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Focando em… Não falar sobre o câncer de próstata

Quem lê esta coluna neste momento, pode estar se perguntando: mas ele não vai falar sobre o câncer de próstata em pleno Novembro Azul? Calma, vou sim. Mas não somente sobre ele, como também sobre outras coisas de homem. Um “papo cueca” como ouvi esses dias. 

Quando estava pensando no tema falei comigo mesmo, será que o câncer de próstata é o único problema que afeta o homem? Será que não tem mais coisas que às vezes não são lembradas? Como bom pesquisador que sou, fui atrás de artigos. E recebi três ótimas indicações de minha amiga e professora de Enfermagem Iara Micheline Pereira Correa. Como são vários autores, optarei por citar seus nomes ao final do texto.

Você sabia que existem pessoas que perdem o pênis por falta de higiene? Sim, falta de higiene! Eu fiz a mesma cara de espanto que talvez você esteja fazendo agora. Logicamente que existem outros fatores que levam à penectomia (remoção do pênis), mas falta de lavar direito o órgão sexual é uma delas. E não somente pós relação sexual. Alguns resíduos da nossa própria urina que ficam parados na glande podem causar problemas. É sério, meus amigos homens, que em pleno 2024 temos que discutir falta de banho?

E quem diz isso não sou eu, é a ciência!

No artigo Câncer de pênis, aspectos epidemiológicos e fatores de risco: tecendo considerações sobre a promoção e prevenção na Atenção Básica, as autoras comentam que: 

“Os fatores de risco que aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar câncer de pênis são: falta de higiene, produção de esmegma e retenção de células descamativas e resíduos da urina na glande.”

Ou seja, falta de lavar.

E existem outros fatores que contribuem para o óbito de homens, como por exemplo problemas cardiovasculares, hipertensão e diabetes. E a maioria das mortes é por causas que poderiam ser evitadas. 

E onde está o problema? Talvez seja porque os homens não procuram “com muita frequência atendimento médico em razão dos aspectos culturais, vergonha ou falta de tempo”. É o que afirma o artigo intitulado Perfil epidemiológico da mortalidade masculina no Brasil, 2014-2018. O estudo mostrou que no recorte de tempo definido, ocorreram “3.607.966 mil óbitos em homens. E que a região sudeste teve o maior percentual de óbitos entre as macrorregiões com 44,11%”. 

Segundo o artigo, um dos problemas é o fato de que: 

o homem sempre foi visto como o provedor da família, um dos princípios destacados é a obrigação de mudança do pensamento masculina nos cuidados com a própria saúde, isso se deve muito ao machismo pelo pensamento de que o homem não pode adoecer e tem que cuidar da família.

E essa pergunta gerou um outro artigo que trago aqui: Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Achei muito interessante o texto, pois ao contrário do que muita gente prega, a educação é fator importantíssimo para os cidadãos, inclusive na prevenção de doenças. Os autores fizeram um estudo para 

A Construção da Masculinidade como um Fator Impeditivo do Cuidar de Si, que teve como eixo central a discussão sobre prevenção do câncer prostático, a partir de uma revisão da literatura e de entrevistas com 28 homens, sendo dez com baixa escolaridade, oito com ensino superior e dez médicos.

Todos os entrevistados tinham 40 anos ou mais e concordaram com a afirmação de que os homens procuram menos os serviços de saúde do que as mulheres. Eles foram convidados a refletir sobre o que é ser homem. O retorno foi um tanto quanto interessante, como mostra o trecho do artigo:

Responder a essa pergunta foi difícil para a maioria deles, principalmente para os que possuíam baixa ou nenhuma escolaridade (Grupo I). Observou-se que, independentemente do nível de escolaridade, os entrevistados lançavam mão de ideias contrárias para definir ser homem em oposição ao ser mulher. Essa lógica reflete a diferença atribuída entre os gêneros para se demarcar a especificidade de cada um deles. Assim, enquanto o homem é “bruto”, “forte”, “agressivo”, “tem iniciativa sexual (ativo)”, “vive mais na rua” e “gosta de pular a cerca (é sexualmente infiel)”; a mulher é “suave”, “sensível”, “doce”, sexualmente mais “passiva”, “fica mais em casa” e sexualmente “se segura mais.”

E a “doença” da masculinidade frágil se fez presente novamente. Além das ideias hegemônicas sobre o que é ser homem, nas falas dos entrevistados, são citados estilos de masculinidade: “Tem homens […] delicados e outros não. […]Tem homem amoroso [e] tem um que não é. […]Tem homem que é agressivo […] outro já é mais calmo”. 

Outros comentários que apareceram no estudo, também são interessantes de serem citados: 

[…] Pra pessoa cuidar da saúde tem que[…] fica difícil pra gente […] que trabalha […] não tem um tempo suficiente”

“Você tem que marcar […] e pago não tem condições de pagar. Aí não tem condições do homem se cuidar”. “Tem pai de família também que ganha só um salário. […] Vai pagar uns exames? […] E o atendimento do […] INSS, você sabe que é péssimo[…]”

“Eu acho que tem […] um temor terrível […] de encarar qualquer possibilidade de que algo vai mal”.

