Por que Aldo Vannucchi? Um professor para a vida toda
Patrono da Universidade de Sorocaba falou sobre o sofrimento da perda violenta do sobrinho Alexandre Vannucchi, e cobrou atitudes dos jovens devido ao que chamou de “Ditadura da Indiferença”
Rafael Filho (Agência Focs / Jornalismo Uniso)
“Caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais, braços dados ou não. Vem vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Quem passava pela porta de entrada do auditório do bloco F da Cidade Universitária da Uniso, era recebido pela marcante canção “Para não dizer que eu não falei das flores”, de Geraldo Vandré. Considerada um hino de resistência e luta contra a ditadura, a música era executada de maneira contínua, a pedido do professor Aldo Vannucchi, antes da palestra “Por que Alexandre Vannucchi Leme?“, no último dia 31 de março, data alusiva ao Golpe Militar de 1964.
No início do evento foi reproduzida para os presentes a reportagem “Conheça a história do sorocabano preso e torturado por policiais na ditadura militar”, produzida pela TV Tem, afiliada da Rede Globo em Sorocaba. “Preciso segurar a emoção para poder falar com vocês. Esta é a primeira vez que vi a reportagem. Não tive coragem antes”, confessou Aldo com a voz embargada e lágrimas nos olhos.
Aldo Vannucchi (ao centro) e Guilherme de Carvalho Teles (à esq.), assistem atentamente à exibição da reportagem em memória aos 50 anos de falecimento de Alexandre Vannucchi (Foto: Rafael Filho)
Aldo iniciou sua fala se dizendo feliz e honrado em seu agradecimento ao presidente do Centro Acadêmico do curso de Direito, Guilherme de Carvalho Teles pelo convite, e fazendo questão de deixar claro a todos, que ele não era maior do que ninguém que estava ali no local.
Com um acentuado aumento no volume de voz e em tom esbravejante, Aldo assustou os expectadores ao dizer que os jovens que estavam presentes, “não eram a esperança do futuro”. Arrancando risos e palmas de quem o assistia, Aldo explicou na sequência que eles eram “a esperança do presente, do agora também.
Perseguido e preso pela ditadura, Aldo explicou que ao contrário do que muitos pensam e o acusaram, nunca foi um integrante ou defensor do comunismo. “Eu participava das greves, mas no intuito de ajudar para que se chegasse ao fim delas” ele contou. Com indignação Aldo citou que muitas empresas famosas como por exemplo a Ford, Volkswagem, Ultragaz e grandes bancos, financiaram as barbáries “se banqueteando de sangue, ao ajudarem a ditadura”.
“Há soldados armados amados ou não. Quase todos perdidos de armas na mão. Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição. De morrer pela pátria e viver sem razão”. Semelhante ao que fala outro trecho da música de Vandré, Aldo afirmou que muitos policiais cometeram grandes erros durante a ditadura. Mas mesmo após sofrer tanto com as ações do regime, ele fez questão de não generalizar e deixar claro o seu respeito para com a instituição. “Eu não tenho nada contra os militares. Sou contra aqueles que atentavam contra a vida das pessoas”, defendeu.
Segundo Aldo, a ditadura da indiferença é algo que ele tem percebido nos últimos tempos e se refere às pessoas que não reagem em algumas situações, ou seja, as tratam com indiferença. Ele comentou sobre uma frase que tem ouvido e o incomodado muito. “Vejo alunos dizendo que vieram aqui só para estudar, não para participar de palestras, visitas e outras ações”, ponderou Aldo. Para o professor, a Uniso é muito grande e oferece diversas atividades fora da sala de aula, que podem agregar conhecimento a formação do aluno. Ele afirma que esse desinteresse é fruto da ditadura da indiferença.
