Entre cadernos e redes: Um novo olhar sobre as mulheres na história
Entre salas de aula e o mundo digital, estudantes e educadoras desafiam o apagamento histórico e reforçam o protagonismo feminino na arte, na ciência e na sociedade
Por Gabriela Dias, Samyra Alves e Stefany Lima (Focas na Ciência e Agência Focas – Jornalismo Uniso)
Numa sala de aula, onde adolescentes de 14 e 15 anos desenhavam o mundo com perguntas ainda sem respostas, emergiu uma indignação comum: a ausência de vozes femininas nos livros didáticos. Entre cadernos abertos e olhares atentos, foi Helena Soares, professora de Arte e História, quem testemunhou o despertar crítico daquela turma. Aos 25 anos, formada pela Universidade de Sorocaba (Uniso) e, atualmente, mestranda em Educação pela mesma instituição, Helena estava ali, no exato momento em que seus alunos, com a curiosidade própria da idade, começaram a questionar o silêncio imposto à representatividade feminina nas narrativas oficiais.

O trabalho se desenvolveu em 2023, mas foi em 2024 que ele se tornou um projeto de pesquisa. A iniciativa partiu dos próprios estudantes em criar uma rede social para divulgação de artistas mulheres, como Tarsila do Amaral e Rita Lee: “[…] como a maioria deles quis falar sobre a falta de representatividade de mulheres, eles já tinham certa consciência sobre a falta de espaço que muitas mulheres encontram, tanto no meio artístico quanto em qualquer outra carreira profissional”, comenta Helena.
Então, hora de colocar a mão na massa para este trabalho ser desenvolvido. Foi quando Helena notou que as redes sociais eram um meio muito utilizado por eles para lazer e para pesquisa. Esta última parte foi o momento em que a professora precisou intervir e instruí-los em relação às pesquisas em redes sociais: “[…] eles conseguiam e utilizavam muito bem, e tinham muito costume de utilizar a rede social. Então, fazer pesquisa no TikTok, no Instagram e acessar vídeos no YouTube, isso eles faziam sem problema algum, com muita facilidade, mas pegar e entrar no Google e fazer uma pesquisa acadêmica, eles não sabiam”, afirma.
Ao final do trabalho, Helena percebeu uma mudança significativa: os alunos se tornaram mais críticos. Diante de qualquer informação na internet, já surgiam perguntas fundamentais: quem postou? De onde veio essa informação? Qual o conhecimento da pessoa sobre o assunto? Esse comportamento foi o reflexo de um trabalho construído ao longo de todo o semestre.
Além disso, para a professora foi importante os retornos dos alunos ao fim da pesquisa: “[…] alguns outros trabalhos foram marcantes, não pela pesquisa, porque as artistas que foram trazidas eu já conhecia. Mas a fala de alguns estudantes, principalmente das meninas […]. As vivências deles, as experiências que eles tiveram, para eles, acabam sendo marcantes para nós, quanto professores […]”.
Mulheres nos laboratórios
Segundo uma pesquisa publicada em 2018 pela revista Science — uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo, editada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) —, as crianças estão cada vez mais associando a imagem do cientista às mulheres. O estudo foi baseado em 20.860 desenhos feitos por crianças e adolescentes, entre 5 e 18 anos, ao longo de cinco décadas.
Na década de 1960 e 1970, o percentual era inferior a 1%, e este crescimento ao longo dos anos é reflexo das próprias mulheres terem tomado a iniciativa de estudar e se tornarem cientistas. Segundo a pesquisa, fazendo uma relação do mesmo período de 1960 até 2013, o percentual de mulheres neste ramo científico foi de 28% para 49% em ciências biológicas, de 8% para 35% em química, e de 3% para 11% nas áreas de física e astronomia. Ainda que a grande maioria seja formada por homem, o tempo vem mudando estes dados e até mesmo para as crianças, em seus rabiscos.
Mulheres na arte
De acordo com uma matéria publicada em março de 2020 no Centro Cultural de São Paulo, a presença de artistas mulheres em acervos e exposições é menor que comparado aos homens. No Brasil, a presença feminina ocupa 6% de exposição no MASP (Museu de Artes de São Paulo Assis Chateaubriand), levantando inquietações e questionamentos, principalmente pelo fato de que a porcentagem de presença feminina é baixa, mas a representação do nu feminino ocupa 60% dos materiais em acervo expostos.
Essas inquietações são importantes, pois geram reflexões e projetos para mudar essa perspectiva e trazer mais visibilidade para essas artistas, assim como os alunos de Helena fizeram.
Mulheres em cena
Enquanto os estudantes de Helena Soares abriam caminhos para enxergar o protagonismo feminino na arte e na ciência, outra frente de resistência e valorização das mulheres se consolidava nos palcos de Sorocaba. Ana Carolina Santana Barbosa, professora de Teatro do Sesi-SP, vive no cotidiano a tarefa de reescrever a história silenciada das mulheres nas artes cênicas, uma história de resistência que atravessa séculos. Desde a Antiguidade, o teatro tem sido um espelho da sociedade, refletindo seus preconceitos, normas e avanços. Na Grécia Antiga, por exemplo, mulheres sequer podiam participar das encenações, seus papéis eram interpretados por homens mascarados. Esse padrão de exclusão se manteve em diversas culturas teatrais, incluindo na Inglaterra elisabetana do século XVI. Ana lembra que “no tempo de Shakespeare, as mulheres sequer podiam atuar, sendo substituídas por homens nos palcos”, reforçando como as estruturas sociais da época moldaram a arte. Ainda assim, o teatro sempre carregou em si o potencial da subversão. Dramaturgos como Shakespeare, mesmo dentro das limitações de sua era, inseriram personagens femininas complexas e desafiadoras. Em “A Megera Domada”, por exemplo, a protagonista rompe expectativas com discursos potentes e ousados, antecipando o que viria a ser, séculos mais tarde, as primeiras expressões feministas nas artes.

