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O jornalismo frustrado em Setembro 5

O filme Setembro 5, de 2024, escolhe um foco muito específico de um acontecimento histórico: os jornalistas da ABC que cobriam as Olimpíadas de Munique de 1972 e, de repente, se viram na missão de cobrir ao vivo um sequestro de membros da delegação de Israel por guerrilheiros palestinos. Com esse foco reduzido, temos uma visão do todo. O cenário é, basicamente, a sala de transmissão e edição da emissora estadunidense, a única que tinha estrutura para exibir os Jogos ao vivo. Essa escolha narrativa é um deleite para qualquer pessoa que estude ou trabalhe com jornalismo, pois estão postos ali, naquele 5 de setembro de 1972, vários desafios da profissão, que são, sobretudo, de duas ordens: logística e ética.

O desafio logístico consiste em problemas de ordem prática. Os jornalistas precisam deslocar câmeras, fitas de filme e demais equipamentos para pontos estratégicos da Vila Olímpica para filmar o apartamento da delegação israelense e poder transmitir as negociações. O que é interessante de se observar nas soluções encontradas para os problemas é que elas invariavelmente envolvem a necessidade de raciocínio rápido e improvisos.

O outro desafio, muito mais sério, é o ético. Esses jornalistas esportivos, se vendo de repente na necessidade de cobrir um evento político complexo, precisam tomar decisões difíceis com muita rapidez, a começar pelo mais básico: como se referir aos sequestradores? Chamá-los de “terroristas” já é, em si, um posicionamento político, que pode colocar esses jornalistas mais ao lado de Israel do que da Palestina, por exemplo. Além disso, entra uma questão inerente ao jornalismo feito ao vivo: quem está assistindo? Os jornalistas da ABC não se dão conta de que, ao transmitir uma operação da polícia para tentar invadir o apartamento e resgatar os reféns, eles estão exibindo para os próprios sequestradores o desenrolar da operação, pois eles também estão assistindo à transmissão. Obviamente, isso faz com que a operação não dê certo, o que atrasa as negociações para a libertação dos reféns.

Além disso, há dilemas sobre se há confirmação de determinadas informações antes de passá-las para o público, o que mexe também em uma questão ética, porque, ao esperar uma certeza para dar uma notícia, outra emissora pode “dar o furo” primeiro. Em dado momento do filme, um dos jornalistas precisa lembrar seu colega de que aquilo não se trata de uma competição, mas de vidas humanas. São casos extremos como esse de Munique que lembram o jornalista do que é realmente importante em seu ofício: não a sensação, mas o respeito; não o burocrático, mas o humano. Acima de todas as questões, a ética.

O desfecho trágico do sequestro também traz um aprendizado sobre a muitas vezes inevitável impotência do jornalista. Informar não dá garantia de que as coisas vão dar certo, ou sequer de que vão mudar. Conflitos como o desse sequestro são complexos demais, envolvem outras profissões, política e muitos seres humanos. Isso faz com que, mesmo fazendo um bom trabalho, o jornalista chegue ao fim do dia de trabalho arrasado com o desenrolar dos eventos. Uma cobertura histórica nem sempre significa a glória. No caso de Munique, o gosto é amargo. Nosso ofício tem desses amargores, e é necessário para o jornalista perceber que, mesmo assim, nosso trabalho é importante.

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