Guia para jornalistas reforça a importância da abordagem cuidadosa sobre suicídio
A cartilha busca orientar jornalistas na cobertura responsável sobre suicídio e o documento traz recomendações para evitar estigmas e o cuidado com a saúde mental
Por Rafaela Sallum (Agência Focas – Jornalismo Uniso)
A cartilha “Suicídio de Jovem na Mídia” tem como objetivo ser um manual para profissionais da comunicação e da educação para lidar com situações extremas. Segundo a cartilha, mesmo que os casos estejam em queda, o boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em 2024 mostra que houve aumento das notificações de suicídio em todas as faixas etárias, desde crianças de 10 anos até idosos com mais de 60 anos. O texto indica ainda que o crescimento mais acelerado é observado entre jovens de 20 a 29 anos e também entre crianças e adolescentes de 10 e 19 anos.
O tema aparece na mídia, especialmente na imprensa, de formas variadas, mas em muitos casos o suicídio é tratado de forma sensacionalista. Disso também decorre a relevância da cartilha, como opina a psicóloga Cristina Maria D’Antona Bachert. “Acredito que esse material ajuda tanto a balizar e como abordar o tema, ajuda em como discutir como sociedade sobre o suicídio e a questão de valorização da vida para que as pessoas que se sintam fragilizadas saibam onde devem encontrar ajuda.”
O Setembro Amarelo é uma campanha mundialmente conhecida pela prevenção ao suicídio. Essa campanha teve início em 1994 nos EUA, quando um adolescente de apenas 17 anos tirou a própria vida. O jovem era apaixonado por carros e restaurou um Mustang 1968 da cor amarela. Em seu velório, amigos e familiares distribuíram cartões com fitas amarelas e mensagens de apoio para pessoas que estivessem passando por problemas emocionais ou alguma dificuldade, dando início ao movimento. A fita amarela passou a ser um símbolo internacional de prevenção ao suicídio. Em 2003, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou o dia 10 de setembro como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio).
No Brasil, o Setembro Amarelo foi adotado oficialmente em 2015 com a parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Centro de Valorização à Vida (CVV).
A cartilha criada para jornalistas mostra o cuidado que os profissionais de comunicação devem ter ao noticiar suicídio e o modo de lidar com essas situações. Segundo a psicóloga Cristina é essencial ter responsabilidade com essa divulgação e enfatizar sempre que existem campanhas sobre saúde mental, serviços gratuitos em UBS (Unidade Básica de Saúde) e formas de se buscar cuidado profissional quando necessário. “O que temos que trabalhar não é com o momento da tentativa de suicídio, mas sim com quais pontos devemos olhar para reconhecer uma rede de apoio próxima, alguém de confiança para recorrer e pedir ajuda ou serviços básicos como CVV e UBS e olhar para a prevenção e não para a situação que chegou num ponto extremo que é a morte, então temos que trabalhar pela vida e valorizar as possibilidades de estarmos aqui”, afirma.
As indicações da cartilha sugerem aos profissionais da comunicação ter extremo cuidado ao usar as palavras, incluindo a forma como divulgar a idade de pessoas envolvidas em histórias sobre suicídio e como passar a informação adiante. Na visão da Terapeuta Ocupacional Gabriela Wueslainy Rocha Trindade Faria, 31 anos, que trabalha no CAPS 1 de Taquarituba, interior de São Paulo, a cartilha “Suicídio do Jovem na Mídia” se faz muito necessária para jornalistas, pois guia os profissionais a uma abordagem responsável e cuidadosa ao divulgar notícias de suicídio e como preservar a identidade dos envolvidos, evitar nomes, métodos, e acima de tudo respeitar a individualidade de cada um e agir de forma ética e responsável.
Na cartilha, sugere-se ainda que ao realizar uma dinâmica para fomentar a discussão sobre o assunto, é essencial levar em conta a faixa etária do grupo de pessoas participantes. Nas escolas, por exemplo, é fundamental ouvir os alunos e demonstrar acolhimento para que quando o tema vir à tona eles tenham alguém a quem recorrer. Já para o público adolescente e adulto, pode-se utilizar, de forma cuidadosa, referências da indústria cultural, para questionar mitos e preconceitos que afetam pessoas em situação de vulnerabilidade e distanciamento social, promovendo reflexão crítica e sensível.
