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O protagonismo feminino em Sorocaba


Vozes femininas ecoam, indignadas, pelas ruas da cidade de São Paulo. Elas imploram para que não ocorra o retrocesso de suas conquistas. Elas suplicam pelo direito de andar livremente sem que sejam assediadas. Elas entendem, assim como a filósofa Simone de Beauvoir, que basta “uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. O ato refere-se a outubro de 2015, quando milhares de mulheres foram às ruas de grandes cidades brasileiras com o objetivo de manter conquistas, como o direito ao aborto para mulheres estupradas, e combater o machismo.
Três anos depois, em 2018, o acontecimento, nomeado “Primavera Feminista”, é tido como um reflexo do aumento de mulheres no movimento feminista em diversas regiões do Brasil. A cidade de Sorocaba não ficou de fora desse tipo de militância.

Giovanna Nunes, Maria Teresa Ferreira e Gabriela Pereira

Gabriela Pereira, macapaense de 31 anos, é uma dessas mulheres. Ela é idealizadora e atual coordenadora geral do Projeto Ampara, que oferece apoio e informações a pessoas com deficiência. O seu primeiro contato com o feminismo se deu através da criação do projeto, em 2017, por meio do qual compartilha sua experiência como mãe de uma criança com deficiência e auxilia pessoas em vulnerabilidade social. Assim, foi inserida em um grupo de movimento de mulheres em Sorocaba e começou a frequentar reuniões. “No início, eu não sabia o que era feminismo. Só queria estar com mulheres que estavam lutando por algum direito”.

Gabriela se utilizava das redes sociais, de palestras e de reuniões para dar visibilidade ao movimento social das pessoas com deficiência. Dentro desse contexto, notou a existência das mulheres com deficiência e sentiu a necessidade de encorajá-las a criar seu próprio movimento em Sorocaba. “Ninguém falava sobre a mulher com deficiência, aí eu comecei a levar as demandas que recebia delas”. 
A partir disso, Gabriela incentivou a criação da primeira extensão do Projeto Ampara, denominado Ampara Mulher, em que defende e discute políticas públicas voltadas para as mulheres com deficiência. “Eu não tenho nenhuma deficiência, mas eu tenho aprendido muito com elas”. Por meio do Ampara Mulher, realizam mensalmente um café aberto ao público para dar oportunidade a mulheres com deficiência de compartilharem experiências pessoais.
Giovanna Nunes, 22 anos, estudante de Direito e integrante do coletivo interseccional feminista Rosa Lilás, por sua vez, afirma que o seu contato com o feminismo surgiu na internet, por meio da qual conheceu o Rosa Lilás e começou a acompanhar as reuniões do coletivo. “Seguimos a linha do feminismo interseccional, pois acreditamos que se não abranger todas as mulheres, muitas outras ficarão excluídas. Entendemos que o feminismo tem que englobar todas as mulheres”.
Ela ressalta que, além da página no Facebook, o coletivo busca distribuir panfletos como meio de informar a população. Em relação às atividades que realizam com as mulheres, organizam cine debates, rodas de conversa e piqueniques. “Os piqueniques são uma forma que encontramos para trazer as mulheres para dar aquele pontapé. Quando tem comida e uma roda de conversa com assuntos mais amenos, conseguimos fazer as coisas fluírem mais naturalmente”.  
Já a integrante do Movimento de Mulheres Negras de Sorocaba (Momunes), Maria Teresa, começou a ter contato com o feminismo através da filiação ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), por meio do qual esteve próxima a movimentos sociais. Entretanto, conheceu o feminismo negro por meio da União de Negros pela Igualdade (Unegro). Atualmente, busca colocar o racismo e o preconceito como tema central dos debates de que participa.  “Vivemos em um país aonde o racismo é estrutural e compõe as relações. As mulheres negras estão mais fragilizadas nessas relações raciais, pois vem de uma construção histórica que se dá a partir da escravidão”.
Ela afirma que leva a discussão sobre o feminismo negro, com o apoio da Coordenadoria de Igualdade Social, para a Secretaria da Educação. Também retrata o mesmo tema em escolas e Conselhos Municipais. “Sempre que somos chamados para falar sobre o racismo, fazemos o recorte do feminismo negro como um elemento da luta das mulheres e transformação da sociedade”, destaca. 

