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Lideranças do Movimento Negro são homenageadas em Sorocaba  

Evento, realizado por meio de parceria entre o Movimento Negro Unificado e o Instituto de Gestão Social e Cidadania (IGESC), serviu como exemplo da importância de ações afirmativas realizadas por lideranças políticas, comunitárias, religiosas, culturais e educacionais 

Por Rafael Filho (Agência Focs – Jornalismo Uniso)

Dezenas de pessoas compareceram à cerimônia realizada no dia 25 de setembro, no Espaço Cultural do IGESC, localizado no centro de Sorocaba/SP – Foto: Rafael Filho

“Nós geralmente damos reconhecimento para as pessoas depois que elas morrem. Muitas vezes bem depois de sua morte. Receber isso em vida é uma emoção muito grande”. Com essa fala, Ademir de Barros, um dos homenageados da noite, abriu seu discurso. Ademir é integrante do Nucab (Núcleo de Cultura Afro-Brasileira de Sorocaba) e doutor em educação.  

O intuito da celebração, segundo a organização, foi reconhecer a “trajetória de luta de cada um” e as contribuições que essas lideranças negras deram, ao longo de suas jornadas, para a “construção de uma sociedade menos desigual e mais justa”. Por isso, os homenageados foram pessoas que atuam de acordo com os princípios de Formação, Convivência, Ação e Transformação, os mesmos que orientam as instituições organizadoras. 

Professor Ademir Barros discursando após receber o reconhecimento – Foto: Rafael Filho

De acordo com a psicopedagoga e militante negra desde 1980 Lourdes Lieje, a ideia do evento surgiu da necessidade de uma reparação. “Nós precisamos ter reconhecimento em vida. É importante nos lembrarmos daquelas pessoas que já se foram, mas das que estão hoje e que fazem a história da cidade também. A fala da Vanda nos faz perceber que somos realmente apagados pela história e esse apagamento não pode mais acontecer.”  

Lourdes Lieje (à esq.), foi uma das idealizadoras do evento e ajudou na organização – Foto: Rafael Filho

Saúde, uma área ainda desvalorizada 

Vanda Lopes de Oliveira Pereira iniciou sua carreira em 1967 como auxiliar de enfermagem, ela enfrentou o desafio diário de viajar de Sorocaba/SP a Mogi das Cruzes/SP para concluir sua graduação em Enfermagem. Chegou ao cargo de diretora do hospital Santa Lucinda, um dos mais conhecidos de Sorocaba/SP, função que ocupou por 40 anos. Após a aposentadoria, sua paixão pelo ensino a levou a compartilhar seus conhecimentos com as novas gerações, atuando como professora no Projeto FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) em Sorocaba/SP. Vanda foi responsável por uma das falas mais impactantes da noite: “eu sou uma mulher negra e pertenço a uma área esquecida, a enfermagem. Jamais imaginei em minha vida que receberia um reconhecimento como este.” 

Vanda Lopes, foi homenageada pela luta antirracista dentro das áreas de saúde e educação – Foto: Rafael Filho 

A importância da saúde mental 

Reconhecida pelos seus trabalhos de pesquisa e defesa da saúde mental de pessoas pretas e trans, Ruca Maria é uma mulher preta e trans, administradora por formação e dançaria por vocação. Ao receber a premiação ela afirmou que a saúde mental é necessária para todas as pessoas. “Quando a gente fala de problemas estruturais, do racismo na cidade, é preciso falar também de um grande câncer que é a exclusão da saúde mental da população preta”, aponta Ruca Maria. Para ela, a população preta não tem mais que “fazer 300% para ser reconhecido como igual. Ela tem que fazer o que realmente faz sentido para si” e isso só será possível se as pessoas se autoconhecerem. 

Ruca Maria: “Cada preta é uma preta. Mas todas as pretas juntas, com saúde mental e inteligência emocional, a gente consegue conquistar resultados muito mais importantes. Esse é meu convite para as meninas: se conheçam, se amem, sejam pretas!”Foto: Rafael Filho

Políticas públicas para o acesso à leitura 

Homenageada pelo seu trabalho na área da literatura, Ariani Teodoro é fã de livros e clubes de leitura, curadora do Cine por elas (um projeto que combina literatura e cinema) e idealizadora da página @ari_entrelinhas no Instagram, onde escreve majoritariamente sobre literatura negra e feminina. Para ela, ganhar um prêmio em vida é extremamente importante porque as maiores lideranças negras foram reconhecidas muito depois da sua morte. “Vide Carolina Maria de Jesus que hoje é um grande ícone, que todo mundo fala, que foi traduzida para mais de 13 idiomas e não teve o reconhecimento que ela merecia em vida.” De acordo com Ariani, o segredo para que mais pessoas tenham acesso à literatura, está no investimento em políticas públicas. “O livro no Brasil é caro e são poucas as pessoas que acessam bibliotecas também, a gente tem as bibliotecas comunitárias que muitas vezes são fruto das próprias pessoas que estão na comunidade. Mas as políticas públicas precisam ser incentivadas para que a literatura chegue para todos.” 

