Jornalista sem diploma e o futuro da profissão: o que se pensa em Sorocaba
Por João Torres (Agência Focs – Jornalismo Uniso)
“A volta da exigência (do diploma) pode ser um símbolo de como a sociedade brasileira valoriza o profissional jornalista, pois isso está diretamente relacionado com a disseminação das fake news, porque a partir do momento que você consome informação de qualquer pessoa e toma isso como verdade é um problema”, diz Thiago Rizan, professor de jornalismo da Uniso.
O diploma de graduação em ensino superior não é necessário para o exercício da profissão de jornalista desde 2009, após o Supremo Tribunal Federal (STF) votar a decisão em 17 de junho daquele ano com oito votos favoráveis à extinção da obrigatoriedade e apenas um contrário. Na época, o debate se apoiava na ideia de que a obrigatoriedade do documento restringia a liberdade de expressão assegurada pela Constituição Federal de 1988.
Obviamente, o fim da obrigatoriedade do diploma não foi um tema restrito ao ano de 2009, as tentativas de derrubar a exigência perduraram por uma década, apesar do debate sobre a profissão “jornalista” ser contundente há séculos. Em encontro organizado pela Rede de Pesquisa Narrativas Midiáticas (Renami), ligada à Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), em outubro deste ano, Bruno Souza Leal, professor de comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, enxerga o jornalismo permanentemente em crise, por estar disputando legitimidade e credibilidade desde que existe, e considera importante a crise para que o jornalismo seja desafiado.
Para tanto, 15 anos depois da decisão do STF muita coisa mudou. Novas ferramentas para disseminar informação surgiram, novos instrumentos para a prática jornalística se desenvolveram e até novas funções e estilos de divulgar notícias, afetando drasticamente o mercado de trabalho jornalístico.
Com as mudanças impulsionadas pelo rápido desenvolvimento de tecnologias digitais e o surgimento de redes sociais digitais resultaram em novas formas de consumo de mídia e, consequentemente, de mídia informativa. Assim, em 15 anos vimos o jornalismo tradicional perder ainda mais poder financeiro. A redução de força de trabalho, a descredibilidade e desconfiança para com o profissional de jornalismo aumentaram ao mesmo tempo em que crescia o fenômeno das fake news.
Esta realidade, muito bem conhecida nas grandes capitais, é pouco vasculhada nos interiores dos estados. Em Sorocaba, o jornalista e assessor de imprensa Pedro Courbassier coleciona passagens pelos principais veículos da cidade, como a TV Aliança, TV Tem e jornal Cruzeiro do Sul, e relembra que a dinâmica em empresas de maior porte, já na década de 1990 – quando começou sua carreira -, poderia se assemelhar à da capital. “Em regra, quanto maior o veículo que você está trabalhando, mais vão perguntar sobre seu currículo e sua formação. Quando você diminui o tamanho, vai qualquer pessoa. Em cidades menores, já vi advogados e professores de literatura virando os jornalistas da cidade. Eu trabalhei em veículos com uma certa estrutura, então perguntavam se eu tinha diploma, até para não surgir muitos problemas e processos judiciais”, recorda.
Embora esse cenário prevalecesse pelo menos nos principais meios de comunicação, Pedro aponta um fator que considera determinante pela maior profissionalização dos jornalistas na região, “até o início da década de 1990, Sorocaba não tinha um curso de jornalismo, por isso eu tive que fazer minha formação em Bauru, inclusive. Entre 1993 e 1994, eu estava no Cruzeiro, foi quando surgiu o curso de jornalismo na Uniso. Eu lembro que muitos colegas de redação não tinham o diploma e trabalhavam há mais tempo do que eu com jornalismo, eles foram incentivados a fazer a faculdade para terminar a formação teórica e institucional.”
A tentativa para a volta da exigência do diploma perdura há mais de uma década, desde a apresentação da Proposta de Emenda Constitucional 2026/2012 na Câmara dos Deputados, que se popularizou como a PEC do Diploma. Ao longo dos anos, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) vem fazendo um amplo trabalho para conquistar o apoio de deputados no Congresso Nacional para restabelecer o diploma de curso superior em Jornalismo. Atualmente, 169 deputados são favoráveis à PEC do Diploma, segundo o site da Fenaj destinado ao projeto.
“Não podemos deixar de acompanhar que na contemporaneidade o surgimento da internet e das redes sociais fez com que qualquer cidadão seja provedor de conteúdo, possa dar informação e opinião, vivemos o auge disso. Mas olha como isso pode comprometer a qualidade de vida da sociedade, como as fake news, pessoas já foram linchadas ou mortas por informação falsa”, comenta Pedro, também se posicionando favorável à PEC do Diploma. Desta maneira entende que para o exercício da profissão de jornalista é necessário que a pessoa tenha passado por um curso superior, em contato com obras teóricas e se preparando para o mercado de trabalho.
O sindicato em Sorocaba
Além da FENAJ que atua nacionalmente, em Sorocaba, a categoria também pode contar com o apoio da direção regional do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Na cidadade, a entidade realizou importantes ações nos últimos anos – tendo o próprio Pedro a frente da diretoria de 2022 a 2024 – como a inclusão da categoria na vacinação antecipada contra a Covid-19, orientação e condução em negociação de reajustes salariais, apoio do Departamento Jurídico do sindicato para profissionais vítimas de violência, pressão para portais e sites noticiosos legalizarem vínculo trabalhista e encontros com estudantes de jornalismo da Uniso.