Maria Teresa Ferreira é integrante do Momunes


Dificuldades enfrentadas pelos movimentos
Em relação aos desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência em Sorocaba, a idealizadora do Projeto Ampara destaca três: saúde, educação e transporte. Sobre saúde, sente a necessidade de especialistas na área e afirma observar dificuldades para conseguir recursos como medicamentos, fraldas e realização de exames. Já na área do transporte, critica a falta de acessibilidade e ônibus antigos que costumam quebrar frequentemente. Além disso, Gabriela ressalta os desafios enfrentados pelas mulheres com deficiência no feminismo. “A mulher com deficiência às vezes está querendo falar, mesmo em rodas de conversa, mas ela não é ouvida. Por isso precisamos que o movimento feminista esteja pronto para reconhecer essas mulheres”.
Do mesmo modo, Giovanna destaca como dificuldade enfrentada pelas sorocabanas a falta de diálogo entre as redes de apoio para mulheres. Dessa forma, relembra uma ocasião em que o Rosa Lilás realizou um abaixo-assinado para que a Delegacia da Mulher funcionasse vinte e quatro horas por dia. Conseguiram mais de dez mil assinaturas e obtiveram como resposta a indisponibilidade de renda do governo estadual para atender ao pedido. “Nós fizemos também uma pesquisa com relação ao mapa da violência da mulher em Sorocaba. A cada quarenta dias, uma mulher é vítima de feminicídio. Então não é uma coisa isolada. Mulheres estão morrendo por conta da omissão do estado e do município”.
A integrante do Rosa Lilás também ressalta a dificuldade enfrentada pelo coletivo no momento de levar pautas do feminismo para serem discutidas em escolas. Giovanna afirma que quando cedem espaço nas escolas para conversarem com os alunos, oferecem um tempo muito reduzido, equivalente à aula de apenas um professor. “Entendemos que a fase da adolescência é muito importante para as meninas descobrirem o empoderamento, pois é aí que começam os relacionamentos afetivos”.
Já Teresa afirma a falta de informação como uma dificuldade. Além disso, faz uma reflexão sobre o movimento negro em Sorocaba. “Temos pessoas que se colocam como movimento negro, e isso é muito difícil de lidar porque hoje em dia não discutimos mais o movimento negro enquanto o movimento que fala só a respeito do preconceito. Hoje discutimos questões raciais. Em Sorocaba tenho a sensação de que ficou todo mundo muito estagnado nessas lutas pessoais de vaidade, poder ou demarcação de território, o que acabou fragmentando o movimento”. Também elogia a nova gestão do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e coletivos feministas de Sorocaba, os quais, segundo ela, possuem uma visão mais ampliada e discutem essas questões sociais.

Participação política
Em relação à participação das pessoas com deficiência na política, Gabriela destaca benefícios dados e segregação por deficiência dentro do movimento PcD como dificuldades. “Todas as pessoas que me procuram querem fazer um projeto de lei para dar algo de graça. Não é isso que queremos. Se todos conseguem trabalhar, por que a pessoa com deficiência não pode estar no mercado de trabalho e ter autonomia para fazer o que todos fazem? Vai ter que adaptar e vai demorar um pouco, mas nós queremos isso: dignidade”.
Por outro lado, ao comentar sobre a participação feminina na política de Sorocaba local em que apenas duas mulheres foram eleitas vereadoras na última eleição , Giovanna e Teresa destacam as cotas de candidaturas por gênero nos partidos políticos como recursos ainda utilizados apenas para estar de acordo com a lei, e não efetivamente para fazer com que mulheres realmente ganhem eleições.
Giovanna também faz uma análise do cotidiano: “Eu acho que tem a questão de que nós mulheres não fomos ensinadas que estar dentro da política é um ato e lugar para nós. Quando estamos em reunião de churrasco de família, onde estão as mulheres? Elas estão cuidando dos filhos, lavando louça e fazendo a comida. Enquanto isso, os homens estão conversando sobre a política. Inclusive, quando tem mulheres que entram nesses debates com a família, é muito fácil você ver a opinião delas sendo relativizada”.
Do mesmo modo, Maria Teresa afirma que a questão do voto é reflexo de uma sociedade sorocabana que ainda é conservadora. E acredita que a união feminina pode aumentar o número de mulheres em cargos políticos nas próximas eleições. “Estamos vendo, por exemplo, nesse movimento contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro o peso da mobilização feminina. Então, a partir do momento em que as mulheres vão tendo mais capacidade de olhar para si como agente transformador, mais elas vão se libertar dos grilhões que a prendem. Você vai se desprendendo desses indicadores de feminilidade para poder alcançar um posto maior: o de ser agente de transformação”.

Texto: Carol Fernandes – Agência Experimental de Jornalismo (AgênciaJOR/Uniso)
Imagens: Arquivo Pessoal

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