Por muitos anos existiu um estigma em torno da saúde mental e a busca por ajuda de profissionais da psicologia era entendida como algo de pessoas loucas. Embora um tanto ultrapassado, esse pensamento ainda encontra espaço e torna mais difícil para algumas pessoas procurar ajuda. “A pessoa que busca ajuda é a pessoa que tem uma condição de saúde muito fortalecida a ponto de que ela está tão preocupada com ela que quer se proteger”, defende Cristina.
O centro de atendimento psicossocial (CAPS) atende pacientes com transtornos mentais graves ou sofrimento agudo mental e persistente, não apenas quadros depressivos, mas também ansiedade, esquizofrenia, TDAH e outros. A equipe do CAPS, muitas vezes, é multidisciplinar e possui profissionais de várias áreas como psiquiatra, terapia ocupacional, fonoaudiologia, educação física, entre outras.
Isabella de Fátima Batista Krauss, 33 anos, psicóloga e docente na Uniso, atua no Caps-ij de Votorantim, também no interior de São Paulo, e acredita que ter o olhar de vários profissionais no Centro faz toda a diferença durante o processo de atendimento aos pacientes, pois as opiniões se complementam. “Acredito que a equipe multidisciplinar é fundamental para o trabalho em saúde mental porque um complementa o trabalho do outro. Por exemplo, às vezes, o olhar do terapeuta ocupacional é diferente do olhar do psicólogo, porque são formações diferentes, que olham para aspectos diferentes do indivíduo. Se formos pensar que o ser humano é um ser complexo, biopsicossocial, faz muito sentido que a gente tente ter o olhar mais abrangente possível desse ser humano. Assim como da saúde mental. Saúde mental não se produz apenas com remédio ou apenas com terapia, mas também com atividade física, com relações sociais saudáveis, com ambientes de trabalho seguros, com pertencimento na sociedade e assim vai. Então vejo que essa complementaridade dos conhecimentos é fundamental para compreender e intervir no sofrimento psíquico.”
Há um dilema sempre em como abordar o assunto para evitar gatilhos. Para Isabella, falta informação ao tratar de assuntos como esse. “Acho que o maior erro que a gente vê nesse sentido é a desinformação e a falta de jeito para tratar esse tema. Muitas pessoas querem ajudar, mas acabam fazendo de forma equivocada. Hoje o recomendado é que a gente pare de falar sobre o suicídio e foque no cuidado com a saúde mental, bem estar e valorização da vida.” A psicóloga entende o quão delicado é para os profissionais lidar com essas situações e considera que as cartilhas orientam não só jornalistas e educadores, mas ajudam a sociedade de modo geral.
O estigma em torno do CAPS
Atualmente ainda é muito comum os estigmas em torno da saúde mental e do atendimento oferecido pelo CAPS. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) passou a ser motivo de piadas e memes na internet. Para a terapeuta ocupacional Gabriela Wueslainy Rocha Trindade Faria, 31 anos, ampliar o acesso à informação é fundamental e isso pode ser feito através de palestras e rodas de conversas em parceria com outros serviços assistenciais a fim de informar não só a população, mas também a rede intersetorial responsável pelas demandas sociais da cidade. Com esses espaços é possível apresentar à sociedade quantas pessoas são atendidas pelo CAPS, o perfil diverso do público e os serviços que são oferecidos à população. “O CAPS deve ser entendido como um meio de cuidado e reinserção social, e não como um local de permanência ou ‘depósito de pessoas’, como muitas vezes é visto pela sociedade”, completa Gabriela. Esse trabalho pode ser realizado com participações ao longo do ano em escolas, eventos comunitários e demais serviços de convivência, tornando o acesso à informação mais fácil e contribuindo para desconstruir estigmas e estereótipos que ainda persistem, mesmo após os avanços trazidos pela reforma psiquiátrica.
Ao orientar jornalistas sobre como fazer uma cobertura ética e responsável, a cartilha “Suicídio de Jovens na Mídia” complementa a atuação de quem atua na linha de frente, nos trabalhos realizados pelo CAPS. “Os jornalistas devem ouvir todas as versões, respeitar a individualidade de cada caso e tratar a informação de forma responsável, sem transformar a situação em dado estatístico ou espetáculo. É importante fornecer contexto adequado e informações que não causem culpabilização nem reforcem estigmas, promovendo cobertura ética e cuidadosa”, conclui Gabriela.
Serviço
Em caso de emergências, procure o serviço de atendimento mais próximo ou ligue para o CVV no número 188.
Acesse a cartilha para jornalistas:
file:///C:/Users/Rafaela/Downloads/Cartilha%20Juventude%20Suici%CC%81dio%20compactada%20(4).pdf



