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O jornalismo iludido em Cidadão Kane (1941)

Será que a ideia de uma imprensa onipotente em influenciar a todos é uma ilusão? O filme Cidadão Kane, de 1941, mostra a desilusão dessa onipotência pelos olhos de um magnata da comunicação, o fictício Charles Foster Kane.

O filme começa com uma reportagem, quase um mini documentário sobre a vida e a influência desse empresário, mostrando seus principais feitos, seus altos e baixos na carreira e na vida pessoal. Porém, ao finalizar a exibição-teste, os responsáveis sentem falta de algo que eles chamam de “um ângulo”. O diretor diz que “não basta dizer o que o homem fez, mas sim quem ele foi”. Ele então designa um jornalista para investigar o significado da última palavra de Kane, “Rosebud”. Essa necessidade de uma abordagem mais íntima e ao mesmo tempo generalista sobre a personalidade de Kane tem semelhanças com o próprio tipo de jornalismo empregado pelo empresário: um jornalismo de sensação, de comoção e de manipulação.

A partir daí, por meio de entrevistas, o jornalista tenta montar um “quebra-cabeça” de Charles Foster Kane, numa busca por autenticidade e essência num homem tão poderoso.

Vemos como o poder, para Kane, tem a ver com a necessidade de se sentir amado, e vemos como ele atinge o poder por meio da manipulação. Seu método é usar a imprensa para se mostrar como um homem preocupado com os menos favorecidos. Ao ser confrontado sobre seu suposto engajamento ao lado do povo, Kane diz: “se eu não cuidar dos menos afortunados, outro o fará. Talvez alguém sem dinheiro ou sem propriedades.” Essa visão do empresário tem a ver com conservação do poder, com controle da narrativa, pois Kane entende que quem controla a narrativa tem uma vantagem enorme para controlar a realidade. Assim, ele usa seu poder midiático para ditar se os Estados Unidos entram ou não numa guerra, por exemplo – ou é pelo menos essa a ilusão que ele alimenta.

A questão é que a obsessão de Kane por controle é sucessivamente frustrada ao longo dos anos, o que é representado por suas tentativas cada vez mais patéticas de negar realidades incontestáveis, como a de que sua derrota na eleição para governador se deveu ao seu caso extraconjugal, ou que sua segunda esposa é uma cantora medíocre.

A incapacidade de Kane em controlar a opinião pública contrapõe uma teoria da comunicação muito em voga nos anos em que a história se passa, a chamada Teoria Hipodérmica, que enxergava as massas como um todo homogêneo e acrítico, pronto a ser manipulado pelos meios de comunicação. Kane diz que as pessoas “vão pensar o que eu lhes disser para pensar”. Porém, a queda do seu império tem início com a quebra dessa ilusão, pois o magnata vai continuamente perdendo influência e se afundando em rancor e decadência. Nesse sentido, o palácio que ele constrói para si, Xanadu, serve como um símbolo dessa megalomania solitária: o encastelamento de um homem esquecido.

No fim, as personagens não descobrem o que é Rosebud, apenas o público: era o nome do trenó com que Kane brincava na sua infância pobre e feliz, o que é uma metáfora sobre como a subjetividade do ser humano é muito maior e mais misteriosa do que as aparências. O régio Charles Foster Kane era, na verdade, uma pessoa simples, e o povo que ele tentou controlar era mais independente do que ele pensou que fosse.

Essa é uma reflexão valiosa não apenas para jornalistas, mas para profissionais de comunicação em geral. Além de antiético, manipular o público é mais complexo do que parece e, muitas vezes, acaba sendo um esforço inútil. A imprensa, a mídia, podem influenciar pensamentos e comportamentos, mas não podem simplesmente ditá-los.

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