A violência na mídia: o que move esse cenário?
É grande o número de casos de violência que vemos na mídia todos os dias. Seja uma vítima de bala perdida, uma mulher assassinada pelo ex-companheiro, uma família feita refém durante um assalto. Tornou-se rotina e em partes, hábito, assistirmos aos noticiários cientes que em algum trecho dele, estará presente esse tipo de conteúdo. Em um tempo onde a violência tem se intensificado e se tornado cada vez mais acessível às redações, é inevitável que essas publicações tornem-se evidência e preencham maior espaço nas edições.
Lembro-me que logo que ingressei na área do jornalismo, ainda como estagiária, meu chefe de redação me disse que “qualquer notícia envolvendo criança e ‘velho’ valia a pena, dava audiência”. Para alguém que ainda não tinha qualquer critério de noticiabilidade estabelecido, fazer daquelas palavras as minhas me pareceu uma boa ideia. Embora essa visão pareça pessoal e específica, é ela que alimenta a grande maioria dos veículos. Uma criança, um idoso, assim como outros tipos singulares de personagens, desencadeia no público empatia e uma sensibilidade ainda mais notória. Foi essa simples frase dita por um profissional, sem nenhuma pretensão, que me fez enxergar que o jornalismo não se resume apenas em noticiar acontecimentos, há muitos outros aspectos com os quais se preocupar.
Diante dessa reflexão, escolhi falar sobre um dos casos de violência mais cruéis e singulares já noticiados, o do menino João Hélio. O garoto de apenas seis anos morreu durante um assalto, após não conseguir desprender-se do cinto de segurança, do carro da família. Mesmo cientes da situação, os suspeitos arrastaram a criança do lado de fora do veículo, por pelo menos sete quilômetros, até que parassem e fugissem a pé. A vítima estava com a mãe, a irmã e uma amiga da família, que conseguiram escapar. Por um equipamento de segurança, João não teve o mesmo destino. O assassinato ocorreu no Rio de Janeiro, em 7 de fevereiro de 2007.
João era vulnerável, vítima da violência e principalmente, criança. As redações estavam cheias de pautas sobre o caso, qualquer detalhe era um “trunfo”, em meio às informações ainda superficiais, dadas pela Polícia Civil. Me recordo de, aos onze anos de idade, abrir uma edição especial da revista Veja falando sobre o crime. Em um dos relatos, uma das testemunhas do caso contou ao veículo que viu o momento em o crânio do menino chocou-se contra a guia de uma das ruas e o sangue de João foi derramado. Palavras perturbadoras e invasivas para muitos, mas aprovada pela edição, em busca de uma cobertura mais aprofundada e detalhista. Qual seria o limite entre a exposição da verdade e o sensacionalismo?
Em busca de expressar a dor dos pais do menino, o jornalista Zeca Camargo, então apresentador do programa Fantástico, da Rede Globo, usa o termo “ainda muito abalados”, antes que uma entrevista com os mesmos seja transmitida para milhares de lares brasileiros, quatro dias após o crime. A condutora da matéria é a apresentadora Fátima Bernardes. Logo na primeira cena, ela abraça a mãe de João, que está desolada. As primeiras palavras da genitora? “Muito obrigada por vocês terem vindo.”
Trêmula, com os olhos visivelmente inchados, segurando e olhando incessantemente uma foto do filho, a mãe responde com dificuldade às perguntas da repórter. As lágrimas da entrevistada não escorrem, porque já lhe faltam. O pai chora lembrando de um desenho feito pela criança, pouco tempo antes de ser assassinada. Quanto maior a demonstração de abatimento, maior é o zoom dado pelo cinegrafista no rosto do casal.
A superexposição diante da família de João Hélio, assim como tantas outras, mostra que diferente do que foi dito, não é a “criança e o velho” que vendem, mas sim, a dor. Informar não é mais o suficiente dentro das redações. Em busca de público, a sensibilidade do receptor precisa ser aflorada a cada publicação. É na violência que encontra-se um dos resultados mais significantes quanto à comoção do receptor, mesmo que exteriorizada na tristeza e na revolta. Por mais dolorido que seja dizer isso, a casa da audiência tornou-se o choro de uma mãe, a morte de um filho, o sangue derramado… E é neste mesmo lar que a mídia almeja morar, por mais caro que seja o custo de locação.
Texto: Júlia Lippi