
Marina responde de forma acalorada: “Penso que quebramos um tabu enorme, com a nossa alegria e espontaneidade, que são inerentes à juventude, formando aquela que foi a primeira torcida uniformizada do São Bento, sem perceber que era algo grande e que poderíamos ser reconhecidas como parte da história futebolística no Museu do Futebol. Nosso legado maior, acredito, foi incentivar a presença feminina no estádio.”
Se por muitas vezes, a torcida organizada foi sinônimo de brigas, morte e violência, a torcida Tira Prosa buscou ensinar que é possível ser diferente: “Nossa campanha sempre foi pelo respeito às torcidas adversárias. Nós as recebíamos como visitantes, as recepcionávamos. Hoje esse negócio de torcida única é um absurdo. O fato de a gente receber a torcida visitante fez a diferença, até ganhamos um Troféu de Torcida Anfitriã da Torcida do São Paulo, o que nos honrou muito. Um reconhecimento da torcida adversária é muito lindo”, conclui Marina.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Brenda Ponciano, Felipe Sioto, Lucas Pereira, Matheus Faustini, Sara de Farias e Thayna Vaz
Imagem: Lucas Pereira
Texto: Brenda Ponciano, Felipe Sioto, Lucas Pereira, Matheus Faustini, Sara de Farias e Thayna Vaz
Imagem: Lucas Pereira