Ariani (ao centro), sorridente com Daia Moura (à esq.), doutora em educação e integrante da comissão para restauração da Capela João de Camargo – Foto: Rafael Filho

O Movimento Negro Unificado  

 O é uma organização que surgiu no fim dos anos 1970 com o objetivo de lutar contra o racismo na sociedade brasileira. Ele foi criado em um contexto de efervescência racial, marcado por uma série de episódios discriminatórios em São Paulo. Suas lutas renderam resultados como por exemplo:  

  1. Proclamação do Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro.  
  1. Proibição da discriminação racial na Constituição Federal de 1988.  
  1. Criação da Lei Caó, de 1989, que tipifica o crime de racismo no código penal.  
Fabio Fonseca (à dir.) atual presidente do MNU de Sorocaba/SP, recebe a homenagem das mãos de Agatha dos Santos (à esq.). Em 2020, Agatha foi coroada Miss Curvi Sorocaba e, em 2021, conquistou a coroa no Miss São Paulo – Foto: Rafael Filho

          Conforme documento fornecido pela organização, o MNU se formou em meio a um ambiente de repressão durante a ditadura civil-militar, especialmente após a promulgação do AI-5. Neste período, manifestações eram fortemente reprimidas, e o movimento negro tornou-se uma força fundamental na contestação ao governo de Ernesto Geisel. Os jovens militantes, inspirados por eventos como a proibição de quatro jovens negros de usar a piscina do Clube de Regatas Tietê e a morte do trabalhador Nilton Lourenço, uniram-se a outros grupos organizados em partidos de esquerda para formar o MNU. 

Mais figuras homenageadas  

Edson Furlaneto (à esq.) foi professor e hoje é proprietário do Boteco do Seu Zé, onde promove, com sua família, a cultura afro-brasileira por meio do entretenimento. Ao seu lado vemos (da esq. para à dir.) Daia Moura, Ariani Teodoro e Ademir BarrosFoto: Rafael Filho

A partir da esquerda: Mallu Coelho (percursionista), Luzia Cruz (empreendedora de acarajé), Lourdes Lieje, Lucimara Feliciano (empreendedora em loja afro), Maria Teresa Ferreira (escritora e psicanalista), Mazé Lima (fundadora do Momunes) e Sandra Mara (técnica de enfermagem) – Foto: Rafael Filho

 
(da esq. para a dir.) João Mendes (professor de teatro para pessoas surdas), Janaina Teixeira (grupo de maracatu feminista Baque Mulher), Jessika Moraes (coordenadora de marketing do MNU), Fabio Fonseca e José Marcos De Oliveira (ex-diretor do Conselho Nacional de Saúde) – Foto: Rafael Filho

A também homenageada Letícia Nunes (à dir.), é pesquisadora da cultura popular brasileira e sul-americana e fez intervenções musicais com seu grupo Samba de Agbara, que tem como principal objetivo mostrar a importância das mulheres no samba – Foto: Rafael Filho

A pedagoga Mila de Paula é professora desde 1992 e possui especialização em Africanidades. Além de ter sido a mestre de cerimônia do evento, ela foi homenageada pelo seu compromisso com a educação e a promoção da cultura afro-brasileira. “A infância é uma fase muito importante. Amo trabalhar com as crianças, elas não têm racismo. Somos nós que colocamos isso nelas” – Foto: Rafael Filho

Rute Caires, diretora geral do IGESC, ao final do evento: “Aqui nós trabalhamos com a perspectiva de memória, de resgate e produção de memórias das pessoas trabalhadoras e minorizadas. Eu avalio como uma noite muito significativa, potente, como possibilidade de a gente fortalecer essa coletividade e a importância de construir novas referências e referenciar pessoas que normalmente são apagadas” – Foto: Rafael Filho

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