Prefeitura de Sorocaba descumpre Plano municipal de Cultura
Por Ana Carolina Cirullo (Agência Focs – Jornalismo Uniso)
Secretaria não recebe nem metade da verba que está prevista na lei

A cidade de Sorocaba possui um Plano Municipal de Cultura que foi elaborado em 2016, com o intuito de ser utilizado como um instrumento de gestão de médio e longo prazo para o município. Em uma Conferência Municipal da época, o plano foi construído de forma colaborativa com os cidadãos que definiram estratégias, metas e prazos para que a cidade desenvolvesse seu setor cultural.
Em 2025, o Plano completará nove anos de existência, mas com uma de suas principais metas não atingida: o aumento progressivo do repasse do orçamento da prefeitura para a Secretaria da Cultura (Secult), que deveria atingir o mínimo de 2% nos primeiros 6 anos desta lei (Lei Ordinária nº 11326/2016). Essa meta foi desenvolvida dentro do segundo capítulo apresentado no documento, o Eixo 2 – Gestão Pública da Cultura e, portanto, com essa determinação era esperado que pelo menos a partir de 2022 a Secult já estivesse recebendo os 2% do Orçamento Municipal Anual.
O cenário ideal seria esse citado acima, mas essa não é a realidade. Ainda em 2024, a verba destinada para a Secult foi de apenas 0,25% do orçamento municipal – que somava um montante de 4,2 bilhões de reais. Traduzindo essa porcentagem, se tem o equivalente a 11 milhões de reais que foram encaminhados para a Secretaria de Cultura de Sorocaba. Já na elaboração da LOA (Lei Orçamentária Anual) para 2025, o repasse da Secult representa 0,38% do orçamento total da prefeitura, ou seja, aproximadamente 15.846.417,00 milhões de reais. Esses números, por si só, já ilustram o descumprimento do Plano Municipal e indicam uma dificuldade de investimentos para a área da cultura na cidade, mas para além dessa questão financeira, o cineasta sorocabano Bruno Lotelli alerta para como a situação atual da cidade afeta a sociedade de diferentes modos.
“O Executivo quando descumpre a lei municipal, ataca o direito de todo sorocabano, de toda sorocabana, de se ver representado, de se repensar através dessas representações, de se divertir, mas também de pensar. A cultura tem espaço para o entretenimento, mas ela guarda um espaço ainda mais importante para refletir sobre seus hábitos, seus consumos e suas decisões. […] Então quando a prefeitura descumpre a lei, ela nega, ela impede que as pessoas se vejam no espaço público e serve a uma lógica de individualização, privatização e empobrecimento da vida. É uma estratégia ativa de empobrecer a vida das pessoas, no sentido daquilo que elas podem ver, daquilo que elas podem sonhar, e tornar todo mundo mais suscetível à manipulação.”
Bruno foi um dos cidadãos que participou da redação do Plano Municipal em 2016. Atualmente, ele participa de coletivos organizados de forma independente pela comunidade artística para monitorar, acompanhar e cobrar a Secult e o Conselho Municipal de Políticas Culturais. “A gente tem cobrado a divulgação de data dos encontros (do Conselho) e a Secretaria sempre nos fornece. A sociedade civil organizada fora do conselho, tenta participar e nunca é negada a entrada. Mas o pouco que posso dizer sobre a prática desse Conselho, é que é um conselho pouco combativo à inércia da Prefeitura e da Secretaria em relação ao Plano Municipal de Cultura.”.
Essa observação sobre a falta de “combatividade” à inércia da prefeitura, também é sentida por quem têm participado das sessões de discussão da LOA na Câmara Municipal.
A DISCUSSÃO NO PODER LEGISLATIVO

No dia 9 de outubro de 2024, foi realizada uma audiência pública na Câmara Municipal de Sorocaba para discutir novamente alguns pontos do orçamento previsto para o ano que vem na cidade. A vereadora Fernanda Garcia (PSOL) levantou a discussão sobre a verba da Cultura e questionou o secretário Luiz Zamuner – que esteve presente na sessão – sobre a eficiência do valor de R$15,8 milhões, para uma cidade do porte de Sorocaba. A apresentação do secretário indicou a seguinte distribuição dos recursos:

