Por que os governos não deveriam tratar a depressão como uma doença fisiológica, mas um problema econômico e social?
Especial Série Setembro Amarelo – De acordo com a ONU, serviços de saúde preventiva sofrem com subfinanciamento, sendo 3% do gasto total em saúde nos países de alta renda e 13% nos países de baixa renda
Por Ana Torres (Agência Focas – Jornalismo Uniso)
A depressão é considerada uma doença desde o século XIX, e a partir de 2015 o Brasil adota a campanha do setembro Amarelo para se dedicar a prevenção do suicídio. Entretanto, de acordo com a OMS, cerca de 280 milhões de pessoas no mundo sofrem com a doença, no Brasil 11,7 milhões são acometidos pelo problema.
Outro relatório, chamado “Economia do Burnout: Pobreza e Saúde Mental” de 2024, feito pelo relator da ONU Olivier De Schutter, apontou que o transtorno não se desenvolve apenas de forma crônica e fisiológica, mas que as inseguranças econômicas, desempregos e subempregos são grandes causadores de depressão, ansiedade e suicídios.
Sintomas e Impactos
De acordo com o psicanalista e professor universitário Antônio Jose de Souza, de 42 anos, a depressão é caraterizada por uma apatia muito grande, falta de desejos e a inexistência de perspectiva de futuro. Porém, a doença pode demorar a ser percebida pois muitos continuam com suas obrigações, mesmo que de forma mecânica.
Souza, que é doutor em Comunicação e Cultura pela Uniso, pontua que os impactos na vida de uma pessoa podem ser muito grandes, principalmente nos casos mais graves: “quando é esse nível de depressão, a pessoa não consegue fazer nada, não consegue trabalhar, se relacionar, ela não consegue nem pedir ajuda”. Em casos mais leves é perceptível o isolamento, pouca abertura ao contato e relações.
Grupos mais suscetíveis
A depressão é uma doença multifatorial, que pode ter seu desenvolvimento por diversas razões (tendências genéticas, perdas de relações etc.). A psicóloga e mestre em Educação pela Unesp de Araraquara Nassim Golshan, de 31 anos, acrescenta que há fatores etnológicos e sociais que podem pesar no diagnóstico de depressão: “a pessoa estar em condições vulneráveis de vida, de não ter relações seguras, de não conseguir desenvolver autonomia ou a autoestima dela, está mais sucessível a desenvolver um quadro depressível e ter a remissão de sintomas”. Pensando neste ponto, Nassim acrescenta que é necessário olhar a influência de questões de classe, etnia, sexualidade, gênero e de deficiência no tratamento e cuidado do paciente.
No relatório de 2024, de acordo com a OMS “entre 76% e 85% das pessoas com transtornos mentais graves não recebem tratamento em países de baixa e média renda; nos países de alta renda, essa proporção ainda é de 35% a 50%”. O grupo mais afetado no recorte econômico, acaba por consequência, sendo pessoas em situação de rua, que em muitos casos não são assistidas por programas sociais ou profissionais na saúde.
“O quanto o senso comum tende a demonizar essa população [em situação de rua]? ‘Eles são bandidos, ladrões, perigosos’, mas nunca se para pensar que muitas dessas pessoas estão com problemas psiquiátricos graves”, pontua Souza. “Tudo que acontece com eles, a violência ou consumo de drogas, é uma questão social que as pessoas não entendem, tratando como uma questão policial, criticando qualquer política pública que enxergue de uma forma diferente.”
Para Nassim “é muito cruel pensar que para as pessoas no estado de muita calamidade social, o quadro de depressão nem seria um diagnóstico, é como se receber um diagnóstico nesse cenário fosse uma questão de privilégio muito grande”. A psicóloga diz ainda que em casos muito agravados, as pessoas sofrem com quadros psicóticos ou esquizofrênicos. “Não é que aquela pessoa não está suscetível a se deprimir, mas é que ela não gera tanta preocupação na sociedade, não é um sujeito produtivo, então passa mais batido, sendo visto supostamente como uma ameaça.”
Precarização do trabalho
Outro fator de adoecimento que atinge as classes mais desfavorecidas economicamente é a qualidade de trabalho. De acordo com o relatório da ONU de 2024, assinado por Olivier De Schutter: “a busca por competitividade gera ambientes inseguros, marcados por competição constante, aceleração e medo, o que provoca cargas de estresse físico e psicológico. […] Pessoas sem emprego ou forçadas a trabalhos precários enfrentam maior isolamento social, estigmatização e piores índices de saúde mental.”
A lógica de rendimento atualmente é um ponto de atenção para o psicanalista Souza, o modo de produção que segue a lógica da autoexploração é um aumento de desigualdade. Para profissionais que não tem horários de trabalho delimitados, é perceptível a tendência da precarização da saúde emocional.
Problema coletivo e econômico
Em média, a perda monetária do mundo todo com questões que envolvem saúde mental é da ordem de 1 trilhão de dólares por ano. No Brasil, 470 mil pessoas estão afastadas de seus trabalhos por questões de saúde mental.
Souza fala que “olhar para a saúde psíquica não como uma falha individual, mas como um problema que também tem uma parcela coletiva, talvez fique melhor”. Entretanto para que isso aconteça, ele pontua a necessidade de melhores condições de trabalho e de distribuição de renda.
As orientações mais comuns para uma pessoa que pede ajuda por conta de depressão muitas vezes se concentram no que ela deve fazer. De acordo com Nassim, não se trata de ignorar que o indivíduo tem responsabilidades, mas esse discurso não leva em conta que os problemas muitas vezes vão além do que o paciente pode fazer. “São responsabilidades no campo de políticas, no campo de decisões, […] a gente vê a jornada de trabalho 6×1, como eu vou ajudar a pessoa a pensar em um horizonte de futuro quando ela não tem tempo de viver a vida dela?”






