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O cansaço da pressa na sociedade que nunca desacelera

Quando o desempenho ultrapassa o limite humano

Por Yumi Cugler (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Você se sente cansado/a, mas culpado/a ao descansar?

De acordo com um dos maiores levantamentos internacionais sobre descanso, o The Rest Test (2016) — com mais de 18 mil participantes de 134 países —, embora a maioria das pessoas associe descansar a sensações positivas, uma parcela dos participantes relaciona o descanso a aspectos negativos, como ansiedade, estresse e até mesmo culpa. O estudo também revela que mulheres relatam esse sentimento de culpa com maior frequência do que os homens, indicando que, para alguns grupos, o ato de descansar ainda vem acompanhado de cobranças e conflitos internos.

Hoje vivemos em uma realidade marcada pela hiperprodutividade. O estudo de Byung-Chul Han — filósofo sul-coreano que estuda a sociedade contemporânea e os efeitos da hiperprodutividade na saúde mental — mostra que habitamos uma sociedade em que a enfermidade do século está ligada ao esgotamento mental, resultado direto do excesso de produtividade e da ausência de limites, aquilo que ele chama de falta de negatividade. Em um contexto neoliberal, que valoriza a liberdade econômica e a responsabilidade individual, essa pressão para produzir o tempo todo se intensifica, reforçando a sensação de que nunca estamos fazendo o suficiente.

O sistema que contribui para a enfermidade do século

A psicóloga Lucimara Souza, especialista em psicologia clínica, psicanalista e atuante como psicóloga clínica e psicoeducadora, defende que “Nós vivemos em um sistema capitalista em que a política e a economia são neoliberais”. Esse sistema faz com que a sociedade siga, mesmo que inconscientemente, um padrão que assimila a hiperprodutividade à realização pessoal, fazendo com que o excesso de desempenho se torne algo comum, desvalorizando o descanso necessário. Essa percepção dialoga com a análise de Han, que aponta como a sociedade do desempenho contribui para o esgotamento mental contemporâneo.

“Nós já crescemos com essa ideia de que tem que ser produtivo, tem que se desempenhar ao máximo, tem que ter sucesso na produção, conseguindo se realizar cada vez mais. Tirando boas notas, sendo um bom funcionário… No sistema neoliberal hoje, essa lógica de empresa, essa lógica empresarial está na cabeça de todo mundo”, explica a psicóloga.

Ela acrescenta: “Você é um empreendedor de si mesmo, que você tem que melhorar sempre, se aprimorar cada vez mais, que você tem que ser proativo, que você tem que ser multitarefa.”

E reforça que “Nós temos algumas características que os seres humanos adotam hoje em dia por causa disso: ser competitivo, se comparar com os outros, ter que produzir… A autoexigência exige de si mesmo, de uma forma absurda, cada vez mais. Não se permite descansar, não se permite ser 99%, 98%, 97%; ou é 100%, ou se sente derrotado, se sente fracassado”.

A mente que não desliga e os estímulos constantes que agravam

O ritmo acelerado da sociedade impõe uma percepção desconexa da realidade, como se o tempo estivesse passando de maneira rápida, não deixando espaço para que o descanso aconteça.

Com a evolução da tecnologia, os estímulos causados pelas telas contribuem para as enfermidades relacionadas à saúde mental, como explica Roger Santos, graduado em História, mestre em Comunicação e Cultura e doutor em Educação, com pesquisas voltadas para história, sociedade e cultura.

“É porque é tanta tecnologia, é um cérebro só […] É muita atenção, é muita criatividade, é um volume de horas interessante, mas fomos educados pela máquina, para pensar na velocidade elétrica, coisa que nós nunca fomos”, defende.

“François vai cantar essa bola pra gente lá nos anos 70 […] Aprender a pensar de forma telemática, a gente não consegue dar conta, nós estamos diante de enfermidades, ansiedade é a primeira delas, é um cérebro só, que demora para aprender”, ele finaliza.

O autor citado, Jean-François Lyotard, foi um dos principais filósofos pensadores da pós-modernidade. Ele apresenta a ideia de que aprender de maneira telemática — adquirir conhecimento em redes digitais rápidas e fragmentadas — faz com que a sociedade passe a pensar e agir a partir da lógica das máquinas, de maneira rápida, funcional, utilitária e sem profundidade.

O ritmo que gera culpaO conceito da hiperprodutividade faz com que a sociedade acredite que é necessário estar o tempo todo produzindo, tornando-se uma autoexploração inconsciente, de maneira que pode levar ao adoecimento.

Sobre isso, a psicóloga Lucimara comenta: “Só que como a gente introduz esse conceito de ter que estar sempre produzindo, a gente às vezes até confunde o estar produzindo com o estar ocupado”.

