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Quando o lápis rege o aluno, quando a criança rege o lápis

Enquanto o método Waldorf tem como objetivo desenvolver a liberdade e a criatividade da criança para que haja um desenvolvimento integral dela, o método Tradicional prioriza prepará-las para viver em sociedade com base em uma relação hierárquica e com ênfase na memorização de conteúdo

Por Maria Luiza Weiss (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Sala de aula tradicional na educação infantil | Foto: Prefeitura Municipal de Itapetininga

Quando pensamos em crianças ou mesmo quando a nossa mente viaja longe até encontrar as nossas pequenas versões, logo chegamos em um letreiro grande e brilhante com os dizeres: ESCOLA. Dos quatro aos 17 anos, ou seja, durante 14 anos, uma pessoa passa seus dias obrigatoriamente em um colégio e é essa instituição, seus professores, funcionários, os outros alunos e, claro, a metodologia de ensino que irão influenciar em grande parte o desenvolvimento social, emocional, físico e o caráter daquele indivíduo.

É importante que os pais e responsáveis tenham isso em mente na hora de escolher uma instituição para matricular o seu filho, afinal, não é exagero dizer que ele passará mais tempo na escola do que na própria casa. O que poucas pessoas se atentam ao se depararem com variadas opções de instituições é a metodologia de ensino. Diversos fatores influenciam a qualidade educacional de um lugar além do ensino, como as atividades que eles oferecem, higiene, alimentação, brincadeiras e o que irá englobar tudo isso é exatamente essa palavrinha: “método”, o fio que norteia as decisões tomadas por uma escola e seus objetivos de aprendizagem.

Essa situação tem se mostrado ainda mais central desde o final da pandemia do Covid-19, já que educação tem sofrido também com a desatenção e a falta de interesse dos alunos. Vivência comum na sala de aula desde antes do Coronavírus tomar conta do mundo, o uso excessivo das telas já preocupava profissionais da saúde e da educação, pois entende-se hoje que a exposição a elas prejudica o desenvolvimento infantil, contribuindo para atrasos na linguagem e na habilidade motora fina, alteração no sono, dependência emocional, mudanças abruptas de comportamento, depressão e ansiedade.

De acordo com uma pesquisa publicada no Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 91,4% das crianças tiveram mudanças nos seus hábitos e brincadeiras durante a pandemia, como a redução de atividades ao ar livre, aumento na frequência do uso de aparelhos eletrônicos e uma maior dependência da presença de adultos para brincar.

O percentual de crianças até seis anos que tem acessado à internet tem crescido nos últimos anos | Imagem: reprodução do Jornal Nacional

O diretor Fábio Henrique Fortes do Colégio Eco Ville de Itapetininga, que possui um sistema voltado para o sino Tradicional, contou sobre como tem sido difícil prender a atenção das crianças, pois algo que foi feito para ajudar, como o celular, acabou por atrapalhar.

“Estudos mostram que antes um professor conseguia ter a atenção de sua classe por 50 minutos, hoje esse tempo não passa de 20 minutos, ou seja, a exposição e o acesso livre levam os alunos a não pensarem e a não refletirem sobre determinados assuntos”.

Fortes ainda afirmou a necessidade de desvincular desde a primeira infância o uso desenfreado de telas pelas crianças. “Se não for trabalhado na Educação Infantil, as crianças irão crescer com um grande déficit na aprendizagem, bem como nas questões emocionais, pois não irão saber lidar com o mínimo de questões.”

Com a incidência dos celulares cada vez mais presentes durante a primeira infância, tem se tornado difícil entreter e ensinar com qualidade no infantil, e isso torna necessária a procura e a utilização de metodologias que visem um ensino mais humanizado e voltado às necessidades do aluno, desvirtuando-se de uma educação regrada somente no abecedário e nos números, buscando uma integração segura, construindo vínculos e regulação emocional, desenvolvendo habilidades como autonomia, autoconfiança, coordenação motora, criatividade e imaginação, que irão favorecer a longo prazo o desenvolvimento acadêmico, social, comportamental e psicológico de uma criança.

Talvez por isso, tem surgido na Região Metropolitana de Sorocaba um maior interesse de pais pelo ensino Waldorf. A linha ainda é pouco utilizada – até a realização dessa matéria, foi confirmada a Escola do Bosque em Itapetininga e a Escola Micael de Sorocaba, além delas, outras duas escolas na região demonstram iniciativas e interesse na implementação da metodologia em suas instituições: a Escola Prima em Salto e a Escola Florescer em Tatuí –, porém tem chamado atenção por sua educação voltada ao contato com a natureza e com o espírito próprio da criança.

