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Envelhecimento da população representa imensos desafios para o país

Cida Barros, como gosta de ser conhecida, hoje aos 70 anos de idade, reside numa Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI), que acolhe mais de uma centena de pessoas na cidade de Sorocaba. Apesar de sentir-se grata pelos serviços prestados pela instituição, ela diz sentir falta de reconhecimento, principalmente por parte da família. “Na velhice, nós somos discriminados. Isso acontece principalmente àqueles que não têm parentes próximos para apoiá-los. Nunca imaginei que terminaria aqui, numa casa de idosos. A discriminação começa no próprio sangue; ninguém quer uma velha, doente e pobre”, ela diz, ressentida.
Cida faz parte de uma estatística preocupante: hoje, os brasileiros e brasileiras com 65 anos ou mais somam 29 milhões, ou 9% da população; até 2050, a porcentagem atual terá mais do que dobrado, atingindo 21%. Estima-se que 2039 será o primeiro ano em que o número total de idosos terá ultrapassado o número de jovens no Brasil. Os dados são da Projeção da População do Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Uma das causas desse envelhecimento é o aumento da expectativa de vida, de 76 anos em 2019, para 80 anos em 2050. Esse ritmo acelerado é uma tendência que se mantém em outros países emergentes; segundo estudos do Fundo Populacional (UNFPA), da Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada cinco pessoas terá 60 anos ou mais nesses países nos próximos 30 anos.
De acordo com o professor mestre Glauco Freire da Silva, docente no programa de graduação em Ciências Econômicas da Universidade de Sorocaba (Uniso), o envelhecimento é um fenômeno positivo na medida em que sugere que o país está fornecendo as bases materiais (condições de saúde, especialmente) para que os brasileiros vivam mais. Contudo, essa transição demográfica traz imensos desafios, em diversas áreas da vida em sociedade.
Dinâmica familiar
Hoje as famílias têm uma estrutura bem diferente do que era comum há alguns anos. O número de mulheres dedicadas exclusivamente ao ambiente doméstico diminuiu drasticamente, ao mesmo tempo em que as famílias se tornaram mais dispersas. Por essas e outras razões, houve um aumento na quantidade de casas de repouso e ILPIs. É o que afirma Maria Eugênia Filomena de Moraes, presidente do Conselho Municipal do Idoso de Sorocaba (CMI), um órgão deliberativo que tem a finalidade de garantir a implementação, a execução e o acompanhamento das políticas pertinentes ao idoso junto à sociedade.
“Hoje, em Sorocaba, há cerca de 40 casas de idosos cadastradas, mas existem diversas outras clandestinas. É claro que toda entidade assistencial visa o crescimento pelo aumento do lucro, assim como qualquer outra empresa, porém a prioridade deve ser o bem-estar dos idosos, 24h por dia”, alerta Moraes. Geralmente, são as próprias famílias que costumam financiar a estadia e os cuidados nas ILPIs. “Muitas vezes, o idoso não consegue se manter porque dedicou sua vida à família. Mesmo recebendo pouco, é comum colocarem seus filhos e netos como prioridade”, ela diz.
Mercado de trabalho
Sobre o mercado de trabalho, há uma grande dificuldade em relação às oportunidades para pessoas mais velhas. “Os indivíduos que hoje estão na faixa dos 50 anos encontram sérias dificuldades de inserção e de ocupação. Penso que o mercado de trabalho precisará se ajustar ao novo perfil demográfico. As empresas terão que contratar as pessoas mais idosas, pois não haverá jovens para ocupar todas as posições. Por outro lado, o mundo do trabalho está sofrendo imensas transformações, com a inteligência artificial associada à robótica e à internet das coisas. Diversas ocupações e profissões não serão mais necessárias dentro de algum tempo. Nessa perspectiva, os indivíduos mais idosos deverão ser os principais excluídos do mercado de trabalho”, prevê Silva.

Previdência Social
Os impactos do envelhecimento na Previdência Social são diretos. O professor explica que o Brasil mantém um sistema universal de previdência, no modelo de repartição, por meio da qual os indivíduos ativos financiam as aposentadorias dos indivíduos aposentados. Numa situação em que as contribuições do pessoal da ativa não sejam suficientes para pagar o pessoal da inativa, o Tesouro Nacional faz o complemento. Como dá para imaginar, esse modelo não corresponde ao ritmo de envelhecimento do país.
Em 2018, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o sistema previdenciário correspondeu a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. A organização também prevê que, seguindo o ritmo atual, os gastos previdenciários mais do que dobrarão em poucos anos, o que tornará a situação insustentável. Portanto, para muitos economistas a reforma da previdência se tornou necessária devida à desigualdade entre os valores que os beneficiários recebiam e o envelhecimento da população. Para sustentar o sistema atual, faz-se necessário que o Tesouro Nacional aloque recursos escassos de outras áreas (saúde, saneamento, educação, investimentos) para a complementação do pagamento das aposentadorias, o que está longe de ser ideal.
O economista afirma que a reforma da Previdência está apoiada em três princípios básicos: a idade mínima, o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e a unificação dos regimes previdenciários. “A idade mínima implica que, na média, os brasileiros terão de trabalhar mais tempo até atingir aos critérios para se aposentar. Esse ponto afetará diretamente a classe média e os indivíduos de maiores salários, uma vez que atualmente se aposentam por tempo de contribuição por volta de 55 anos, sendo que as mulheres dessa faixa se aposentam mais cedo ainda”, explica Silva.
“Por outro lado, a unificação dos regimes implica que todas as carreiras — tanto do setor privado quanto os servidores públicos ganharão, quando se aposentarem, o teto estipulado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que hoje está por volta de R$5.500,00. Portanto, faz-se extremamente necessário que a população realize sua poupança voluntária, por meio de aplicações em previdência complementares privadas”, recomenda.

Dificuldade de acesso aos serviços de saúde
Hoje, 75% dos idosos dependem apenas do Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o Estudo Longitudinal da Saúde e Bem-Estar dos Idosos Brasileiros (ElSI-Brasil).
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Brasil possui 1.817 geriatras cadastrados, sendo a maioria residente na região Sudeste. Há um geriatra para cada 16.511 idosos atendidos, muito aquém do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS): um especialista para cada mil idosos.
Ainda há a questão de acessibilidade; atualmente, uma boa parte dos sistemas é informatizada, entretanto a falta de educação e assistência para utilizar tais sistemas pode dificultar o acesso dos idosos aos próprios direitos. Dados do INSS, por exemplo, apontam que aproximadamente, 1,1 milhão de pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que assegura o pagamento de um salário mínimo para idosos a partir dos 65 anos ou para deficientes que tenham renda inferior a um quarto do salário mínimo por membro familiar ainda não fizeram a inscrição no Cadastro Único.
Mesmo para quem recebe os benefícios, nem sempre os recursos são suficientes para pagar os tratamentos e assistências especiais. Os maiores gastos se referem às medicações e aos profissionais especializados no cuidado da terceira idade, como geriatras, educadores físicos, psicólogos e nutricionistas. Como conclui Moraes, “quando a velhice chega, uma boa qualidade de vida custa caro.”

Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Bernardo Sader e Celinne Nishimura

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