Coluna

A inteligência artificial é lógica, e você?

Quando vi a primeira vez, já falei: isso aí é Sócrates! A pergunta certa gera a resposta certa. Dependendo do prompt que você coloca, vem a resposta”. Ouvi essa frase do professor Paulo Celso esses dias em uma aula do mestrado ao falarmos sobre o ChatGPT. E a conversa continuou. Duas colegas comentaram o quanto as pessoas estão se relacionando com as IAs e as formas como elas estão sendo utilizadas. “Algumas pessoas estão criando laços amorosos e outras até fazendo terapia via IA”, elas comentaram. Respeito os gostos de cada um, mas algumas coisas me parecem exageradas e fugindo um pouco da normalidade.

Aproveitando o momento, resolvi fazer algo que nunca havia feito: perguntar ao ChatGPT quem sou eu. A resposta causou espanto tanto a mim quanto aos meus colegas de classe. Eu sou um sambista do Rio de Janeiro, ligado a diversas escolas de samba, envolvido com corrupção e fui preso em 2020. E ao fim do texto tinha um resumo que dizia, entre outras coisas, que eu era um dos criminosos mais perigosos do país. Então tá, né? Quem sou eu para discutir com uma máquina?

Logicamente que existem diversos fatores como versão paga, forma da pergunta, entre outros, que interferem na resposta da IA. Mas ao repetir o experimento, a resposta foi totalmente diferente (eu deveria ter printado a original):

“✍️ Atuação como Colunista e Mestrando

Atualmente, Rafael é mestrando em Comunicação e Cultura e atua como atendente administrativo. Além disso, mantém uma coluna semanal na agência experimental de jornalismo da Uniso, Focas na Rede, onde compartilha textos sobre negritude, cultura popular e acontecimentos cotidianos de Sorocaba. Ele enfatiza a importância da pesquisa, do respeito à ancestralidade e da escuta ativa no jornalismo antirracista”.

Além de diferente da anterior, tirando o meu cargo que mudou de março para cá, a resposta contém verdades e num contexto muito próximo da realidade.

Na primeira tentativa, a parte de ser sambista faz sentido, mas quem dera eu fosse ligado às escolas cariocas. Um sonho.

Em relação à parte criminal, após o espanto meu e dos colegas, acabou tudo em piadas e sorrisos. Mas tirando a parte cômica, esse tipo de acusação é algo muito sério, e inclusive, a resposta do chat veio com uma foto real minha, ao lado do icônico jornalista José Hamilton Ribeiro.

Falando em foto…

Lady Gaga tem sido o assunto do momento.

Esses dias mesmo um colega da biologia me perguntou de maneira aleatória: “Rafa, você acha que as IAs vão substituir as fotos nas reportagens um dia? ” Eu respondi de maneira informal que não acreditava nisso e reforcei o quanto é gostoso o fotojornalismo, fazer a sua própria foto, deixar ainda mais interessante a história para o leitor. Lembrei-me de uma frase do meu amigo e professor, o fotojornalista Fernando Rezende: “uma boa foto, com elementos e informações essenciais, fala mais do que o próprio texto”.

Voltando à Lady Gaga…

Você deve ter visto, ou pelo menos “resvalado no bafafá” que deu a reportagem sobre as pizzas em frente ao hotel carioca onde a cantora estava hospedada. Resumindo: o site InfoMoney publicou uma matéria utilizando uma imagem de IA, onde a artista distribuía pizzas para seus fãs que estavam aguardando ansiosamente sua aparição.

A distribuição do alimento realmente aconteceu, é fato. Porém a cena não é real. Lady Gaga nunca esteve entregando pizzas. Mas quem nunca mentiu em uma foto, usou filtros ou fez montagens? Vão criminalizar agora?

Calma.

A diferença está na posição em que ator social se encontra. No nosso caso, na esfera jornalística. Muito diferente de um ambiente de brincadeiras, pegadinhas ou memes.

Na legenda da imagem, até constava a informação de que era algo gerado por IA/ChatGPT, o problema é que em nenhum momento foi informado que aquilo era a representação de uma cena fictícia. Já imaginou quantos fãs acreditaram e surtaram por pensar que perderam a chance de ver a Mother Monster de perto? Com sentimentos não se brinca, ainda mais de fãs tão apaixonados.

Sobre o assunto, o jornalista Márcio Gomes, em sua conta na plataforma Linkedin, comentou: “é preciso ter, antes de mais nada, ética e responsabilidade para se lidar com essa tecnologia”. Na mesma plataforma, o comunicador Flávio Sampaio afirmou que “o leitor foi induzido ao erro, afinal de contas, quem lê o crédito da foto? [outra grande falha nossa] Em tempo: não foi a legenda, não houve nenhuma menção no corpo do texto e tinha até chamada para home”.

Após a repercussão, o InfoMoney substituiu a imagem e emitiu uma nota (errata) assumindo que “utilizou, de forma indevida, uma imagem gerada por Inteligência Artificial”, que a “legenda indicava que a imagem havia sido gerada usando ferramenta de Inteligência Artificial, mas não esclarecia que a cena não havia acontecido”.

O site reconheceu também que o uso da imagem foi um erro da equipe e reiterou “seu compromisso com a apuração rigorosa dos fatos, com a transparência e com a confiança dos leitores”. O InfoMoney concluiu a nota afirmando que a empresa estaria “adotando medidas internas para evitar que situações como essa se repitam, incluindo treinamentos específicos sobre o uso ético da Inteligência Artificial e a checagem de imagens”.

Após o ocorrido, ficam às dúvidas…

Uma falha do “estagiário” como costumam dizer?

Descuido de um profissional?

Foi proposital? Sendo mais um exemplo da busca desenfreada pelo like?

Tirem sua própria conclusões.

Eu fico com a resposta dada pelo humorista Marco Luque, no programa Provoca, da TV Cultura, ao questionamento do apresentador Marcelo Tas: “Você tem medo de ser substituído por um robô? Não, porque a inteligência artificial é lógica e eu nem sempre”.

Sobre tudo isso, e utilizando Cartola, digo a vocês:

Deixe-me ir caros leitores, preciso andar. Vou ver se tem bateria na minha SL2, e vou por aí a procurar, algo a fotografar”.

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