A vergonha de expor seu corpo a um outro homem ou a uma mulher foi outro fator apontado pelos entrevistados, para explicar a negligência com cuidados médicos por parte dos homens:

Acho que […] tudo que diga respeito às partes genitais […] o pênis […] o testículo, examinar o ânus, eu acho que é tudo que fique nessa região das genitais, fica um pouco mais difícil”. “Tem […] muito homem que está doente, está morrendo. Mas tem vergonha de falar com o médico que está com […] aquele problema ali”.

De acordo com os autores a falta de unidades de saúde específicas para o cuidado com o homem também foi apontada. A pesquisa mostrou também que o medo de demonstrar fragilidade faz com que os homens procurem ajuda médica somente quando a dor se torna insuportável e quando há uma impossibilidade de trabalhar: “Eu só vou ao médico quando eu sinto alguma coisa”. “Geralmente, falando dos homens, só consertam a fechadura depois que a porta foi arrombada, não é? Ou seja, só vai ao médico na hora que sente dor.

Os pesquisadores encerram o artigo apontando os riscos da automedicação masculina trazidos pelo modelo hegemônico de masculinidade, e que 

o imaginário de ser homem pode aprisionar o masculino em amarras culturais, dificultando a adoção de práticas de autocuidado, pois à medida que o homem é visto como viril, invulnerável e forte, procurar o serviço de saúde, numa perspectiva preventiva, poderia associá-lo à fraqueza, medo e insegurança.

Voltando ao artigo Câncer de pênis, aspectos epidemiológicos e fatores de risco: tecendo considerações sobre a promoção e prevenção na Atenção Básica, nele os autores afirmam que “o câncer de pênis causa sérios problemas em razão do diagnóstico tardio, e há estudos que estabelecem sua relação com a infecção pelo HPV (human papillomavirus – papilomavírus humano), que é uma doença sexualmente transmissível”. E não só o HPV, persistência de fimose, baixo padrão socioeconômico, efeitos de irritação crônica da pele, número de parceiros sexuais, uso do tabaco e zoofilia também são fatores de risco.

 “A identificação oportuna do CP influi de maneira decisiva no seu prognóstico, pois se for feita logo no início, o câncer de pênis é tratável e tem grande possibilidade de cura.E você aí tão preocupado com o urologista acabar com sua masculinidade que nem pensa que por falta de higiene pode ficar sem pênis.

E como melhorar essa situação?

Para as autoras do artigo sobre o câncer de pênis, uma ferramenta que pode ajudar é 

pensar que quando um homem com uma DST ou com problemas a esclarecer no pênis ou na genitália deseja atendimento, um critério de acolhimento é a privacidade, o sigilo, a confidência e a discrição, num atendimento ágil com a menor exposição possível, e jamais por meio de agendamento de consulta ou intermediação de agentes comunitários.

Outra ideia de solução que o artigo apresenta diz respeito aos 

profissionais que trabalham com homens [que] poderiam privilegiar dinâmicas em pequenos grupos de reflexão, nos quais os usuários pudessem ser ouvidos com mútuo enriquecimento e aumento da compreensão de todos quanto a necessidades de saúde e à própria natureza dos serviços e dos cuidados a serem dispensados por eles. Essas dinâmicas deveriam incluir questões sobre respeito à vida, violência em geral, uso de drogas, paternidade e sexualidade, compartilhando experiências e criando caminhos para resolução dos problemas.

E o artigo Perfil epidemiológico da mortalidade masculina no Brasil, 2014-2018 também traz outra sugestão:

Desta forma devem-se haver cada vez mais investimentos na política de saúde do homem, a fim de mudar a visão de que os serviços de saúde têm como único propósito tratar as doenças. Deve-se existir também uma educação continuada e mais qualificada dos profissionais, além da realização de campanhas preventivas e promoção da saúde.

Às vezes você fica ai perdendo tanto tempo preocupado com o dedo do urologista – ou até fazendo piada e desencorajando outros homens – e não se atenta que poderia estar usando esse tempo para ensinar os dez dedos que tem aí a fazerem o mínimo por você: te higienizar corretamente.

É preciso se lavar, camarada!

Sendo mais pedagógico, lembre-se do ratinho do banho do Castelo Rá-tim-bum: “e também o fazedor de xixi… wow lá lá lá lá…banho é bom, banho é muito bom!” 

REFERÊNCIAS

BATISTA, J. V. et al. Perfil epidemiológico da mortalidade masculina no Brasil, 2014-2018. Research, Society and Development, v. 10, n. 5. ISSN 2525-3409. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i5.15248.

PAULA, S. H. B. de; SOUZA, M. J. L.; ALMEIDA, J. D. Câncer de pênis, aspectos epidemiológicos e fatores de risco: tecendo considerações sobre a promoção e prevenção na Atenção Básica. Boletim do Instituto de Saúde – BIS, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 111–118, 2012

GOMES, R.; NASCIMENTO, E.F.; ARAÚJO, F.C. de. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(3):565-574, 2007.

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