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“Quarto de despejo” completa 65 anos

O livro de Carolina Maria de Jesus, escrito a partir de sua vivência na favela, transformou a experiência da pobreza em literatura universal

Por Maria Clara Russini (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Há 65 anos, uma voz que vinha das margens da cidade de São Paulo ecoou pelo Brasil e pelo mundo. Em Quarto de despejo: diário de uma favelada, Carolina Maria de Jesus transformou em literatura e resistência as dores da fome e da exclusão, revelando um país que muitos preferiam não enxergar.

Nascida em 14 de março de 1914, na cidade de Sacramento, em Minas Gerais, em uma comunidade rural, Carolina era filha de uma família de lavradores e teve acesso à educação por apenas dois anos, consequência da situação financeira da família.

De 1923 a 1929, a família migrou para Lajeado (MG), Franca (SP) e Conquista (MG), até voltar definitivamente para Sacramento. Nessa cidade, Carolina e sua mãe, Maria Carolina de Jesus, foram detidas por alguns dias. Como Carolina sabia ler, as autoridades concluíram que ela praticava feitiçaria.

Em 1937, Carolina mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como empregada doméstica. Em 1948, passou a viver na favela do Canindé, onde nasceram seus três filhos. Para sobreviver e cuidar do sustento da família, recolhia papéis e recicláveis.

Em meio à dura realidade de sua comunidade, Carolina encontrava refúgio nos livros. Desde pequena, ela sempre amou a literatura, e sua escrita se tornou um grito de esperança, consequência desse amor.

Em 1950, publicou um poema em homenagem ao ex-presidente Getúlio Vargas, que fazia campanha eleitoral na época. O poema foi publicado no jornal O Defensor, conhecido naquele contexto histórico por apoiar a candidatura de Vargas, marcando a primeira vez que suas palavras chegaram à imprensa.

Em 1958, o jornalista Audálio Dantas conheceu Carolina durante uma visita à favela do Canindé, em busca de reportagens sobre a pobreza e as condições de vida precárias. Impressionado com o talento da autora e seus diários que relatavam a dura realidade da favela, decidiu apoiá-la na publicação de seu livro, que ocorreu em 1960.

Em 1960, Quarto de despejo: diário de uma favelada foi publicado e tornou-se um sucesso de vendas, sendo traduzido para vários idiomas e recebendo reconhecimento internacional. No mesmo ano, Carolina recebeu homenagens da Academia Paulista de Letras e da Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo, além de um título honorífico da Orden Caballero del Tornillo, na Argentina, em 1961.

Após o sucesso de Quarto de Despejo, Carolina se mudou da favela do Canindé para o bairro de Santana, na zona norte de São Paulo. Posteriormente, em 1969, mudou-se para Parelheiros, buscando um ambiente mais tranquilo para viver e escrever. Lá, continuou a escrever obras como Casa de Alvenaria (1961) e Pedaços de Fome (publicado postumamente em 1986), mas nenhuma delas alcançou o mesmo sucesso da estreia literária.

Em seus últimos anos, Carolina enfrentou dificuldades financeiras e passou a depender da venda de recicláveis para complementar sua renda. Apesar disso, manteve-se ativa intelectualmente, lendo jornais e cultivando um pequeno jardim em sua casa.

Carolina Maria de Jesus faleceu em 13 de fevereiro de 1977, aos 62 anos, em sua residência no distrito de Parelheiros, na cidade de São Paulo. A causa da morte foi insuficiência respiratória, agravada por sua asma crônica, problema de saúde que ela enfrentava desde jovem.

O legado de Carolina Maria de Jesus vai muito além de suas palavras impressas. Ao transformar seu cotidiano de pobreza e marginalização em literatura, ela deu voz a milhares de brasileiros invisibilizados, mostrando que a arte pode ser uma poderosa ferramenta de denúncia e resistência. Décadas após sua morte, suas obras continuam inspirando leitores, escritores e pesquisadores, lembrando que histórias como a dela não podem ser esquecidas.

“Eu sei que a minha vida é triste, mas eu escrevo para que os outros saibam a verdade.” – Carolina Maria de Jesus.

Foto- Divulgação

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