A relação entre alcoolismo, dependência química e o impacto familiar: histórias de dor e superação
Por Maria Clara de Campos (Agência Focs – Jornalismo Uniso)
O alcoolismo e a dependência química são como tempestades que, ao atingirem uma família, não poupam ninguém. Cada membro carrega uma parcela do peso, vive a dor de maneiras diferentes e, ainda assim, todos compartilham o mesmo desejo: que o ente querido volte a si, retome o controle sobre a própria vida. Nas histórias de Sandro Leonel, Anna Julia Prata, Isabela Cardoso e Julia Ferron, encontramos um mosaico de experiências que ilustram as nuances dessa batalha silenciosa, ao mesmo tempo íntima e universal.
A tempestade em casa: Sandro Leonel e sua luta por liberdade
Crescer em um lar marcado pela dependência química molda a visão de mundo de qualquer criança. A filha de Sandro Leonel descreve com sinceridade e dor o impacto do alcoolismo em sua família, desde a normalização do consumo na infância até os momentos de desespero em que a busca por tratamento parecia infrutífera. “Sentíamos o cansaço, mas a necessidade de agir permanecia”, relembra ela, evocando noites passadas nas ruas, tentando trazer o pai para casa.
A recaída após o tratamento, em um momento que deveria ser de celebração familiar, deixou marcas profundas. A perda do avô em 2020, um pilar de apoio, agravou a situação, jogando Sandro em um ciclo ainda mais perigoso. Mas foi um tratamento inovador em São José do Rio Preto, anos depois, que trouxe a reviravolta tão esperada. Hoje, Sandro está sóbrio, e sua jornada é um testemunho do poder da persistência e da busca por alternativas.
Anna Julia Prata: promessas e lições de uma filha resiliente
Para Anna Julia, estudante de medicina, a convivência com um familiar dependente foi marcada por noites insones e um sentimento de impotência avassalador. “A última internação foi a mais difícil”, revela, um episódio catalisado por uma perda familiar que intensificou a luta. No entanto, foi também nesse período de dor que Anna encontrou forças para prometer algo a si mesma: nunca mais beber.
A promessa de Anna reflete a profundidade do impacto que o alcoolismo pode ter não só sobre a vida do dependente, mas também sobre os que o cercam. A jovem aprendeu a valorizar a união familiar e destaca a importância de lembrar quem o ente querido é em sua essência, mesmo nos momentos mais sombrios.
Isabela Cardoso: o peso de amar à distância
Isabela vive uma relação complexa com seu pai, que ainda enfrenta a dependência química. “Graças a Deus não moro com meu pai”, confessa, antes de expressar a dor de testemunhar o próprio pai se perder em si mesmo. Ela descreve o desafio de conciliar o amor por quem ele é e a rejeição pela figura que emerge sob o efeito das substâncias.
Os momentos mais difíceis, segundo Isabela, são aqueles em que ela precisa dele, mas sua presença é eclipsada pela ausência de si mesmo. “A dependência rouba mais do que a saúde; rouba a conexão, os laços mais profundos”, explica. Ela ressalta a importância de demonstrar amor e apoio, mas também de não mascarar a gravidade da situação, uma dança delicada entre esperança e honestidade.
Julia Ferron: a reconstrução de uma vida livre do álcool
Enquanto Sandro, Anna e Isabela ainda enfrentam os efeitos diretos da dependência em suas famílias, Julia Ferron, jornalista e criadora da página “Livre do Álcool”, traz uma perspectiva de quem venceu sua própria batalha contra o álcool. Há quase cinco anos sóbria, Julia compartilha como a escolha de parar de beber transformou sua vida.
“Eu usava a bebida como uma válvula de escape, uma forma de encaixar nas situações ou lidar com emoções intensas”, admite. A clareza mental e emocional que veio com a abstinência permitiu que Julia se reconectasse com sua essência e reconstruísse uma vida mais alinhada com seus valores. A página que criou é um espaço onde histórias são compartilhadas, conquistas celebradas e desafios enfrentados em comunidade.
Julia também aborda os desafios sociais de viver sem álcool, como a pressão para se conformar e as perguntas invasivas. No entanto, sua jornada de autoconhecimento e respeito por si mesma a fez perceber que viver de acordo com seus próprios valores é o maior ato de coragem e liberdade.
Essas narrativas, embora únicas, convergem em um ponto: o impacto do alcoolismo e da dependência química não se restringe ao dependente, espalhando-se como ondas por todos ao redor. A jornada de cada personagem reforça que a luta contra a dependência não é linear. Há recaídas, momentos de desesperança, mas também existe a possibilidade de redenção e reconstrução.
O estigma, destacado tanto por Anna quanto por Isabela e Julia, é uma barreira significativa no apoio a quem enfrenta a dependência. É preciso compreender que o alcoolismo é uma doença que exige tratamento, não julgamento. O amor e a união familiar são pilares essenciais, mas também é fundamental reconhecer os próprios limites e buscar ajuda profissional.

Essas histórias são um lembrete de que, por mais sombria que a tempestade pareça, há sempre a possibilidade de encontrar um caminho para a luz. Seja por meio de um tratamento inovador, uma decisão pessoal de mudança ou o apoio incondicional de quem nos ama, a superação é possível. E, como Julia nos ensina, cada passo nessa jornada é um ato de coragem e amor por si mesmo.