Ana também relembra sua própria trajetória acadêmica, marcada pela predominância de referências masculinas nas disciplinas de história e teoria teatral. “Foi necessário um esforço pessoal para descobrir dramaturgas, atrizes e diretoras que haviam pavimentado o caminho para futuras gerações”, destaca. Este apagamento não é um fenômeno isolado, ao longo da história, mulheres foram sistematicamente excluídas dos registros oficiais das artes, da ciência e da cultura. Hoje, Ana busca romper esse ciclo de invisibilização. Em suas aulas, promove debates, pesquisas e reflexões que destacam o papel das mulheres na dramaturgia. Em 2025, o tema “Dramaturgas Brasileiras” será trabalhado no Núcleo de Artes Cênicas do Sesi-SP, reforçando o compromisso com a valorização de trajetórias femininas. Iniciativas como essa são fundamentais para corrigir distorções históricas e oferecer às novas gerações uma visão mais justa e diversa do legado artístico.


Entre as artistas que Ana admira estão gigantes como Fernanda Montenegro, primeira atriz brasileira indicada ao Oscar, além das inovadoras diretoras Bia Lessa e Duda Maia, e das dramaturgas Grace Passô e Sílvia Gomez. “São mulheres que ousaram pensar além do seu tempo, enfrentando os desafios de uma sociedade historicamente patriarcal para conquistar reconhecimento e inspirar novas gerações”, afirma a professora.
A trajetória dessas mulheres mostra que, apesar dos obstáculos, o teatro é também um espaço de libertação e transformação. Seja nas salas de aula da história e das artes, seja nos palcos e nas redes sociais, uma certeza se desenha: as novas gerações, munidas de olhar crítico e vontade de mudança, estão reescrevendo as narrativas, desta vez, com as mulheres no centro da história.
LEMBRE DE SEUS NOMES!

RITA LEE
Com cabelos lisos, franja característica e sempre em tons de vermelho, Rita Lee foi uma das maiores cantoras e compositoras do Brasil, eternizada como a “rainha do rock brasileiro”. Em sua obra, abordava de forma direta e autêntica temas como liberdade, amor, feminismo e sexualidade. Marcou época ao se tornar a primeira mulher a comandar uma banda de rock no país, “Os Mutantes”, rompendo com os padrões de gênero e transformando a cena musical nacional.
Fontes: Instituto Humanistas Unisinos; Brasil Escola
TARSILA DO AMARAL
Pincéis, tintas e telas se tornaram palco de uma revolução protagonizada por mulheres. Entre elas, destaca-se Tarsila do Amaral, um dos principais nomes do Modernismo — movimento cultural, literário e artístico marcado pela ruptura com as tradições e pela busca de novas formas de expressão. Tarsila é autora de “Abaporu”, considerado o quadro mais valioso da história da arte brasileira. Embora a obra não possa ser comercializada e não tenha um valor oficial estimado, seu seguro foi avaliado em 45 milhões de dólares quando viajou para uma exposição no MoMA (Museu de Arte Moderna) em Nova York, em 2018.
Fontes: CNN Brasil; UOL; BBC