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A Semana da Consciência Negra traz histórias que o Brasil precisa ouvir

Curso de história da Universidade de Sorocaba organizou palestras voltadas ao cinema negro e à literatura como forma de documento histórico

Por Rafaela Sallum (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

A semana da Consciência Negra de 2025 reforça a importância do combate ao racismo e a história de um povo que sofreu por séculos com a escravidão cujas consequências ainda são sentidas nos dias de hoje. A literatura negra e o cinema novo marcaram o primeiro dia de palestras da semana, realizadas nesta segunda-feira, 17/11. 

Cícero Santos – graduado em Letras: Português e Inglês pela Uniso, em 2018, e mestre em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo – palestrou, no início da noite, sobre “A arte como documento da história: Literatura como documento histórico”. O professor promoveu reflexões sobre como a literatura pode documentar a história de um período, a partir de obras como livros e crônicas voltados à crítica social. Santos comenta que essa produção era mal vista pela elite da sociedade brasileira.

Lima Barreto, um dos autores citados por Santos, utilizava a ironia e um humor ácido em suas obras, o que era muito comum na literatura no século XIX. Esse tipo de ironia causava desconforto na sociedade da época, por isso o escritor passou a ser chamado de vagabundo e de “bêbado que escreve”. As críticas de Lima Barreto eram direcionadas ao movimento parnasiano, do fim do século XIX e início do século XX, que pregava a importância de olhar para o passado e preservar os ideais de uma sociedade pautada pela segregação racial. Santos citou uma obra de Lima Barreto em que o autor diz: “Esse país não tem tradição, a população está mais preparada em ganhar dinheiro por melhor que seja. Uma sociedade que não pensa no próximo está fadada ao fracasso.”

Outra escritora mencionada pelo professor foi Carolina Maria de Jesus (1914-1977). O livro mais vendido da autora foi “Quarto de Despejo” em que Carolina registra sua experiência como mãe solteira, vivendo em uma favela da cidade de São Paulo. Os diários de Carolina Maria de Jesus, que deram origem ao livro, também simbolizam sua resistência para existir como sujeito, além de ser um manifesto da “integração” do negro na sociedade de classes.

Em sua palestra, Santos contou sobre a visita de Carolina Maria de Jesus a uma escola de Sorocaba chamada “Monteiro Lobato”. Segundo ele, a autora teria dito “Nossa que nome esquisito para uma escola”, referindo-se à fama de Lobato de ser um homem racista. Carolina também teria falado sobre o dia 13 de maio, quando a Lei Áurea, um documento escrito, teria liberto a população negra brasileira, mas sem incluir uma política de integração social. “Libertos do que? E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual– a fome!”

Santos salientou a necessidade de considerar a biografia desses autores em seus contextos e momentos históricos. Ele também trouxe um nome atual para compor sua reflexão; Ana Maria Gonçalves, nascida em 1970 na cidade de Ibiá, interior de Minas Gerais, e a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. O livro mais conhecido da autora é “Um defeito de cor”. A história se desenrola pela perspectiva da pesquisadora Ana Maria Gonçalves, em visita à Bahia, quando ela encontra documentos muito antigos sobre a mãe de Luís Gama. A autora confabula, em sua narrativa, um passado-presente e imagina um futuro possível, já que em realidade tais documentos não existem.

Impactos do cinema novo e da produção independente no Brasil

A segunda palestra da noite foi “Olhares negros e descoloniais sobre o cinema brasileiro” ministrada pela professora de história Caroline Mendes da Silva. O foco da palestra foi o cinema como disputa de narrativas de acontecimentos históricos. Silva, que é mestre e doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, alerta para como o cinema interfere na forma como criamos um imaginário sobre a história porque é por meio das narrativas cinematográficas que acessamos alguns acontecimentos do passado. Nesse sentido, olhar para quem domina a indústria do cinema é importante, afinal a maior parte dos diretores, roteiristas e atores com destaque é formada por homens brancos.

Silva também falou sobre o cinema novo, um movimento de renovação do cinema brasileiro dos anos 1960 e 1970 que tinha como objetivo retratar a realidade do país com nova linguagem, crítica às desigualdades da época e que buscava se opor à Hollywood. Antônio Pitanga foi um dos grandes nomes desse movimento. Ele trabalhou com diretores como Glauber Rocha e estreou filmes que criticavam a desigualdade no Brasil. Apesar de ser uma revolução para o cinema, esses produtores do cinema novo não questionavam o machismo estrutural, já que a maioria dos diretores era formada por homens e as mulheres eram posicionadas na luta como companheiras, em papéis femininos tradicionais. 

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