Agora no início de uma nova coordenação – eleita em setembro de 2024 -, a diretoria regional de Sorocaba estará com Érica Aragão, jornalista e coordenadora de comunicação do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba. “Temos muito poucos sindicalizados (na região) e este é um dos principais desafios desta nova direção”, ressalta Érica. A falta de reconhecimento de classe é apontado pela diretora como um dos fatores da desmobilização, “o jornalista, muitas vezes, não se reconhece enquanto trabalhador e tem preconceito com o trabalho do sindicato” e exalta, “o sindicato é uma ferramenta que a categoria pode usar para ajudar a melhorar as condições de trabalho e valorização profissional”.
Érica vivenciou a queda do diploma enquanto estava na faculdade e relembra que muitas pessoas deixaram o curso de jornalismo no mesmo mês da decisão do STF. Hoje, diplomada e na luta pela valorização da profissão, reconhece que a derrubada da exigência do diploma foi um dos piores ataques à categoria. “Posso dizer com toda certeza: a ampliação da possibilidade de mais pessoas para atuar na área sem os fundamentos básicos do jornalismo só potencializou a precarização e a piora da qualidade da informação”, afirma Érica. A diretora também destaca a falta de regulamentarização das redes sociais e da profissão de influenciadores como um potencializador dos recentes problemas na profissão, “muitos influenciadores ocuparam os espaços de jornalistas em várias frentes do mundo digital”.
O diploma como símbolo
Gilmar Mendes, presidente do STF em 2009 e relator do processo, opinou à época: “A formação específica em cursos de jornalismo não é meio idôneo para evitar eventuais riscos à coletividade ou danos a terceiros.” Além da declaração ter envelhecido muito mal, é senso comum nesse debate desconsiderar os efeitos do jornalismo na materialidade da vida das pessoas, no cotidiano e na concretude das relações humanas. Classificado, muitas vezes, como não tão importante quanto cursos como medicina e engenharias para o desenvolvimento da sociedade, sendo profissões que abordam a vida humana diretamente e produzem aquilo que se vê e se toca, a formação crítica, ou não, de um comunicador deve impactar diretamente aquilo que se pensa, portanto, como se age.
“A volta da exigência (do diploma) pode ser um símbolo de como a sociedade brasileira valoriza o profissional jornalista, pois isso está diretamente relacionado com a disseminação das fake news, porque a partir do momento que você consome informação de qualquer pessoa e toma isso como verdade é um problema”, diz Thiago Rizan, jornalista e professor no curso de jornalismo da Uniso.
Tema muito presente na atual conjuntura política brasileira, a fake news, está intrinsecamente conectada com o aumento da violência sofrida pelos jornalistas e também com a desconfiança das notícias de grandes veículos, mas não uma desconfiança trabalhada pelo senso crítico, e sim pela falta dele, pela banalização da reflexão, ocasionada pelas notícias falsas e as dinâmicas das redes sociais, como também aponta Thiago.
“Vivemos em uma sociedade que não está olhando para isso, a gente vive em uma dinâmica social para o consumo rápido, emissão de opinião rapidamente, sem tudo aquilo que o jornalista precisa fazer, que é a checagem dos fatos, a apuração, a entrevista, a investigação, tudo isso que são competências e habilidades que o jornalista tem que fazer estão desvalorizadas”, explica. O professor também pensa que a volta da exigência do diploma pode ser uma pista para a valorização da profissão, mas que o debate deve ser ampliado e enxerga que o problema é mais profundo, “eu acredito que o caminho é pela valorização do pensamento crítico, que é o que nos falta nesse momento sócio-histórico que a gente se localiza. Tem uma desvalorização do pensamento crítico de modo geral, tem uma supervalorização do consumo rápido de informação, tem uma hiperestimulação da emissão da opinião sem argumentação e sem embasamento.”
A liberdade de expressão foi o mote utilizado pela maioria dos ministros do STF e de quem estava no plenário em junho de 2009, para cavar o buraco onde derrubaram seus argumentos atingindo a opinião pública. Taís Gasparian, advogada do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp), presente no plenário, qualificou a exigência do diploma como inconstitucional, indesejável e impraticável. “Como se proibirá o exercício da disseminação da informação pela internet?”, tentou prever Taís.
Uma possível restrição à liberdade pela exigência do diploma é considerada uma visão limitada da própria comunicação e das novas mídias por Thiago. O professor também esclarece que os veículos nunca foram obrigados a contratar somente jornalistas, pois sempre houve espaço para contribuições de outros profissionais, destinados para os artigos e colunas.
“Que tipo de profissional você quer? Um profissional instrumentalizado, mecanicista, que vai produzir 15 notícias por dia de jornalismo informativo? Não sei nem se a sociedade quer isso hoje. Agora, o jornalismo investigativo, literário, comunitário, periférico, esse jornalismo só vai ser produzido por um jornalista, não porque se exige ou não o diploma, mas porque só ele vai desenvolver o pensamento crítico-reflexivo – que permite fazer esse tipo de jornalismo -, no curso de jornalismo, ou espera-se pelo menos”, afirma Thiago.
O caminho é incerto em um período em que além de se reinventar, a categoria está tentando se encontrar em um novo mundo, onde não se tem conclusões e as atualizações nunca param.
O professor admite que ainda é difícil falar sobre o que está acontecendo com o jornalismo, mas frisa que “na tentativa de se reinventar temos que ir por teste e erro”.