Devo contar ao meu filho que ele foi adotado?
Diferentemente de muitas outras pessoas que descobrem que foram adotadas e se lembram desse momento para a vida inteira, eu não tive uma ocasião em particular que possa ser associada à descoberta. Não houve aquele momento em que a minha mãe me chamou para conversar e disse: “Stéfanie, você foi adotada”; pelo contrário: em casa, esse sempre foi um assunto tratado com muita naturalidade. Eu me recordo de muitas vezes em que ouvi a minha mãe falando que eu era sua “filha do coração”. Sempre achei muito lindo ouvi-la dizendo isso; eram palavras que me traziam paz, felicidade e orgulho.
É claro que nem sempre as coisas são assim. Para muita gente, a adoção ainda pode ser um assunto bastante complicado. Segundo o psicólogo Pedro Luiz Ferreira, é natural que os pais sejam levados a adiar a conversa por receio da reação da criança, mas o mais indicado é que o assunto não seja tratado como um segredo. “A descoberta da adoção em uma idade avançada pode gerar um sentimento de desconfiança em relação aos retentores desse conhecimento, que foi privado da pessoa adotada. É comum que a suspeita de haver uma história de adoção na família influencie nos comportamentos da criança e nas dinâmicas familiares, por mais inconsciente que isso seja. A criança pode apresentar sintomas de insegurança, um desenvolvimento deficitário da sua autonomia, ou ainda uma atenção acentuada às conversas entre os pais, por exemplo. É por isso que o indicado é não tratar a adoção como um segredo, como é muito comum, mas tratar do assunto o quanto antes, como parte da história da criança.”
Como fazê-lo, então? O psicólogo sugere fotos e filmes como gatilhos para introduzir o tópico numa conversa com naturalidade. “Fotos são uma ferramenta interessante para produzir esse resgate da história. Ver álbuns juntos é uma ótima forma de construir em conjunto as memórias da criança”, ele diz. Além disso, filmes ou livros relacionados ao tema adoção podem ajudar a dar início ao diálogo.
Conflitos e como abordá-los
Em minha casa, a adoção em si nunca foi um tabu. Recordo-me, por exemplo, de uma experiência emocionante que tive durante a minha infância, quando meus pais me levaram para conhecer um abrigo de crianças. Nesse dia, uma menina de uns cinco ou seis anos me tomou pelas mãos e me pediu para levá-la para casa, prometendo que iria se comportar. Eu nem idade tinha ainda para adotar, mas já me senti impotente por não poder levá-la comigo — e, ao mesmo tempo, agradecida pela família que me adotou numa situação análoga.
Esse é um exemplo de situações que podem gerar conflito, das quais não podemos estar totalmente livres. Nesses casos, as crianças podem se beneficiar se o tratamento psicológico for uma opção disponível. “Uma criança adotada e ciente da sua adoção poderá apresentar conflitos relacionados a essa condição, além de possuir diversos questionamentos associados ao seu propósito de vida ou em relação ao seu propósito na vida dos pais”, diz o psicólogo. Por outro lado, ele reforça que todas as crianças — não somente aquelas que passaram por um processo de adoção — podem se beneficiar de um tratamento psicológico.
Outra questão que pode tirar o sono de muitos pais é a vontade da criança de conhecer a sua família biológica. Para o psicólogo, essa sim é uma questão que deve ser abordada com cautela: “O desejo de conhecer a família biológica é um tópico complexo. Portanto, em primeiro lugar, é preciso entender qual é a motivação que sustenta esse desejo. Por um lado, é obrigação dos pais proteger a criança das outras pessoas e de si mesma; nesse sentido, é necessário avaliar os fatores de risco que podem estar envolvidos na relação com a família biológica e, além disso, avaliar a capacidade da criança de lidar com situações emocionalmente estressantes ou desestabilizadoras.” O assunto pode ser complicado, também, para os pais, que podem entender a vontade da criança como o reconhecimento de uma falha em seus papéis de cuidadores, quando, na verdade, esse desejo em si deve ser compreendido como algo natural.
Para futuros papais e mamães que pensam em adotar, Ferreira adverte que a adoção é um processo que compreende uma série de etapas, que procuram não só avaliar os adotantes mas também orientá-los. Um ponto-chave é ter abertura para discutir a questão com o(a) parceiro(a), se for o caso. “Antes de assumir o encargo psicológico desse processo, é importante que os parceiros consigam conversar sobre as suas expectativas, as suas limitações e, principalmente, sobre os seus desejos para o futuro. Nesse sentido, essa conversa deve vir com a abertura para escutar os medos, as inseguranças e as objeções que o outro pode ter em relação a uma decisão tão importante”, ele recomenda.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto e imagem: Stéfanie Ercolin