Waldorf foi criado pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner após o fim da Primeira Guerra Mundial, com a finalidade de haver um desenvolvimento integral do aluno. Steiner defendia a formação das crianças para a vida. Um dos pontos principais dele é o equilíbrio dos aspectos cognitivos – capacidade de adquirir conhecimento – com o desenvolvimento de habilidades artísticas através de atividades manuais, musicais, corporais, do contato com a natureza e com o artesanato.

Steiner acreditava na capacidade das crianças de imitar, imaginar e viver, adaptando-se ao desenvolvimento e despertando o interesse por meio do conhecimento do mundo | Foto: Escola do Bosque

O psicólogo de 39 anos, Gúpe Munhoz, é pai de dois meninos de 11 e oito anos. Os dois frequentaram um colégio Waldorf na região, e de acordo com ele, um dos fatores cruciais para ele optar por essa educação foi o fato de ela respeitar o tempo individual de desenvolvimento dos estudantes. “A metodologia Waldorf respeita o tempo da criança, sem pressa para a alfabetização, valorizando mais o brincar e o desenvolvimento emocional nos primeiros anos de vida.”

Hoje é comum que se atribua a educação das crianças somente aos professores, no entanto pais também são educadores e devem estar presentes na vida de seus filhos, estimulando habilidades em casa – algo incentivado na metodologia de Steiner – , este foi outro fator demasiadamente afetado durante a pandemia, quando, embora os pais estivessem em contato direto com seus filhos, utilizavam-se de telas para que os distraíssem passivamente, contendo e mediando seu comportamento, curiosidade e brincadeiras – constantemente associadas à “bagunça” ou “barulho”.

Apesar disso, Munhoz defende que a liberdade incentivada pelo método, foi muito importante nos primeiros anos da infância de seus filhos. “Isso [a liberdade] favoreceu um desenvolvimento mais natural. O contato com a natureza também foi algo muito valioso.” 

A abordagem Tradicional possui uma visão diferente. O sistema, que é predominante na região, prepara os alunos para conviver em sociedade por meio de uma relação hierárquica, centralizando a aula no professor que detém conhecimentos e apenas repassa-os igualmente para os alunos, que se tornam antagonistas na classe. Desde cedo, é ensinado que eles possuem prazos e metas para o cumprimento das atividades que são verificadas, avaliadas e pontuadas, construindo a ideia de que a criança é somente aquela nota, a aprovação ou não dela; pois nesse modelo o estudante é reduzido a um espectador em sala de aula que deve apenas memorizar e reproduzir os saberes.

Mesmo no ensino básico, os pais recebem notas das professoras, explicando o desempenho escolar e intelectual das crianças, desde novas sendo observadas e avaliadas em modelos por vezes comparativos.

O diretor Fábio Fortes explica que um meio de trabalhar características socioemocionais, sensíveis, artísticas, empáticas e que melhorem a autoconfiança dos pequenos na Educação Infantil Tradicional, seria utilizando o lúdico. “É notório que o ser em seu pleno desenvolvimento aprende pela repetição, e assim é até mesmo na vida adulta. Como aprendemos a andar de bicicleta? Praticando diversas vezes até entender como se anda… A educação se faz da mesma maneira”.

Fábio alertou ainda sobre os julgamentos que o sistema tem sofrido nos últimos anos. “Talvez as pessoas atualmente não entendam como é realizado esse processo e acabam julgando a metodologia Tradicional, porém é fato que tal ensino é voltado para o que é visto nos livros atuais. Independentemente do método, temos que ter noção da mudança de ambiente onde as crianças estão inseridas e como funciona a família brasileira hoje; sendo questões que precisam de um olhar crítico e autocrítico também.”

Apesar dessa abordagem ser a mais frequente nos colégios, uma parcela de especialistas do Ministério da Educação (MEC) considera que os cursos de pedagogia e licenciatura são excessivamente teóricos e possuem pouca ênfase na prática docente, o que sugere uma falta de experiência para lidar com uma sala de aula, especialmente uma classe com alunos de até seis anos que exigem dinâmicas específicas e diferente das adotadas com estudantes mais velhos.

Desde 2019, é aprovado pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) as diretrizes para a formação inicial de docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que foi apontado como um precursor na busca por mais clareza sobre as competências necessárias de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a formação de professores.

A medida é defendida partindo do princípio de que um bebê começa a aprender desde o útero, quando acontece no cérebro o desenvolvimento que permite a aprendizagem, e a partir dos primeiros passos e do primeiro dia de aula, quando a criança já está na primeira infância (do zero aos seis anos de idade), o cérebro se desenvolve em um ritmo mais acelerado do que em outras fases da vida humana, sendo crucial estímulos e interações sociais que ajudem a aumentar a quantidade de conexões entre os neurônios dos bebês. Tais práticas – que propiciam seu contato com texturas, com a natureza, a criatividade, a imaginação e a autonomia – podem garantir solidez na arquitetura cerebral.