Para a vereadora, este valor além de já estar em desacordo com o Plano Municipal, também não supre as necessidades trazidas pelas demandas atuais da comunidade. “Muitos produtores não estão tendo espaço na Linc (Lei de Incentivo à Cultura de Sorocaba). Então quando você reduz o orçamento, você reduz as possibilidades de ter mais pessoas atuando no campo cultural e tendo o apoio. […] Por exemplo, temos aí o CEU de Laranjeiras, que estava com o auditório mofado com escorpiões e ficou muito tempo fechado. Agora vai ser feita a manutenção. Mas por que deixou chegar nesse estado, né? Por que não foi feito antes? Por que não utilizou o espaço para a comunidade? Apresentando cinema, teatro… tem muitos grupos teatrais que querem espaço para se apresentar.”
Sobre o descumprimento da lei, Fernanda percebe uma dificuldade de implementar discussões que conquistem resultados entre o Poder Legislativo e o Executivo. “Quem executa é o prefeito, é o Executivo. Então a gente perde, porque se nós tivéssemos aqui dentro uma Câmara Municipal que fosse mais participativa no ato de fiscalizar, com certeza estaria sendo executado o Plano Municipal de Cultura. […] Mas quando tem a maioria dos vereadores da base do prefeito, eles fazem um paredão e então muitas questões que deveriam ser fiscalizadas deixam de ser”.
REPENSANDO A LEI DE INCENTIVO CULTURAL
Durante a audiência do dia 9 de outubro deste ano, o secretário da cultura, Luiz Zamuner, se posicionou sobre a situação de distribuição da Linc nos dois últimos anos e o planejamento atual da pasta para essa ação em específico. “A partir de 2021, nós começamos a avaliar melhor a Linc. No ano de 2023 a gente percebeu que apesar de não ser um grande suporte financeiro, boa parte disso, nós tivemos que devolver. Não foi usado tudo (da verba), nós tivemos aprovação de trabalhos com nota em torno de 3, 3 e pouco para poder distribuir ao máximo. E por que? Porque a maioria dos trabalhos não preenchiam os requisitos burocráticos desta lei.”
Ainda na mesma fala, o secretário seguiu o raciocínio para justificar o valor atual de 500 mil reais para a Lei de Incentivo Cultural, afirmando que por agora não vê sentido em aumentar essa verba, visto o histórico de devolutivas e o desejo de rever a dinâmica de seleção dos projetos apoiados pela Secult. “Ainda esse ano eu gostaria de fazer uma audiência pública e ver se a gente pode melhorar bastante a Linc. A partir do momento que a gente melhorar a lei, a gente pensa em incrementar em relação a financeiro, porque o dinheiro que sobrou da Linc do ano que eu falei, dos últimos dois, eles não ficam para a secretaria redistribuir em outra coisa que esteja faltando, muitas vezes vai até para outras secretarias.”
Para a revisão da Linc, o secretário afirma que ele e sua equipe entendem e gostariam “que os trabalhos artísticos e culturais fossem mais avaliados pelos trabalhos do que pela burocracia que se exige.”.
Em questionamento enviado à Secretaria da Cultura por meio da Secretaria da Comunicação (Secom), nossa reportagem não recebeu nenhum retorno quanto à disponibilidade do secretário Luiz Zamuner para uma entrevista. Também até o fechamento desta matéria, não tivemos nenhuma resposta sobre qualquer previsão de data para a audiência pública de discussão da Linc.
Na sessão do dia 9 de outubro, além da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), a vereadora Iara Bernardi (PT) também apresentou questionamentos ao secretário. Os recém-eleitos vereadores, Tatiane Costa (PL) e Rogério Munhoz (Agir) também estiveram presentes na Câmara Municipal.