Uma paixão chamada Corinthians
1997. Dez anos de idade. Camisa listrada. Shorts preto. Gol do lateral camisa 6 André Luís, com a bola batendo no calcanhar do goleiro Rogério Ceni. O jogo segue. Gol do São Paulo em uma cabeçada indefensável para o nosso goleiro Ronaldo. Mas, no final da partida, explosão da torcida corintiana nas arquibancadas do estádio do Morumbi.
— Vó, é para esse time que eu quero torcer!
— Você tem certeza? Eu vou te apoiar, mas você vai sofrer muito durante sua vida.
Essa é a primeira lembrança que tenho do Sport Club Corinthians Paulista, meu time do coração e que este mês completou 115 anos de história.
Fundado em 1˚ de setembro de 1910, por operários no bairro do Bom Retiro, o time era exemplo de resistência já na sua concepção: disputar campeonatos oficiais que, até então, eram reservados para as elites.
No seu quarto ano de existência já veio o primeiro título, o Paulistão de 1914. Teve repeteco em 1916.
A década de 1920 ficou marcada por dois tricampeonatos (22; 23; 24 e 28; 29; 30) o que gerou o apelido de “o campeão dos campeões”, que integra a letra do hino. Entre as décadas de 1930 e 1940 teve mais um tri (37, 38 e 39) e o estádio do Pacaembu começa a se tornar nossa casa. Que alegria era ver o timão jogar naquele gramado.
Os anos 1950 ficaram marcados pela conquista do Campeonato Paulista do IV Centenário da cidade de São Paulo. Mas também foi ali que começou uma das fases mais sofridas do Corinthians: o jejum de quase 23 anos sem ganhar títulos de grande repercussão.
Apesar de ser um período difícil, surgiu um dos maiores ídolos do time (endeusado até por Maradona), Roberto Rivellino, e nasceu uma das maiores torcidas organizadas do mundo, os Gaviões da Fiel — um pilar social, símbolo de cultura e resistência. Mas como a vida do corintiano, apesar de sofrida, nunca é monótona, chegou 1976, a Primeira Invasão Corintiana. Dominamos as estradas entre São Paulo e Rio de Janeiro e o gigantesco Maracanã. Segundo o artigo A invasão corinthiana – Rio, 5 de dezembro de 1976, de Plínio Labriola Negreiros da PUC/SP, foi “o maior deslocamento de torcedores que se conhece na história do Brasil: entre 60 e 70 mil”. Sempre que converso com meu amigo Rinaldo, mais conhecido como “Tito” (corintiano há quase 50 anos e viu essa época com a mesma idade que eu tinha quando me tornei corintiano) ele me conta esse fato histórico e me pergunta: “Rafa, em uma época sem celular, internet, redes sociais, Whatsapp etc., como que a torcida conseguiu juntar tanta gente?” E ele mesmo responde sorrindo: “o bom e velho boca a boca”. Simplesmente insano. Se você nunca viu os vídeos dessa época, vale a pena.
E, na sequência, veio o tão famoso e libertador fim do jejum com a conquista do Paulistão de 1977, com gol de Basílio. Um marco na história brasileira (sem clubismo). Cada vez que vejo os vídeos da época me arrepio ainda mais. Milhares de pessoas nas arquibancadas e no campo, carregando bandeirões ou abraçadas a elas, atravessando o campo de joelhos, em lágrimas. Algo inesquecível.
Quem realmente estudou história sabe o período sombrio que o Brasil atravessou entre 1964 e 1985. Nos anos 1980 o país clamava por liberdade e democracia. Os torcedores do Corinthians por todo seu histórico de luta pelas classes menos favorecidas não ficariam para trás. Em uma época de camisas brancas sem patrocínios vimos o sangue de Wladimir e ídolos como Casagrande e Zenon, liderados por um médico chamado Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, se posicionarem politicamente contra a ditadura e a favor das eleições diretas. Outro fato que não pertence somente a história do clube paulista, mas a do Brasil.