Ela explica que a mente humana não é capaz de aguentar o ritmo ininterrupto de cobrança que ocorre quando estamos produzindo sem ter o privilégio da pausa, do descanso.

“Cada vez as horas de sono diminuem mais […] Quando a gente está no escuro, a gente produz melatonina e a gente tem que descansar, repor as energias, tem um monte de funções biológicas que o nosso corpo cumpre na hora que a gente está dormindo, para no outro dia funcionar bem”, afirma.

Roger finaliza: “Existir é produzir. Produzir para consumir. Não existir para viver, isso vai se perdendo.”

Redes sociais para descansar sem o descanso

Embora as redes sociais sejam vistas como entretenimento, elas não oferecem o descanso que o corpo e a mente realmente precisam.

“Como é que vou vencer o tédio? Com criatividade. Mas a gente tem muitas possibilidades para evitar o tédio, posso estar sentado no sofá, mas o celular é uma ferramenta estimulante para eu fazer algo. Se eu cansei do celular e tenho uma TV com streaming, são recursos. O que não está acontecendo é a necessária pausa para apreciar o tempo”, comenta o historiador, Roger.

As redes sociais acabaram se tornando também um produto do sistema neoliberal, estimulando o excesso sem pausa, a comparação constante e a autocobrança: “Você está mostrando sempre o que é legal, o que é o máximo, o que você está fazendo, o que você está conseguindo […] Então, esse estímulo incentiva para estar nesse esquema, no esquema da produção”, finaliza Lucimara.

 

As enfermidades do século

Segundo Byung-Chul Han, cada época possui suas enfermidades fundamentais. O século passado foi marcado pelas doenças imunológicas, causadas por agentes externos; já o século atual é marcado pelas doenças neuronais — como depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção, hiperatividade, burnout e esgotamento — produzidas pelo excesso de desempenho.

“Nós estamos diante de enfermidades, ansiedade é a primeira delas, é um cérebro só”, comenta o historiador Roger Santos. Ele exemplifica: “Aprender a jogar xadrez… Aprender a mover as peças é um processo rápido, mas para fazer as jogadas, as estimativas de vitória, é muito tempo jogando xadrez. Esse muito tempo é o que está faltando na equação atual.”

Segundo a especialista em psicologia clínica, a exposição à luz artificial reduz a liberação da melatonina e diminui as horas de sono. Esses fatores são essenciais para o bom funcionamento da saúde mental e física: “Vai acumulando esse cansaço, acumulando esse estresse e isso se torna várias doenças, depressão e ansiedade como carro-chefe dessas doenças.” E ela finaliza: “Chegar em um ponto — que hoje em dia está tendo muito — é a síndrome de burnout, onde a depressão, a ansiedade e o estresse chegam em um limite máximo e a pessoa tem um colapso mesmo, não consegue mais funcionar, como se fundisse o motor da máquina, vamos dizer assim.”

Vidas que sentem

“Porque a gente só vive pelo trabalho, não é gratificante […] a vida deveria ser vivida e não viver só para sobreviver”, afirma Victor Gabriel, 23 anos, auxiliar de tráfego.

Segundo Han, o tempo moderno é marcado por uma vida acelerada e, devido à produtividade excessiva, a fragmentação do tempo faz com que a percepção seja a de que os dias simplesmente escorrem — não há profundidade, apenas instantes que se sucedem sem pausa.

Eduardo Casanho, 34 anos, motorista de ônibus, alega que tenta não viver no automático, mas percebe como “tudo está acelerado”, onde as pessoas demonstram impaciência no dia a dia e, como dito por ele, “não esperam nem o sinal vermelho”. “Eu tenho um casal de filhos e, às vezes, a gente chega cansado do trabalho, acaba descansando e acorda arrependido por não ter dado tanta atenção para eles”, comenta Eduardo.

Eduardo acessando as redes sociais | Foto por Yumi Cugler

A normalização do descanso

A vida acelerada e a lógica do desempenho mostram que não basta falar sobre descanso — é preciso reconstruir uma relação mais equilibrada com o próprio corpo. Se o sistema exige velocidade, é o corpo que sente os impactos desse ritmo e, muitas vezes, é ele quem primeiro pede socorro.

Nesse sentido, práticas que devolvem presença, respiração e consciência corporal tornam-se essenciais para reorganizar o tempo interno e aliviar a mente. Uma dessas práticas é o movimento, que tem se mostrado um aliado importante no cuidado da saúde mental.

Para entender como a atividade física pode contribuir nesse processo, ajudando a reduzir a exaustão e fortalecer o bem-estar emocional, pesquisas sobre movimento e saúde mental têm mostrado caminhos importantes.

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