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Uma noite entre livros e jovens

Por Beatriz Lippi (Agência Focs – Jornalismo Uniso)

Eu estava lá, no meio da fila que parecia interminável, já era por volta das seis da tarde, com o sol se despedindo lentamente. À minha volta, estavam rostos e expectativas. Pessoas de todas as idades, mas principalmente jovens, se apertavam para conseguir uma pulseira laranja fluorescente. Era um evento que prometia um bate-papo com Raphael Montes, o nome por trás de histórias que dançam entre o terror e o suspense.

Fila para retirar os ingressos – Foto: Acervo Pessoal

Minha relação com a literatura brasileira começou cedo, aos 12 anos, quando devorei a série Os Karas, de Pedro Bandeira. Desde então, os livros se tornaram meu abrigo e refúgio. Por isso, quando me deparei com o post do Sesc no Instagram anunciando o evento, não pensei duas vezes: era uma chance única de ouvir ao vivo um dos autores que tanto admiro.

O Sesc estava vivo, como sempre, uma explosão de atividades esportivas na quadra, pessoas lendo na biblioteca, cursos acontecendo em várias salas, exposições e uma fila que, claro, estava ali no meio e não parava de crescer. 

Depois de um tempo ali na comedoria, enquanto comia um pão de queijo e tomava um suco de uva, observei as pulseiras idênticas à minha nos braços dos outros fãs. Todos pareciam carregar algum livro de Montes, que traziam a impressão de que eram uma espécie de passaporte não oficial para aquela noite.

Fui recebida por Francine Segawa, uma mulher de cabelos curtos e cacheados com toques de azul e uma simpatia genuína. “Foi a Fabi quem sugeriu a vinda dele”, contou, referindo-se a Fabiana Ferraz, uma  mulher que também tinha cabelos curtos cacheados, usava um óculos de armação preta no formato quadrado, a mediadora da noite. “Queríamos algo que trouxesse mais jovens ao Sesc, e o Raphael tem esse alcance incrível, de adolescentes a leitores mais maduros.” Fabi, ao lado, completou: “Ele é um autor que conecta gerações. Essa conversa vai ser rica não só para os leitores, mas também para quem se interessa por roteiro e audiovisual.”

Muitos dos jovens à espera estavam carregando seu primeiro livro de Raphael Montes, e isso me fez pensar em como a leitura no Brasil ainda enfrenta desafios como falta de incentivo e acessibilidade, mas eventos como os promovidos pelo Sesc Sorocaba desempenham um papel crucial ao conectar leitores de diferentes idades e despertar o interesse dos jovens pela literatura. Autores como Raphael Montes, com suas obras de terror e suspense, ajudam a expandir o alcance da literatura juvenil, inspirando reflexões e conectando gerações.

A literatura é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento cognitivo dos jovens, fortalecendo o vocabulário, o pensamento crítico, a empatia e a compreensão das relações humanas, e essa curiosidade por gêneros como terror e fantasia vai além do entretenimento, tornando-se um meio de autoconhecimento e ampliação do senso crítico.

Francine Segawa, ainda durante a conversa, falou sobre o papel do Sesc em atrair jovens para atividades literárias, ampliando o acesso à leitura como forma de construir uma sociedade mais crítica e consciente. Esses esforços, junto ao crescimento da literatura juvenil, ajudam a formar uma nova geração de leitores, conectados com histórias que os transformam e ampliam sua visão de mundo.

Já no teatro, a ansiedade só aumentava. A iluminação azulada do palco, juntamente com um tapete branco em seu centro, com duas mesas pequenas de madeira que possuíam um formato de círculo, duas cadeiras também de madeira e duas plantas, uma de cada lado das cadeiras, criavam um clima íntimo e convidativo, quase como se estivéssemos na sala de estar de alguém. Quando Raphael finalmente entrou, com o carisma e a simplicidade que tanto admiro, o público foi tomado por aplausos e sorrisos, como se o atraso de horas devido a um problema no voo nunca tivesse acontecido.

Palco do teatro Sesc – Foto: Acervo Pessoal

“Obrigado pela paciência”, começou ele. E dali em diante, cada palavra parecia carregar um pedaço de sua paixão pela escrita. Raphael compartilhou detalhes de sua trajetória, como o hábito de sempre começar a desenvolver uma história pelo final. “É uma necessidade de escrever, de provocar as pessoas, provocar assuntos nelas”, explicou, destacando como os personagens são o meio pelo qual expressa sua visão de mundo.

Entre os muitos temas abordados, Raphael falou sobre sua experiência ao adaptar o caso Suzane von Richthofen para o cinema. “No início, não queria escrever sobre isso, mas fui convencido”, revelou. A ideia de criar dois filmes a partir de perspectivas diferentes surgiu justamente da diferença das versões do crime, algo que ele acredita ser essencial para explorar narrativas.

Quando questionado sobre conselhos para novos escritores, foi direto: “Leia muito e escreva muito. Muitos desistem porque simplesmente param de escrever.” Ele também falou sobre seu lado experimental, mencionando o desejo de dirigir um filme, escrever uma peça de teatro ou até se aventurar em histórias em quadrinhos.

Um momento particularmente especial foi quando ele compartilhou sua colaboração com Pedro Bandeira no livro Mágica Mortal. “Sempre quis escrever para o público juvenil, mas não sabia como”, confessou, agradecendo os conselhos do autor que o ajudaram a adaptar sua escrita para esse novo universo.

Raphael Montes e Fabiane – Foto: Acervo Pessoal

Após a roda de perguntas, em que a plateia teve a chance de interagir diretamente com o autor, veio a tão esperada sessão de autógrafos, onde todos, assim como eu, ficaram ansiosos e nervosos por conseguirem falar com o escritor. 

Dias depois do evento, conversando com Thamires Victória, de 21 anos, uma fã presente, ouvi sobre sua emoção ao finalmente conhecer Raphael Montes pessoalmente. “O atraso foi longo, mas ele foi tão atencioso e carinhoso que fez tudo valer a pena. Foi incrível vê-lo falar sobre como consegue transformar violência em ficção de um jeito tão cativante.” Ela também compartilhou como descobriu o evento de forma inesperada: “Vi o anúncio em uma TV de ônibus. Fiquei surpresa, mas decidi na hora que precisava ir.”

Bate-papo com Raphael Montes – Foto: Redes Sociais Raphael Montes

Ao sair do Sesc naquela noite, senti o peso de algo mais do que autógrafos e palavras. Raphael Montes não apenas compartilhou histórias, mas nos convidou a mergulhar em um universo onde o sombrio e o humano se encontram, provocando, inspirando e deixando uma marca que, com certeza, levaremos para além das páginas.

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