ColunaFocando em

O Metallica e a Saúde Mental

(ALERTA DE GATILHO)

Às vezes as pessoas se assustam por verem minha cara de tranquilidade, felicidade e paz mesmo com um som bem “barulhento” de heavy metal ecoando de meus fones de ouvido, no som do carro ou em um show com mais de 60 mil pessoas. É que o Rock and roll e, principalmente, a banda Metallica salvaram minha vida. Apesar de classificado às vezes como barulhento ou pesado, o rock me acalma. É para mim quase que uma terapia. Meus dias de stress são suplantados com um bom heavy metal.

Coisa de drogado. Cabeludos malucos. Satanistas. Rebeldes. Já ouvi muitas coisas sobre esse estilo musical que amo desde meus 13 anos. Podem falar o que quiserem, mas eu sempre o defenderei, pois ele DEFENDEU A MINHA VIDA.

Lembro-me de assistir uma incessante vinheta do canal de televisão MTV, por volta do ano 2000, onde aparecia um cara magrelo, de cabelos loiros, com uma bandana vermelha, uma camiseta branca curta deixando a barriguinha a mostra, um micro shorts e uma voz extremamente fina. Pensei: o que é isso aí?

Meu conhecimento de inglês era zero, então guardei na mente e pronunciava para mim mesmo, da forma que eu lia a palavra: GUNES. No mercadinho do bairro que eu costumava fazer compras, havia um rapaz de nome Thiago, que sempre conversava comigo entre um pegar de pães ou um fatiar de frios.

Um dia, em um bate papo, comentei com ele sobre o que eu via na tv, e após sua correção, descobri a verdadeira forma de se falar Guns N’Roses. Aprendi com ele que aquilo se tratava de um estilo musical chamado Rock and roll. Ele me perguntou se eu gostaria de conhecer e me ofereceu o empréstimo de um cd.

Como na época eu não tinha como reproduzir esse tipo de mídia em minha casa, ele se prontificou a gravar uma fita K7 para mim, pois era a única forma que eu teria para ouvir. Um belo dia fui para casa com a novidade nas mãos. A ansiedade tomava conta. Lembro de cada segundo, desde o abrir do toca fitas, até o momento de apertar o play, um botão extremamente duro e barulhento.

Saíram os primeiros sons. “Tum, tum dum dum dum tum dum”. Me encantei com aquilo. Disse para mim mesmo, é isso que quero para minha vida! Tempos depois fui descobrir que aquela música se chamava Enter Sandman, e pertencia à banda que viria a ser a minha maior paixão, o Metallica.

Mas a vida, como sempre, não é feita só de alegrias…

Poucas pessoas que conhecem uma parte da minha história sabem dos abusos físicos e psicológicos que sofri nas mãos de quem me criou da infância até parte da adolescência. Eles se intensificaram muito no início dos anos 2000. Chegando a se tornar algo insuportável. O desespero de um jovem acuado fez com que ele encontrasse uma solução: tirar a sua própria vida.

O ano era 2002. Eu tinha 15 anos. Após 10 anos sofrendo as mais diversas e piores situações de violência dentro de casa, com torturas físicas e psicológicas, acordando com balde de água fria no rosto e espancamentos que se seguiam durante o dia até a noite, chegando ao ponto (por receio) de eu ter que esconder as facas e tesouras da casa antes de dormir, vi que acabar com a minha vida seria a melhor opção para tentar sanar o meu desespero.

Tentei o suicídio em duas oportunidades.

Na primeira, fiz uma corda com camisetas e blusas, amarrei em uma das madeiras que sustentavam o telhado do meu quarto, e pulei da cadeira. Para minha frustração (e pelas mãos de Deus e de meus Orixás, eu acredito), a corda se soltou do teto. Não vendo outra saída e tomado pelo desespero, depois de alguns dias, tentei novamente.

Na segunda vez, procurei fortalecer muito mais os nós e a amarração para evitar que algo desse errado. E deu certo. O rádio estava ligado e a porta de meu quarto estava fechada, para que minha avó não suspeitasse do que eu estava arquitetando.

Lembro da minha respiração ficar ofegante e eu começar a perder os sentidos. Minha visão começou a ficar escurecida e o som do rádio cada vez mais longe e baixo. Neste momento começou a tocar a música Nothing Else Matters, do Metallica. O pouco de consciência que ainda me restava me fez pensar. Será que o que estou fazendo é realmente certo? Se eu der continuidade a isso, nunca mais terei a oportunidade de ouvir o Metallica. E esse pensamento veio como um furacão dentro de mim, me trazendo de volta à vida, me fazendo desistir a tempo de não concluir aquela tragédia.

E porque eu trouxe essa história?

Para falar de saúde mental.

Em tempos de tantas relações líquidas, como prega Bauman, e de cobranças por resultados cada vez mais acelerados, muitas vezes deixamos nossa saúde mental de lado. Eu não poderia deixar de aproveitar o mês em que estamos e a minha primeira coluna do ano para lembrar do Janeiro Branco.

De onde vem esse nome?

