Jornalismojornalismo onlineSorocabaUniso

AS FÉS QUE COSTURAM ESSA TERRA: A MESQUITA DA VILA ESPÍRITO SANTO

Por Ana Carolina Cirullo (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Muçulmanos de diferentes nacionalidades se reúnem para realizar orações diariamente. – Foto cedida por Abu Hanif

Foi depois de um mês trabalhando na reforma do salão que, enfim, Saifur, Abu, Hossain e aproximadamente outros quarenta imigrantes muçulmanos bangladeses puderam, finalmente, fazer suas orações de sexta-feira em comunidade. Até agosto de 2019, quem fosse muçulmano não tinha onde orar em Sorocaba. Nunca nenhuma mesquita havia sido registrada oficialmente no município. 

Vindos de Bangladesh, os amigos chegaram ao Brasil com o objetivo de trabalhar no comércio do Brás, em São Paulo. Em 2014, se mudaram para Sorocaba e aqui descobriram que não era só trabalho que buscavam. Visitando outros países, perceberam, ao chegarem nesta terra tropical, que o que realmente queriam era a paz. Paz e liberdade. Essas são as sensações que MD Saifur Rahman e MD Abu Hanif disseram ter encontrado no Brasil.

Com um aparente sotaque indiano, mas um ótimo português para quem nasceu e cresceu a dois oceanos de distância daqui, os empresários são os secretários oficiais da primeira mesquita sorocabana. Carregando a missão de ser quem divulga e quem conta a história de sua comunidade, Saifur é o porta-voz oficial para falar sobre como um simples salão de paredes brancas se tornou um espaço sagrado para alguns novos sorocabanos a partir de 2019.

“A gente, todo mundo, os amigos, viemos para cá [para Sorocaba] para trabalhar. Mas faltou fazer oração. Desde 2015, a gente já tinha casa, tinha trabalho, mas não tinha oração.”

A mesquita fica na zona oeste da cidade, próximo ao local de trabalho da maioria dos frequentadores dela. A rua é escondida, sem muita movimentação e serve principalmente como estacionamento para quem vai ao Shopping das Fábricas, na avenida Doutor Luiz Mendes de Almeida. O espaço passa despercebido por motoristas e pedestres que usam a rua Maria J.D Molina como desvio de rota na Vila Espírito Santo. Talvez por sua fachada inteira branca e pelo desbotamento da cor da placa que indica do que se trata o local, a mesquita só desperte a atenção de quem tem a sorte de passar por ela em algum horário das orações dos muçulmanos. Isso porque a grande quantidade de sapatos deixados na calçada certamente se destaca em nossa visão periférica. Pelo menos foi assim que eu a percebi. 

Abu Hanif foi o primeiro homem com quem falei. Nos falamos por Whatsapp, consegui seu número justamente porque era um dos telefones que estava indicado na placa da mesquita. Em nossa conversa, disse a ele que eu tinha interesse em conhecer a comunidade, mas só tinha disponibilidade para ir num sábado. Ele me explicou que na sexta-feira era melhor porque havia mais gente, mas acabou concordando em nos receber, eu e o fotógrafo Mateus Machado, no sábado, 26 de outubro de 2024, às 10h.  

Mal descemos do carro e Abu já veio logo nos cumprimentar dizendo que seu outro amigo secretário era quem melhor saberia falar conosco. O amigo, Saifur, também se apresentou e nos perguntou se já queríamos entrar. Antes de respondermos, ele rapidamente falou algumas frases em bengali, que julgo terem sido as orientações para que seus outros colegas abrissem as portas da mesquita, para nos mostrá-la por dentro. Convidativo e curioso com a nossa curiosidade, Saifur nos deu o aviso da principal regra do local: “Só tirar o tênis,  aí pode entrar”. Seguimos a regra, entramos na mesquita e enfim pudemos conhecer a história destes homens e deste templo.

A simplicidade da fachada do prédio não é muito diferente da decoração interna. Mas, de qualquer modo, estes elementos físicos não são capazes de sintetizar a importância religiosa do local. Reformado por aqueles que tanto ansiavam por um espaço de pertencimento, o salão quadrado de paredes brancas recebeu pisos beges, um bebedouro, além de tapetes de tom azul marinho, armários com estoques do Alcorão, o mimbar (cadeira elevada onde se senta o xeique durante as orações) e quadros e relógios que indicam a hora para cada oração ou carregam o nome de Alá em escrita árabe. É assim. Não precisa dar mais do que dez passos para atravessar toda a mesquita. Também não é preciso mais do que cinco minutos de conversa, para entender a relação deste ambiente com a fé daqueles homens: sagrado, silencioso e aconchegante, como a maioria dos templos religiosos do mundo. 

Saifur lembra com detalhes o início dessa história, de quando a criação do templo era ainda apenas uma ideia distante. “[Em Sorocaba] Não tinha mesquita. Só tinha mesquita da nossa religião lá na Campinas, Jundiaí e São Paulo. Mas muito longe daqui… Aí a gente conversou sobre construir uma mesquita. A gente trabalhou junto. Eles a noite inteira, colocando piso… a gente colocou tudo. Só o bebedouro o pedreiro fez.”.

