Dia do Folclore Brasileiro relembra tradição e resistência da cultura popular
Entre lendas ancestrais e mídias atuais, o folclore se comunica, se transforma e se mantém vivo
Por: Letícia Américo Camargo (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Celebrado internacionalmente, no dia 22 de agosto, o Dia do Folclore ganhou notoriedade em 1846, quando o escritor inglês William John Thoms, fez a junção de “folk” (povo/popular) com “lore” (cultura/saber), para definir os fenômenos culturais típicos das culturas populares tradicionais de cada nação.
No Brasil, a data foi oficializada em 1965, por meio de um decreto assinado pelo até então presidente militar Humberto de Alencar Castello Branco, criado, portanto, com o objetivo de garantir a preservação do acervo que forma o folclore brasileiro e incentivar os estudos na área.
Atualmente, o folclore brasileiro é um importante objeto de estudo nas ciências humanas, e sua importância é reforçada frequentemente nas escolas, sobretudo naquelas que trabalham com ensino infantil.
André Pacano, tem 33 anos, e trabalha como roteirista e escritor. Amante da cultura popular brasileira, ele ressalta que, diferente do que se imagina, o conceito não é coisa de criança, e não deve ser restrito ao universo escolar.
Na verdade, folclore são todas as tradições culturais que são passadas adiante, como a festa junina, também conhecida por festa de São João, assim como o Bumba Meu Boi, um festival famoso do Norte do país; são formas de manifestações do folclore brasileiro. Há também as superstições, não deixar o chinelo virado para cima, ou, se deixarmos a vassoura atrás da porta, não recebemos visitas, tudo isso, faz parte da cultura folclórica.
Para Pacano, as escolas são um marco de valorização cultural. “Costumamos associar folclore a histórias infantis justamente porque a escola é a única entidade que ainda valoriza essa tradição cultural. E é graças a elas, que ainda mantemos vivo esse imaginário popular”, comenta.
O autor ainda ressalta, que as tradições ajudam a preservar a memória coletiva e transmitir valores entre gerações. “O folclore é resultado da própria história do Brasil, marcada por genocídio indígena, escravidão africana e pela influência dos jesuítas. Ele carrega essa diversidade e contradição, refletindo como nossa cultura foi formada, transformada e resistiu ao longo do tempo”, afirma.

Outro aspecto relevante, é a Folkcomunicação, uma teoria brasileira criada por Luiz Beltrão, que investiga a comunicação popular e o papel do folclore na circulação de informações em meios de comunicação de massa.
Considerada única no país, a teoria mostra como comunidades marginalizadas encontram formas próprias de expressar ideias, conhecimentos e anseios. Influenciado por estudos de Lazarsfeld, Beltrão defendia que a comunicação padrão de massa não chega às comunidades mais afastadas, e que essas comunidades têm suas próprias maneiras de se comunicar.
Thífani Postali, de 43 anos, é Doutora em Multimeios pela Unicamp, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Uniso e Diretora Científica da Rede Folkcom. Ela explica que assim como as outras teorias da comunicação, a Folkcomunicação não é conhecida fora do meio acadêmico por serem de maior interesse dos estudiosos e pesquisadores. Porém, ela ressalta que desde 1998, existe uma rede, chamada Rede Folkcom, que possui mais de 100 pesquisadores dedicados a estudar o tema em diversas regiões do país, e até mesmo fora dele. Academicamente ela também não é tão conhecida porque ela sofre certo preconceito dentro da própria academia. “A folkcomunicação se debruça sobre formas de comunicação que não são as dominantes, mas que pulsam nas periferias e comunidades populares. Luís Beltrão já apontava a importância de olhar além das teorias europeias e estadunidenses, valorizando práticas como o jornal comunitário, a rádio local ou a música que traduz a realidade daquele povo. São comunicações feitas a partir das necessidades específicas da comunidade e que revelam o que muitas vezes a grande mídia não alcança”, ressalta Thífani.

Andriolli Costa é um pesquisador sul-mato-grossense, de 35 anos, que atua como professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ e professor colaborador do PPG em Museologia da UFBA. Ele é doutor em Comunicação pela UFBA, mestre em Jornalismo pela UFSC e fez pós-doutorado em Crítica Cultural na UNEB. Atualmente ele é presidente da Rede Folkcom e coordenador do Lunar, o Laboratório de Podcasts Narrativos da Uerj.
Uma das principais vozes a falar sobre a cultura Folk, Andriolli acredita que o folclore pode atuar como resistência cultural frente às pressões do consumo e da padronização cultural. “A grande potência da Folkcomunicação está em entender o folclore como resistência das classes populares. Diante da exclusão dos meios hegemônicos de produção e circulação cultural, essas comunidades encontram no folclore estratégias para comunicar, compartilhar narrativas e manter saberes vivos. Seja nas formas tradicionais, seja em adaptações atuais, como benzedeiras no TikTok ou receitas típicas no Instagram. Ela nos mostra que essas práticas são, antes de tudo, modos de resistência”, afirma.

Diante da importância de manter viva a cultura popular brasileira, André Pacano dá andamento em seu mais novo projeto literário, que promete trazer o folclore para o centro de uma saga épica contemporânea. “A Lenda: A Origem dos Guardiões” é o primeiro volume de uma saga épica inspirada no folclore brasileiro. Nela, Saci, Curupira e Iara se unem como guardiões da natureza, cada um representando os elementos ar, terra e água, em uma luta contra forças que ameaçam o equilíbrio do planeta. A narrativa mistura ação, magia e aventura, enquanto metáforas sobre as crises ambientais, como queimadas e aquecimento global, se entrelaçam com lendas ancestrais e cenários que percorrem biomas e regiões do Brasil.
A obra foi contemplada pelo PROAC, programa de incentivo à cultura do Estado de São Paulo, e terá seu lançamento previsto para outubro. O evento promete celebrar não apenas a literatura fantástica, mas também a valorização do folclore e da cultura brasileira. Além de São Paulo, o autor planeja encontros em cidades como São Miguel, Itapetininga e Sorocaba, ampliando o alcance dessa saga que une mitologia, história, geografia e reflexões atuais sobre a preservação ambiental.