Segundo o site do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (CETENE),

O primeiro mês do ano é simbolicamente associado a recomeços, reflexões e novos projetos. A escolha do nome “Janeiro Branco” remete à ideia de uma “folha em branco”, incentivando as pessoas a reescreverem suas histórias e priorizarem a saúde mental. Segundo o criador da campanha, “o mês é um convite para que cada pessoa reflita sobre suas emoções e relacione-se melhor consigo mesma”.

E, para quem não sabe, a campanha possui um excelente site com dicas, informações e materiais para toda a população: https://janeirobranco.org.br/.

Precisamos quebrar esse pensamento retrógado de que buscar ajuda psicológica é sinal de “loucura”; principalmente pessoas que trabalham com comunicação. E o Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ser uma ferramenta muito útil: a entidade possui um folheto intitulado Suicídio. Saber, agir e prevenir – saiba como noticiar o assunto nos meios de comunicação e evitar o efeito contágio.

E você sabia que existe um manual para jornalistas falar sobre o tema? Sim, desde 2021 é de domínio público a cartilha Prevenção do suicídio: Manual para Jornalistas produzido pela ARIS da Planície, uma Associação para a Promoção da Saúde Mental.

Voltando a falar em Metallica, em maio de 2022 um desabafo do vocalista James Hetfield (que já declarou ter passado por problemas de violência familiar durante a infância e tratamentos por abuso de álcool e drogas durante a vida adulta) na cidade mineira de Belo Horizonte ganhou manchetes internacionais. De acordo com matéria publicada pela revista Rolling Stone Brasil, durante o show, James fez um desabafo:

Preciso dizer que eu não estava me sentindo muito bem antes de vir aqui. Estava me sentindo um pouco inseguro, como se eu fosse um cara velho, que não pudesse tocar mais e toda essa besteira que eu digo a mim mesmo na minha cabeça.

Na sequência, o vocalista disse que foram os colegas de banda que não o deixaram desistir e que estariam com ele no palco para apoiá-lo na luta. James ao final disse ao público que nem ele e nem os fãs estão sozinhos. Ele fez o correto em desabafar. Muitas vezes esses pensamentos que julgamos ser “besteira”, como disse James, são sinais que nosso corpo e nossa mente estão pedindo ajuda.

E a ajuda existe!

Você pode procurar o CVV. De acordo com seu site, ele é um “serviço voluntário gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato” e existe desde 1962.

E você sabia também que a Universidade de Sorocaba (Uniso) possui atendimento psicológico para seus alunos, funcionários e para a comunidade?

Não sofra calado(a)! Compartilhe com seus amigos e familiares o que te aflige.

Vários colegas já me viram pular para a próxima música (quando começava a tocar Nothing Else Matters) sem entender a minha relação de amor e ódio com essa canção. Muitos me zoavam dizendo que era porque parecia uma música mais “romântica”. E eu sempre concordava para não ter que ficar explicando os motivos.

Atualmente, dependendo do meu estado emocional a ouço ou pulo. Ao mesmo tempo que me causa uma sensação ruim por me fazer lembrar daquela cena, ela me emociona por me recordar todas as vezes: Você fez o certo, Rafael. Essa música e o Metallica te trouxeram de volta à vida!

Obrigado Metallica, por ser quem você é em minha vida. Obrigado por me trazer de volta àvida!

E lembre-se: sua vida vale muito!

SERVIÇO:

Centro de Valorização da Vida:

Site: https://cvv.org.br/

Endereço (em Sorocaba): Rua Dr. Nogueira Martins, 334, Centro.

Telefone (24 horas): 188.

Conheça o Instituto Janeiro Branco:

Site: https://janeirobranco.org.br/

Telefone: (34) 99966-1835.

E-mail: contato@janeirobranco.org.br

Clínica – Escola de Psicologia da Uniso

Telefone: (15) 21017050.

Whatsapp: (15) 981832797.

E-mail: cursodepsicologia@uniso.br.

Endereço: Rod. Raposo Tavares, km 92,5 – Térreo do Bloco A –  Vila Artura – Sorocaba/SP.

REFERÊNCIAS

Cartilha Prevenção do suicídio: Manual para Jornalistas: https://prevenirsuicidio.pt/wp-content/uploads/2022/09/I003.-Prevenc%CC%A7a%CC%83o-do-Suici%CC%81dio-%E2%80%93-Manual-para-Jornalistas.pdf.

Folheto Suicídio. Saber, agir e prevenir – Saiba como noticiar o assunto nos meios de comunicação e evitar o efeito contágio: https://www.cvv.org.br/wp-content/uploads/2017/09/folheto-jornalistas.pdf.

Matéria Metallica: James Hetfield se emociona em último show no Brasil e desabafa: ‘Inseguro’ da Revista Rolling Stone Brasil: https://rollingstone.com.br/musica/metallica-james-hetfield-se-emociona-no-palco-em-ultimo-show-da-turne-no-brasil/.

Notícia Janeiro Branco: Uma Reflexão Sobre a Importância da Saúde Mental: https://www.gov.br/cetene/pt-br/assuntos/noticias/janeiro-branco-uma-reflexao-sobre-a-importancia-da-saude-mental.

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