Comissão organizadora e fundadora da Mesquita Sorocaba. MD Saifur é o segundo homem, da esquerda para a direita. Abu Hanif é o penúltimo homem, com calça preta e blusa azul marinho. – Foto: Mateus Machado

A HORA SAGRADA

Em suas orações, os muçulmanos estão sempre posicionados em direção à Meca, cidade localizada na Arábia Saudita e sagrada para o Islã e. O recomendado é que os fiéis consigam realizar cinco orações diárias, entre o nascer e o pôr do sol. E às sextas-feiras, eles se reúnem na mesquita para realizar a principal reza da semana, ao meio-dia, sob a orientação de um xeique. 

Essa função de orador na mesquita de Sorocaba foi designada para o bangladês Oliur Rahman, pois Oliur era o homem que melhor sabia sobre a religião, visto que desde Bangladesh ele já dava aulas sobre o Islã e a leitura em árabe do Alcorão. Para suas celebrações semanais, o espaço reúne pessoas de diferentes nacionalidades somando uma pluralidade de culturas, mas que não interfere nas celebrações religiosas da comunidade, pois todos os muçulmanos carregam o mesmo propósito e o mesmo idioma para a hora sagrada: o árabe. 

O egípcio Mohsen Shafei está no Brasil (e em Sorocaba) há sete anos. Começou a frequentar a mesquita sorocabana em 2019, quando um amigo o chamou para conhecer o centro que havia descoberto através das redes sociais. Mohsen, diferente de seus colegas bangladeses, tem o árabe como sua língua materna, mas enfatiza que “pode ter gente de país diferente, mas somos todos da mesma língua e alcorão sunita”, pois como explicado por ele, no mundo inteiro as orações do Islã são sempre realizadas em árabe.

Masbaha é utilizado ao final das orações diárias muçulmanas, quando os fiéis devem repetir o nome de Alá cem vezes. – Foto: Mateus Machado

UM SONHO COLETIVO

Bangladeses, egípcios, paquistaneses, brasileiros… segundo os secretários, a cada sexta-feira tem aumentado o número de muçulmanos que chegam à mesquita para professarem sua fé. O centro já não comporta todos ao mesmo tempo. Os homens fazem uma espécie de revezamento para conseguirem adentrar a sala e ajoelhar nos tapetes sagrados. As mulheres, então, ainda nem conseguem participar das orações presencialmente na mesquita, pois segundo a religião islâmica, homens e mulheres devem estar em espaços diferentes dentro das mesquitas, para não se verem e não se desconcentrarem deste momento espiritual.

Essas demandas estão movimentando a comunidade na busca por um terreno maior para a construção de um novo templo. Mohsen já pensa na estética que gostaria de ver na nova mesquita, “queremos construir com uma arquitetura islâmica”. Saifur pensa nas medidas ideais “aqui, quando vem muita gente, tem 70 pessoas. Então a gente quer colocar 100 pessoas. Temos que medir porque em cada tapete cabe uma fila de dez pessoas. E depois a gente vai construir um segundo andar para as mulheres também.”

Um fato destacado pelo egípcio Mohsen é a constatação de que a região do Largo do Divino está recebendo novos empreendimentos de edifícios residenciais por todo o bairro e, na rua Maria Molina não é diferente. Essa expansão imobiliária também afeta as expectativas de permanência da mesquita no atual endereço. Com isso, as ideias de mudança são coletivas. “Serão importantes as doações, porque não é simples e nem barato, então precisamos de doações para conseguir sair desse lugar. Porque nesse lugar, uma das empresas de construção daqui de Sorocaba, provavelmente, vai comprar essas casas para converter em prédios residenciais, como está por aqui. Então por isso a gente também quer sair para outro lugar e, se possível, construir uma mesquita.”

Os detalhes da obra, por enquanto, não se fazem necessários visto que o novo endereço ainda não foi encontrado. No entanto, a certeza de querer construir um espaço melhor está alinhada ao reconhecimento de uma simples palavra, mas que tem muito significado para Saifur. Estar em Sorocaba significa paz. “Em maio eu fui para Bangladesh, fui visitar lá, mas quando eu voltei, quando eu cheguei em Guarulhos, tipo, eu senti que cheguei na minha paz, cheguei em casa. Quando entrei em Sorocaba, pensei ‘ah, meu bairro, minha cidade’ eu me senti bem. Quando penso em Bangladesh é saudade,  aqui é paz.”.

Esse acolhimento da cidade também se faz presente numa fala de Saifur, que, misturada entre seu sotaque bengali e suas expressões brasileiras, o secretário expôs sua gratidão por essa conquista de sua comunidade. Quando enfim encontraram o salão e o alugaram para ser utilizado como a primeira mesquita de Sorocaba, os amigos bangladeses concluíram em português: “Graças a Deus a gente abriu uma mesquita”. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *