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O preço da ignorância da nova geração: Jovens acreditam que escola não dá futuro

Coaches Mirins pregam que o empreendedorismo é o caminho do sucesso, questionam a escola, ridicularizam a CLT e podem afetar a saúde mental de jovens que não vivem as mesmas 24 horas que eles.

Por: Alyne Troiano (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Imagem ilustrativa | Foto: Alyne Troiano

Empreendedores adolescentes têm viralizado nas redes sociais com conteúdos que promovem discursos sobre “ser empresário da própria vida”. Os chamados coaches mirins compartilham em suas redes conselhos para se tornar o próprio chefe ainda na adolescência.

Nesses conteúdos, a escola é frequentemente descredibilizada e o trabalho formal, por sua vez, é condenado como sinônimo de fracasso.

“Para mim não faz sentido aprender a fórmula de Bhaskara e equação porque isso não vai ajudar em nada na minha vida. Como eu vou ganhar dinheiro com isso?”, questiona um adolescente no podcast Digitalz. Alejandro Ferreira de 18 anos, dono e apresentador do podcast, contou em entrevista para o g1 que abandonou a escola para criar a empresa, “o colegial não estava sendo muito compatível com a minha agenda.”

Embora possam soar inspiradores, esses discursos carregam riscos. A lógica meritocrática que defendem ignora as desigualdades sociais e cria expectativas irreais, capazes de gerar frustrações profundas em outros adolescentes.

A psicóloga clínica Letícia Ribeiro explica porque esses conteúdos encontram terreno fértil entre jovens:

“Esse tipo de discurso tem como essência a lógica da venda, pois se apoia na promessa de sanar uma necessidade. Para o adolescente, que está em uma fase de transição em que já não é criança, mas também não tem independência plena, a ideia de autonomia torna-se altamente desejável. Quando essa autonomia é apresentada como uma “fórmula mágica”, o apelo é ainda maior, já que a adolescência é marcada pelo imediatismo e pela dificuldade em compreender o tempo necessário para conquistar resultados. O problema é que esse conteúdo raramente mostra as dificuldades concretas, como o fracasso, a incerteza e a carga real de trabalho. Dessa forma, cria-se uma expectativa idealizada.”

Leticia em uma roda de conversa sobre saúde mental Foto: Arquivo pessoal

A ascensão dos coaches mirins está diretamente ligada ao boom das redes sociais, ao discurso neoliberal de valorização da autonomia individual e ao cenário pós-pandemia, em que muitos jovens passaram a buscar alternativas de renda rápida. O sociólogo Richard Sennett alerta que a cultura do desempenho imediato transforma paciência e formação em obstáculos, criando uma geração ansiosa pelo sucesso precoce.

Nesse contexto, o empreendedorismo jovem se apresenta como promessa de liberdade financeira e status social. Para entender essa realidade, conversamos com Giovanna Guilhen, 16 anos, que investe em seu próprio negócio de nail designer:

Giovanna Guilhen no curso de nail designer Foto: Alyne Troiano

“Minha mãe sempre me incentivou a fazer cursos profissionalizantes, mas isso significava trabalhar para os outros. Eu queria fazer meu horário e ter minha liberdade. Decidi começar com manicure e pedicure, algo que eu gostava e tem alta demanda. No futuro pretendo ter meu próprio estúdio de nail designer e estar estabilizada financeiramente”, contou.

Giovanna reconhece o apoio da família, que colaborou financeiramente e a motivou nessa nova etapa. Questionada sobre a escola, foi direta: “Acredito que, na profissão que eu escolhi, a escola não influência tanto.”

Certificados conquistados pela Giovanna no curso de nail designer | Foto: Alyne Troiano

O empreendedorismo no Brasil é bastante incentivado, programas como o MEI estabelecem segurança para aqueles que desejam seguir esse caminho. Porém, quando o discurso adolescente propaga que “a escola não é necessária” e promete a receita para o sucesso, acaba mascarando desigualdades sociais e expondo outros jovens à frustração.

“A literatura científica mostra que empreender envolve riscos significativos para a saúde mental, como estresse, ansiedade e incerteza financeira. Quando essa expectativa é transferida para adolescentes, que ainda não possuem repertório cognitivo ou emocional para lidar com fracassos e frustrações, o impacto pode ser ainda maior. Esses jovens podem experimentar sentimentos de inadequação, medo de falhar e ansiedade intensa. Esse cenário se agrava nas redes sociais, já que a comparação constante com recortes editados e idealizados da vida de outras pessoas intensifica a insatisfação com a própria realidade”, explica Letícia Ribeiro.

