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Deixem o índio falar!

O que você tem lido sobre índios? O 19 de abril passou há pouco mais de um mês e a repentina lembrança de que nativos também vivem em território brasileiro já esmaeceu. Mas mais que isso: o que você tem lido que tenha saído da boca de um índio? Em meio às reportagens veiculadas na mídia, seja pelo Dia do Índio ou em datas comuns, com qual frequência aspas são abertas em meio ao texto para dar voz às populações sempre retratadas com a pele vermelha de urucum, cabelos negros que brilham com o Sol e arco e flecha a postos? Aqueles que estavam em Pindorama antes do mundo sequer saber da existência do país Brasil? Aqueles tantas vezes marginalizados, excluídos e esquecidos? Por que não deixam o índio falar?

Um levantamento de 2015 da Associação Nacional de Jornais (ANJ) aponta que os três jornais de maior circulação digital no Brasil são Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo. Em uma rápida busca nos portais on-line desses veículos utilizando a palavra-chave “índio” (feita em 23 de maio de 2018), temos a indicação de que Política e Economia são as editorias que tornam o tema mais recorrente. A primeira página de resultados dos três maiores jornais, respectivamente, mostra manchetes como: “Índios fazem protesto na Esplanada dos Ministérios”, “Moreira Franco faz pressão por obra em terra indígena” e “Funai na mira do TCU”.
Na primeira, a Folha revela que o Ministério de Minas e Energia, comandado por Moreira Franco (MDB-RJ), quer que a linha de transmissão de energia elétrica de alta tensão ligando Manaus (AM) a Boa Vista (RR) seja iniciada sem consentimento do povo Waimiri-Atroari, que teria as terras invadidas. O jornal bem pontua que a etnia já foi duramente afetada durante a construção da rodovia BR-175 durante a ditadura militar e traz reflexões a respeito. Porém, há o incômodo de não saber o que os Waimiri-Atroari têm a dizer. Se a equipe da Folha expôs posicionamentos da Procuradoria Geral da República, dos Ministérios de Minas e Energia e de Defesa e do Ministério Público Federal, por que não dar espaço a uma liderança indígena, uma vez que são os mais interessados no assunto? Mesmo o uso de uma fonte da organização não governamental Instituto Socioambiental não supre essa falta.
A manchete do jornal O Globo explica que aproximadamente dois mil índios fizeram uma manifestação em Brasília em reivindicação pela demarcação de terras. Aqui, há uma fala breve, mas clara, do cacique Marcos da tribo Xukuru. Os Acampamentos Terra Livre costumam reunir anualmente índios de povos variados para buscar apoio no Congresso; afinal, a bancada ruralista, que defende interesses da agropecuária, possui 33 proposições anti-indígenas tramitando na Câmara e no Senado, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Apesar do acerto ao dar voz ao líder, não há aprofundamento; a notícia é o protesto, não o apelo – e há grande diferença. Então, o índio apenas pode ser vítima se sofrer calado?
Na última, a manchete presente no Estadão leva ao blog BR18 que anuncia a reportagem “Áudios indicam pressão na Funai para favorecer empresas”. Na primeira página de resultados do veículo, o texto sobre o escândalo sobre o órgão federal Fundação Nacional do Índio (Funai) é o único que se aproxima do tema. O assunto, estritamente político, oferece dados investigativos, mas não traz luz aos protegidos da entidade e prejudicados pela corrupção.
Segundo o Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 896 mil pessoas se declaram indígenas no país; elas estão divididas em 305 etnias diferentes, nas quais existem 274 línguas faladas. Quantos deles são vistos nos veículos de comunicação? Atualmente, fala-se muito em como a representatividade é importante, mas a ver em prática é difícil. A imagem dessas quase 900 mil pessoas aparece na mídia quando veiculada à criminalização (como no caso dos protestos) ou choque (seja pelo “primitivismo” ou pela “modernidade”).
A espera passiva por um “novo” deputado xavante Mário Juruna – primeiro e único índio parlamentar federal do Brasil, famoso por gravar promessas de políticos a respeito das reivindicações indígenas – ou um “novo” ativista Ailton Krenak – líder ambientalista reconhecido internacionalmente por sua dedicação ao movimento indígena –, que tiveram oportunidade e “deram a cara a tapa” em palanques nacionais, pode ser longa e decepcionante. Se há invisibilidade nos veículos de comunicação decorrente de linha editorial, critérios de noticiabilidade ou etnocentrismo e preconceito, cabe aos leitores prestarem atenção no que e como as informações estão sendo repassadas para que a imagem dos indígenas não chegue deturpada – uma vez que eles mesmos não têm a chance de construírem o modo como querem ser vistos. É fácil, afinal, esquecer-se da existência dos nativos quando a imprensa também se esquece deles.
Texto: Bruna Emy Camargo

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