Os anos de 1990 foram de grandes conquistas. O primeiro brasileirão, a gente nunca esquece. Outras vez vimos o Morumbi (nosso salão de festas) se tornar palco da explosão corintiana, por meio dos pés do Talismã Tupanzinho. Ganhamos a Copa do Brasil de 1995 e mais dois brasileiros: 1998 e 1999. Esses eu já tive o prazer de assistir e guardo na memória até hoje. A frieza de Dida (lembra dos dois pênaltis que ele pegou do Raí?); os cruzamentos milimétricos de Kléber; a maestria de Gamarra (ao lado de Chicão, um dos maiores que já vi jogar) a cara de mal do Rincón; a seriedade de Ricardinho, a magia de Marcelinho, Vampeta e Edílson; e o poder de decisão de Luizão. Isso sem falar no nosso amuleto Dinei e de outros importantes jogadores. Teve também a briga histórica na final do Paulistão de 1999 por causa das embaixadinhas no jogo contra o time do “espírito de porco”? Inesquecível.
Chegamos ao ano 2000. Bug do milênio? Que nada, o que marcou esse ano foi a segunda invasão corintiana no Rio de Janeiro: nosso primeiro Mundial de Clubes da Fifa. Jamais esquecerei da cena: Luciano do Valle gritando, Edmundo caindo em desespero, Dida andando como se nada tivesse acontecido e o Maracanã explodindo em festa. O ano seguinte me traz uma das maiores lembranças do significado da frase “o Corinthians nunca desiste, o jogo só acaba depois que o juiz apita”. A semifinal do Paulistão de 2001 contra o Santos me fez gritar e chorar por horas, com o drible de Gil e o gol de Ricardinho, quando faltavam 30 segundos para acabar o jogo.
Mas a sequência daquela década foi complicada… rebaixamento em 2007. Ali aprendemos um grito que nos acompanha até hoje: “eu nunca vou te abandonar! Aquele jogo com o Grêmio doeu muito. Mas confesso que, de certo modo, a queda nos fez bem. Em cinco ano saímos de um rebaixamento para uma formação que contava com Ronaldo Fenômeno e o time se tornou bicampeão Mundial e da Libertadores.
Ahhh, a Libertadores. Que ano, que título. E tudo começou em 2011. Ano em que atendemos o pedido do nosso Dr. Sócrates: “eu quero morrer em um domingo de Corinthians e Palmeiras”. Pouca gente lembra, mas o primeiro gol que nos libertou foi de Ralf, o nosso Xerife. Teve muita coisa, mas, para mim, os gols de Paulinho contra o Vasco, do Sheik contra o Santos e do Romarinho contra o Boca foram marcantes. E, no final do ano, ainda teve o segundo mundial. Jamais esquecerei da invasão no aeroporto e a terceira invasão corintiana, nesse caso internacional. Pintamos as ruas do Japão de preto e branco. O nome do nosso artilheiro resume tudo: Guerreiro. Paramos o Brasil e todos os canais de televisão só falavam de Corinthians o dia todo. Os antis se mordiam de raiva.
Conquistamos o Brasileirão em 2015 e 2017. E tivemos o maior jejum de títulos depois de 1977, entre 2019 e 2025, quando lavamos a alma em cima do nosso maior rival, mesmo com as trapalhadas de Félix Torres. Memphis subindo na bola foi uma imagem que rodou o mundo. A arrancada contra o rebaixamento, guiada por Garro, Hugo e Yuri Alberto, em 2024, nos fez reviver o nosso amor, mesmo em meio a tantas denúncias de má administração, fazendo com que a diretoria do clube se tornasse caso de polícia.
Por estas e tantas outras coisas — que se eu fosse listar daria assunto para um ano de coluna — que reafirmo sempre o meu amor pelo Sport Club Corinthians Paulista, um time fundado por operários, para a ampliação das vozes dos excluídos do futebol elitista, que representa a resistência do povo pobre e periférico, um espaço de cultura e luta política. Uma instituição popular, o TIME DO POVO.