Gúpi contou que devido o contato e vivências de seus filhos na educação Waldorf, ele observou grande desenvolvimento na autonomia e no caráter deles. “Vejo nos meus filhos uma autonomia bem desenvolvida, coragem e respeito pelo outro.”

O método Waldorf prioriza o potencial individual com práticas, atividades intelectuais e artísticas combinadas para alcançar a formação integral do aluno, que é avaliada a cada dia | Foto: Escola do Bosque

Todas essas questões geram uma única pergunta na cabeça dos pais e dos professores: “o que ensinar?”. Quando a BNCC foi aprovada em 2017, ela trouxe um olhar diferenciado para os conteúdos lecionados, dando ênfase em habilidades sociais e visando o desenvolvimento integral dos alunos.

Para a norma, todas as pessoas possuem características únicas e saudáveis, a escola deve somente aprimorá-las, ajudando-os a as articular e assim favorecendo o relacionamento consigo mesmo e em sociedade. Sendo observado que a BNCC defende durante a base da Educação Infantil, o protagonismo da criança no planejamento pedagógico e define ser essencial para a aprendizagem o convívio com crianças e adultos, usar diferentes tipos de linguagens, ampliar o conhecimento de si e do outro, respeitar culturas e diferenças, brincar cotidianamente de diversas formas, espaços e tempos, com crianças e adultos, diversificando o acesso a produções culturais, conhecimentos, imaginação, criatividade, experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais e participar ativamente do planejamento e da realização de atividades.

Todas essas regras são aplicadas pois para a Base Nacional Comum Curricular, as crianças não se desenvolvem de forma espontânea, cabendo ao educador planejar, selecionar, monitorar e avaliar atividades que sejam qualificadas para o desenvolvimento daquela criança, promovendo brincadeiras variadas que envolvam diversos materiais, ambientes, linguagens e possibilidades de interação, para além das necessidades básicas (brincar, atenção à higiene e alimentação saudável).

Quando se analisa as diretrizes exigidas pela BNCC, observa-se um acordo silencioso com o discurso de Adolf Steiner sobre a educação básica; o que gera uma dúvida, se as leis aplicadas promovem um sistema mais humanizado e voltado para o protagonismo do aluno, por que o ensino de hoje segue o modelo Tradicional, onde há uma relação hierárquica de inferioridade (aluno) e superioridade (professor)?

Fortes explica que é um terreno complicado, pois muitos pais possuem dificuldade de enxergar que seu filho, apesar da idade, é um ser humano cheio de possibilidades. “Hoje temos crianças que os pais impedem de se frustrarem e isso é essencial para o desenvolvimento do ser humano. Infelizmente os pais buscam apenas o externo, sem se lembrar que ali existe um ser humano com grandes possibilidades.”

Uma teoria, desenvolvida pelo psicólogo Lev Vygotsky, entende que o funcionamento psicológico de uma criança ocorre melhor e sua imaginação desponta, adquirindo mais vida, se houver uma mediação que trabalhe o potencial dela de forma contínua e eficiente. Ou seja, ele acreditava que fazendo aquela criança atuar em uma zona onde não domina, ela desenvolveria um domínio próprio sobre a área, sendo para ele a brincadeira que cria zonas de desenvolvimento proximal que proporcionam saltos qualitativos no desenvolvimento e na aprendizagem infantil.

A pedagogia Waldorf reaparece devido aos seus fundamentos centrados na liberdade de cada ser humano em agir, sentir e pensar. Acreditando que a natureza e o universo, os desenvolvimentos cognitivos, emotivos e volitivos formam uma unidade, ressaltando que cada indivíduo é percebido como um ser integral em todas as dimensões do desenvolvimento.

O fator crucial que afasta o método de Steiner do defendido pela BNCC se torna evidente, quando seguido de forma correta, a metodologia se eleva para além do aspecto sensorial e aprofunda-se em um conhecimento mais amplo e espiritual, conectando os alunos ao mundo que os cerca, sendo uma pedagogia fundamentada na Antroposofia (ciência do espírito, considerada uma filosofia de vida que significa sabedoria humana e integra pensamentos científicos, artísticos e espirituais), compreendendo aquela criança nos aspectos físico, psicoemocional e espiritual, e não somente como um estudante que está presente ali para entender sobre equações e o abecedário.

