FONTE de valores
Fonte da vida, fonte da juventude, fonte para ligar algum aparelho eletrônico, código fonte (tão famoso nas eleições), beber da fonte, fonte jornalística. Enfim, a palavra fonte pode ter vários significados dependendo do contexto.
E qual é a importância de uma fonte para um jornalista?
Sabe qual motivo de eu estar falando sobre isso? Provavelmente, não, mas eu conto. Na semana passada, eu li uma mensagem, em um grupo de jornalistas no WhatsApp, que me deixou reflexivo: “Eu? Não vou até fonte mais não, faço tudo por vídeo ou por zap”.
Ontem, acompanhando a “volta às aulas” na universidade, renovei minhas esperanças vendo os calouros de comunicação e os meus futuros colegas de profissão. Mas, por outro lado, a fala da minha colega ainda pairava em minha mente.
Será que esses novos estudantes serão zelosos e saberão valorizar verdadeiramente a importância de uma fonte?
Mas o que é fonte?
Na conceituação de Schmtiz (2011), fontes de notícias são “pessoas, organizações, grupos sociais ou referências; […] de quem os jornalistas obtêm informações de modo explícito ou confidencial para transmitir ao público, por meio de uma mídia”.
O autor afirma também, que a origem da palavra fonte está associada à mitologia romana, Fonte, deus das nascentes, filho do deus Jano e de Juturna, ninfeta das águas e mananciais. A etimologia é do latim, “fonte: nascente de água”. A palavra está relacionada a vários significados e figuras de linguagem. Refere-se “aquilo que origina ou produz”.
Conforme o pensamento de Schmtiz (2011), a expressão “ir a fonte”, remete exatamente a ação de se buscar água na nascente, em seu lugar de origem. Ele sugere “dirigir-se a quem pode fornecer informação exata sobre algo ou explicar a origem do fato”.
Uma boa estratégia para escolha das fontes é essencial no cotidiano do profissional de jornalismo, tendo em vista que, segundo Schmtiz (2011) “o mundo moderno obriga o jornalista a produzir notícias que não presencia nem entende”. Mas o autor, salienta que é preciso diferenciar “fonte de informação” e “fonte de notícia”, no sentido de que qualquer informação está disponível a alguém. Já a fonte de notícia necessita de um meio de transmissão, de um mediador, que faça circular o seu conhecimento ou saber.
Para o autor, “o saber do jornalismo também é construído pela fonte, embora não se preste a devida atenção à sua relação com a mídia. As notícias resultam de processos complexos da interação, mas há limites na sua produção, por isso, cada vez mais as fontes fornecem conteúdos prontos para uso”.
Schmtiz (2011) fala que as fontes passaram a interferir de forma decisiva no processo jornalístico, sendo também produtores ostensivos de conteúdos com qualidade de notícias. Ele comenta que “o jornalismo recorre ao conhecimento das fontes, para aprofundar a apuração e humanizar a notícia”.
A fala no grupo de WhatsApp foi em tom de deboche, respondendo a outra colega de profissão que comentava que teria que viajar vários quilômetros para entrevistar uma fonte. E por incrível que pareça, a colega que não quer se deslocar é nova no mercado jornalístico.
Entendo que muitas vezes o deslocamento seja difícil, cansativo ou até improvável, até porque muitos veículos jornalísticos não oferecem recursos financeiros para isso, por outro lado, o uso de tecnologias de comunicação facilita muito o trabalho. Mas isso não pode contribuir para uma possível desvalorização desse ator tão importante para a produção de notícia.
Talvez alguns jovens me chamem de velho, mas eu ainda sou a favor do olho no olho, mais ou menos como a professora Cremilda Medina que defende o “Ato presencial” como insubstituível.
A adrenalina na criação mental e a ansiedade no aguardo da resposta de uma pergunta contundente (como aquelas que meu ídolo Roberto Cabrini costuma fazer) que nos faz ter a certeza da veracidade do que está sendo falado, não tem preço.
Como bom filho de Oxóssi, sou extremamente observador. Fico atento a todos os gestos corporais de meus entrevistados, desde a primeira troca de olhares na chegada, até a hora de levantarmos para irmos embora. Coisas que por vídeo chamada ou por áudios e mensagens escritas no WhatsApp muitas vezes não é possível.
Para escrever a reportagem Samba autoral resiste em Sorocaba (https://focas.uniso.br/index.php/2020/01/14/samba-autoral-resiste-em-sorocaba/), eu viajei para várias cidades, vivi o dia a dia das minhas fontes: carreguei instrumentos, participei da vaquinha para compra de comidas, dormi no chão com elas, até mesa de bar dividimos. Foi uma experiência incrível que trouxe detalhes que enriqueceram e humanizaram ainda mais o texto.
E falando em humanização, a entrevista pessoal traz à tona emoções cruciais para o jornalista. Onde as lágrimas, os desabafos, os sorrisos, os socos na mesa de revolta por injustiça produzem uma narrativa ainda mais próxima da realidade, presenteando o leitor/ouvinte. E se tanto o profissional jornalista quanto a fonte saírem alterados em relação a como chegaram, é sinal que o tão propagado por Cremilda Medina, Diálogo Possível foi concretizado.
E eu posso dizer com toda convicção: na grande maioria das vezes, saí de uma entrevista transformado como profissional e como ser humano.
Então deixo algumas perguntas para os meus colegas:
Como estamos tratando nossas fontes? Seja ela, Primária; Secundária; Oficial; Empresarial; Institucional; Popular; Notável; Testemunhal; Especializada ou de Referência, conforme classifica Schmtiz (2011).
Será que temos tratado da mesma forma o engenheiro agronômico pós doutorado da USP e aquele “senhorzinho” matuto e inteligentíssimo da área rural?
Será que não ouvimos e valorizamos mais, a socióloga branca, de classe alta com pós em Harvad, que nunca pisou em uma periferia, em comparação com aquela mãe solo, preta, que pega ônibus todo dia e conhece verdadeiramente as agruras da quebrada?
E, para meus colegas calouros, parodio uma música da Alcione para fazer um pedido:
“Antes de me despedir, deixo ao jornalista mais novo, o meu pedido final: não deixe o valor da fonte morrer, não deixe sua importância acabar, o jor é feito de fontes, de histórias pra gente contar”
Referências
SCHMITZ, Aldo Antonio. Fontes de notícias: ações e estratégicas das fontes no jornalismo. Florianópolis: Combook, 2011.
MEDINA, Cremilda. Entrevista – diálogo possível. São Paulo: Ática, 2008.
MEDINA, Cremilda. Ato presencial – mistério e transformação. São Paulo: Casa da Serra, 2016.