A escola é inútil?

Segundo o educador Paulo Freire, a escola deve ser um espaço de formação crítica e humana, e não apenas um local de transmissão de conteúdos voltados ao mercado de trabalho. A visão utilitarista da escola reduz sua importância apenas á isso, mas ela vai muito além. A escola é essencial para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional dos jovens. É nesse espaço que se fortalece o raciocínio lógico, o senso crítico e a capacidade de relacionar fatos e competências que não se limitam a uma aplicação imediata, mas que formam a base para decisões conscientes e para uma participação ativa na sociedade.

Um levantamento do Sebrae, com base em dados do IBGE, mostra que 25,9% dos jovens empreendedores já têm ensino superior incompleto ou completo. No caso do Brasil, a formação acadêmica aparece como fator decisivo, todos os fundadores de empresas unicórnios brasileiras possuem graduação, e muitos seguiram para especializações como MBAs e mestrados, inclusive no exterior. A universidade não apenas fornece conhecimento técnico e gerencial, mas também funciona como espaço de networking, acesso a incubadoras e credibilidade no mercado, elementos que ampliam as chances de um negócio prosperar.

Infográfico design: Alyne Troiano

Esses dados mostram como a educação superior pode abrir portas e ampliar oportunidades. No entanto, é fundamental reconhecer que esse cenário não se aplica de forma igual para todos, as desigualdades sociais ainda limitam o acesso de muitos jovens ao ensino superior, o que significa que a falta de diploma, na maioria das vezes, não é fruto de escolha, mas de barreiras estruturais.

A psicóloga Letícia Ribeiro reforça que “o discurso de que ‘estudo não dá futuro’ ignora a estrutura social e econômica em que estamos inseridos. Para o adolescente, essa mensagem pode provocar perda de sentido em relação ao estudo. Há jovens com vocação empreendedora genuína, mas há uma diferença entre construir um projeto de vida e acreditar em atalhos que prometem sucesso rápido sem considerar o contexto de origem ou as competências que ainda estão em formação.”

Para a historiadora e youtuber Débora Aladim, o discurso de que “estudar não vale a pena” serve apenas para manter as desigualdades. Em um vídeo publicado em suas redes sociais, ela afirma que quem desvaloriza o estudo quer que as pessoas pobres continuem pobres. Débora também resgata o contexto histórico da educação superior no Brasil.

Assista ao Vídeo completo: https://youtu.be/REjQkr6NObo?si=PE11xC_6RZJf4trh

O medo da nova geração em relação a carteira assinada

Foto: Alyne Troiano

As entrevistas publicadas pelo canal “Digitalz” no YouTube com adolescentes de 12 a 18 anos, mostra que os jovens têm associado o trabalho com carteira assinada a condições negativas, como baixa remuneração, ônibus lotado, excesso de tarefas, pressão de superiores, situações de humilhação e pouco tempo de descanso.

“Não é ódio pela CLT, é que nenhum sonho grande cabe em um salário de 3 mil reais”, disse uma influenciadora de 15 anos em vídeo recente.

Essa demonização do trabalho registrado ignora que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, foi fruto de lutas históricas que garante direitos como férias, 13º salário, jornada de 44 horas semanais e descanso remunerado, proteções fundamentais em um mercado cada vez mais precarizado. Movimentos atuais, como a luta pelo fim da escala 6 por 1, mostram que a defesa desses direitos continua necessária.

O fenômeno dos coaches mirins expõe um dilema central da juventude, buscar autonomia e reconhecimento, mas ao custo de fragilizar a importância da escola e dos direitos trabalhistas. A educação, embora vista por alguns como “inútil”, é essencial para formar cidadãos críticos e preparados para lidar com um mundo complexo. O trabalho formal, longe de ser sinônimo de fracasso, representa segurança.

Empreender pode ser uma escolha legítima, mas a importância da educação e a segurança conquistada pelos movimentos trabalhistas ao longo dos anos precisam ser reconhecidas. A nova geração saber equilibrar sonhos e realidade, entendendo que conhecimento e direitos não são barreiras, mas sim instrumentos para construir o futuro em uma sociedade ainda marcada pela desigualdade.

“Na linha de chegada da vida, cada um parte de um lugar, por isso, não existe meritocracia.”

Jornalista Letícia Vidica no TEDx Uniso em setembro de 2025.

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