Para o criador do método, a educação deveria ser vista e absorvida como um processo de interação social que tem como foco alcançar a dimensão imaterial da pessoa, ampliando sua capacidade de agir a favor da dignidade e emancipação da vida.

A realidade se torna preocupante ao nos darmos conta que há um muro que separa essas ideias do sistema brasileiro. Como as crianças poderiam atingir uma dimensão imaterial, tendo consciência da sua própria dignidade quando a pedagogia Tradicional, predominante em toda a região, defende valores que equivalem à “o educador sabe, o aluno memoriza, concorda por não desenvolver autonomia para pensar por si mesmo, e reproduz”? Enquanto os educadores Waldorf defendem que o ensino é uma arte que educa a criança integrando o fazer, o sentir e o pensar. Afinal, entende-se hoje que a liberdade é um conceito influenciado pelo contexto social e cultural em que aquele indivíduo, independentemente de sua idade está inserido; porém, quando pensamos em crianças, logo tomamos como verdade que nenhum tipo de liberdade e autonomia podem ser alcançadas por elas, partindo da crença de que elas são incapazes ou que tudo é “perigoso”.

O perigo existe sim, quando se trata de pessoas que estão vivendo a primeira infância é evidente que pais, responsáveis e educadores devem estar sempre alertas, presentes, mas para ajuda-las, incentivando e orientando o que é certo, o que é errado, o que é seguro e o que pode machucá-las, dando confiança para elas de que embora elas tenham alguém que esteja cuidando delas, elas também possuem autonomia própria e possuem capacidade de desenvolverem seus próprios pensamentos e entendimentos; sendo a escola uma aliada nessa tarefa.

A educação Tradicional por outro lado considera que os alunos possuem “brechas de conhecimento” que precisam ser preenchidas com as informações passadas pelo professor, que é a principal causa do aprendizado. Para alguns, acredita-se que o modelo acaba por limitar também as áreas de conhecimentos aplicadas em crianças.

Outra preocupação acerca do sistema são as atividades como a entrega da lição, que são consideradas mais importantes neste método do que a aprendizagem efetiva, acarretando em uma generalização preocupante, pois alunos que dominam as entregas por meio de exercícios e avaliações, com uma aprendizagem mecânica, têm os melhores resultados; mas aqueles que possuem dificuldade ou se destacam em outros âmbitos menos incisivos, podem ficar para trás ao longo dos anos, podendo gerar também um ambiente competitivo.

“Não percebo brechas no conhecimento, mas percebo sim no construtivismo que deixa lacunas abertas para serem resolvidas mais para frente. O sistema Tradicional não é limitador, e sim um caminho de possibilidades norteadoras para levar o aluno a buscar o conhecimento”, afirma Fortes.

O mundo acelerado em que as crianças estão inseridas hoje desde que nascem, o convívio cada vez mais direto com IA e a falta de conhecimento e conexões humanas têm gerado uma constante sensação de falta de espaço para o sensível, o desenvolvimento do espírito, para os pensamentos e entendimentos próprios; o que pode facilitar ainda mais o desinteresse dos alunos pelas aulas com o passar dos anos, mas não só isso.  Na medida que bebês crescem e se descobrem nessa Terra que não parece mais Terra de tão desumanizada, eles também passarão a enxergar a vida como algo desimportante, chato, possuirão dificuldade para absorver informações, lições, na memória, em habilidades manuais e mesmo no que se dá sobre o seu entendimento de si mesmo.

É primordial que os colégios de Ensino Infantil unam-se às famílias e desenvolvam um trabalho durante a primeira infância com essas crianças, favorecendo situações em que elas tenham seus sentidos elevados para o amor e a compreensão sincera de que ela é um ser humano também, e o que é ser humano verdadeiramente, conectando-se espiritualmente a vida e ao seu “eu”, desvendo a cidade, o mar, a floresta, estudando o universo, conhecendo os inúmeros significados existentes para as palavras e dando valor real aos números que também acrescentam nos dias vívidos, fazendo valorizar os momentos que passam e que ficam registrado na mente e não só na galeria do celular, que são sentidos, e são lembrados porque foram sentidos, amados.

É fundamental que os educadores e os pais ensinem nesses primeiros anos de vida às crianças que a vida é para ser vivida completamente, é para ser feliz, para chorar, para tocar, para saltar, brincar, correr e se sujar; mesmo que a sociedade atual tenha repudiado a intensidade com seu minimalismo, mesmo que nem sempre os métodos incentivem isso, o lar, o convívio, o amor que exala deles devem lembrar sempre que mais do que crianças, aqueles alunos e filhos são pessoas, e pessoas devem ser intensas para entenderem-se como gente por completo.

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