Como provocação para os alunos, Aldo perguntou: “Cada um aqui sabe se existe coleta seletiva na sua cidade, e quantas cooperativas são?”. Dando um exemplo para explicar melhor o tema das pessoas indiferentes, Aldo comentou sobre a cidade de Sorocaba ser tão grande e possuir apenas duas cooperativas de coleta seletiva de lixo. “A nossa prefeitura paga uma fortuna para levar o nosso lixo para a cidade de Iperó. Por que não existem mais pessoas engajadas? Por causa da indiferença que elas sentem perante a situação”, enfatizou o professor.
Em outra fala, para exemplificar ainda mais a ditadura da indiferença, Aldo afirmou que a culpa pelo rebaixamento do São Bento (time de futebol de Sorocaba), não foi apenas do rendimento do time, mas também da cidade, da sociedade que olha para ele com indiferença. Aldo citou um jogo decisivo que ocorreu na cidade vizinha de Itu, onde o time do Ituano passava pela mesma dificuldade. “Lá em Itu, foram 8.000 torcedores apoiar o time. Aqui em Sorocaba, foram apenas 4.000. Olha o tamanho da população das duas cidades, e veja a indiferença”, apontou Aldo.
Visando fortalecer a união entre os estudantes, Aldo disse que para se formar uma opinião de qualidade “é preciso não só ouvir a mídia. Não só ouvir as redes sociais. É preciso ouvir os outros com quem se convive”. Ele deu o exemplo de que um aluno acostumado a vir de carro do Campolim (bairro nobre de Sorocaba e próximo da Uniso), deve ter contato com outro que venha de transporte público de Tapiraí (cidade vizinha com 68 km de distância). “São duas cabeças diferentes. Duas cabeças que precisam se tocar. Um precisa pensar no outro. E o outro precisa de alguém para ouvi-lo”, detalhou Aldo.
Expectadores aplaudiram em pé o encerramento do discurso de Aldo Vannucchi (Foto: Rafael Filho)
Aldo concluiu dizendo que o Estado Democrático de Direito, não é apenas uma frase bonita de se falar conforme a moda atual, e que fica feliz de ver muitas pessoas defendendo a democracia e indo contra a qualquer possibilidade de volta da ditadura. O que vai ao encontro de outro importante trecho da música de Vandré: “Ainda fazem da flor seu mais forte refrão. E acreditam nas flores vencendo o canhão”. Ele encerrou sua participação brincando que precisava ir embora, pois havia prometido à sua esposa que voltaria logo para casa.
Hoje com 46 anos de idade, lembro-me muito bem, quando tinha meus 22 anos, recém contratado para trabalhar na UNISO, uma das minhas atribuições era editar uma publicação, chamada ” Cartaz Semanal”, um cartaz que resumia as atividades que ocorreriam na semana, nos auditórios e salas de conferências, era minha primeira semana, enviei o cartaz para a gráfica da FDA, e após sua impressão fui afixar nos murais da UNISO, uma versão menor era entregue nas assessorias de comunicação e na reitoria…
Por volta das 15h desse dia, eis que atendo uma ligação, do outro lado da linha era o prof. Aldo, ele queria falar com o responsável pela publicação, identifiquei-me, e ele pediu para que eu fosse até seu gabinete…
Fui tremendo, Meu Deus, o que será que fiz de errado, perderei meu emprego…
Chegando lá tive um encontro que me marcou minha vida, e que me recordo até hoje como um exemplo de humidade, solitude e consideração. O reitor da UNISO um dos representantes máximo da instituição, leu comigo item a item, explicando-me a forma correta de abreviação de hora e minuto, corrigindo concordância verbal e nominal, de modo algum como um algoz, e sim como uma forma tão acolhedora que nunca me esqueci…
Ao final, solicitou-me que retirasse todos os cartazes, que já haviam sido afixados, e que trocasse pelo cartaz corrigido, orientou-me que antes de enviar para a gráfica que encaminhasse para a assessoria de cominação para as devidas correções.
Exemplificou que uma Universidade deve sempre zelar pela excelência, desde um simples cartaz a uma publicação científica.
Hoje após 24 anos de UNISO, nunca esqueci aquela lição de português, de amizade, de acolhida que tive do nosso querido prof. Aldo…
prof. Olimpio.