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O movimento fansub: a íntima relação entre a pirataria e o consumo de animações japonesas

Imagine mundos em que você pode ser o que quiser: um alquimista, o ninja mais poderoso da sua vila, o rei dos piratas ou, quem sabe, um treinador de monstros colecionáveis. Muitos têm se apaixonado pelo universo fantástico dos anime, como são chamadas as animações do Japão, que reúnem fãs de todas as idades em todos os cantos do mundo. Nesse curioso universo, os brasileiros que se identificam como otaku — como são normalmente chamados os fãs de anime — encontram material especializado com muita facilidade por meio dos serviços de streaming. Mas nem sempre foi assim. Nas décadas de 80 ou 90, era difícil ter acesso a uma grande diversidade desse tipo de conteúdo, já que a TV era praticamente a única opção.

Foi a extinta TV Manchete que, no começo, trouxe os anime para a TV aberta, fazendo com que ganhassem fama pelo Brasil. O ponto alto da programação da emissora girava em torno dos desenhos animados, fossem americanos ou japoneses. Uma febre na época foi o anime Cavaleiros do Zodíaco (Saint-Seiya). Com as músicas e as vendas de action figures — bonecos que representam um personagem, geralmente colecionáveis — Seiya e sua turma foram a porta de entrada para um grande público. É o caso de Fred Oliveira, hoje com 30 anos, criador do canal Anime Whatever, com mais de 1 milhão de escritos no YouTube.
“Sou da famosa ‘Geração Manchete’”, Oliveira conta. “Nessa época, os anime estavam em todos os programas infantis, de todas as TVs abertas. Não importava se você era um nerd ou um aluno do fundão. Todos assistiam anime, pois eram os desenhos que de fato chamavam atenção. Falei ‘desenhos’, porque, até então, era como todos chamavam. Não foi uma escolha, como é hoje com a internet, em que a criança ou o adolescente simplesmente escolhe o que quer assistir. Foi algo natural e todos que nasceram na época consumiam anime diariamente.”
Com a melhoria da qualidade de banda da internet brasileira, além de assistir as animações, os fãs começaram a buscar na internet a variedade que a TV não disponibilizava. A alternativa surgiu por meio dos fansubs, episódios legendados por fãs para fãs, disponibilizados de forma gratuita em sites clandestinos, uma herança dos primeiros fansubs que surgiram nos Estados Unidos, ainda em VHS. Os episódios eram compartilhados diretamente do Japão, por quem tinha acesso, e legendados pelos próprios fãs, sem fins lucrativos. Muitas vezes, o objetivo era divulgar uma diversidade maior de títulos, com a intenção de forçar as distribuidoras brasileiras a adquirir os direitos de transmissão das obras. Porém, isso não se confirmou, já que, muitas TVs abertas acabaram com a programação de desenhos em sua grade, o que fez a procura desse conteúdo aumentar na web.
Como um dos fãs ativos no período, Oliveira confirma a importância que os sites piratas tiveram para formar um grande mercado de admiradores: “Sem o movimento fansub, sequer existiriam os otaku como existem hoje. Sem eles, a cultura pop japonesa morreria com o fim dos anime na TV aberta, deixando espaço apenas para os anime infantis que a TV fechada continuou a trazer, como, por exemplo, Pokémon, Beyblade e Yo-Kai Watch. Mas, graças aos fansubs, essa massa de fãs de anime foi criada e, assim, os serviços oficiais passaram a existir”.
A legalidade dos serviços de fansub começou a ser questionada quando os sites dedicados à prática passaram a ganhar dinheiro com a exibição pirateada dos anime, sem adquirir os direitos autorais de maneira legal, mas monetizando a partir de anúncios e até mesmo oferecendo áreas VIP.
A discussão sobre os prejuízos da pirataria online ganharam ainda mais força depois da divulgação dos dados do MAG Project (Manga-Anime Guardians Project), uma campanha de conscientização sobre a pirataria, que divulgou uma estimativa dos prejuízos causados, que chegam perto dos US$ 20 bilhões. A campanha mostrou que o acesso dos fãs ao material pirateado na internet prejudica a indústria otaku, pois as editoras de mangá e as produtoras de anime, com esse desfalque no seu orçamento, deixam de financiar novos autores e obras inéditas. Os dados foram apresentados como parte da tese “Poppu Karuchaa: Mediações da cultura pop nipo-brasileira no cenário digital”, de Mariany Tomirayama Nakamura, defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 2018.
O argumento dos fãs para recorrer à pirataria pode ser dos mais variados, desde a facilidade e a diversidade de títulos até a falta de condição para pagar pelos serviços oficias. Uma reclamação de parte dos fãs brasileiros é em relação ao contrato de exclusividade que os serviços de streaming têm com as produtoras. É o exemplo dos animes The Seven Deadly Sins(Os Sete Pecados Capitais), da Netflix, e Attack on Titan (Ataque dos Titãs), da Crunchyroll, ambos com contrato de exclusividade, obrigando os fãs escolher entre os dois, se não tiverem dinheiro para assinar ambas as plataformas. Assim, muitos espectadores recorrem à pirataria para assistir a uma ou outra série de maneira pirateada. Outra explicação é que nem todos os meios oficiais no Brasil têm em seu catálogo todos os anime da temporada, seja por pouca relevância ou por problemas em negociar com as produtoras. As fansubs seriam assim, o único jeito de acompanhar os lançamentos diretamente do Japão.
Ele, que no Brasil também é um autor pioneiro do gênero ligth novel — como são chamados os livros japoneses para jovens adultos —, diz que tenta analisar as diferentes opiniões sobre o assunto. “Sempre gostei de enxergar os pontos positivos dos dois lados. Imagine se meu livro é pirateado e se torna um sucesso em massa. Acho que seria mais vantajoso ainda, não concorda? Na minha época, só consumia produtos originais quem era rico. Atualmente os valores são super acessíveis. Nós temos Netflix, Crunchyroll, Amazon Prime, Spotify… Então incentivo sempre o acesso por meios oficiais, mas, sem a fansub, ainda ficaríamos sem um acervo enorme de animes aqui no Brasil.”
Para combater a pirataria online, a plataforma de streamingCrunchyroll, especializada em anime, disponibiliza títulos do seu catálogo de forma gratuita, desde que o usuário espere uma semana a mais e se disponha a assistir algumas propagandas no meio dos episódios, como ocorre em outras plataformas de vídeos. Além de possibilitar que os fãs assistam da maneira correta, a visualização de maneira legal ajuda tanto na divulgação quanto na criação de novas obras.
Agência Focs / Jornalismo Uniso

Texto: Vinicius Lara

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