Lideranças do Movimento Negro são homenageadas em Sorocaba
Evento, realizado por meio de parceria entre o Movimento Negro Unificado e o Instituto de Gestão Social e Cidadania (IGESC), serviu como exemplo da importância de ações afirmativas realizadas por lideranças políticas, comunitárias, religiosas, culturais e educacionais
Por Rafael Filho (Agência Focs – Jornalismo Uniso)
“Nós geralmente damos reconhecimento para as pessoas depois que elas morrem. Muitas vezes bem depois de sua morte. Receber isso em vida é uma emoção muito grande”. Com essa fala, Ademir de Barros, um dos homenageados da noite, abriu seu discurso. Ademir é integrante do Nucab (Núcleo de Cultura Afro-Brasileira de Sorocaba) e doutor em educação.
O intuito da celebração, segundo a organização, foi reconhecer a “trajetória de luta de cada um” e as contribuições que essas lideranças negras deram, ao longo de suas jornadas, para a “construção de uma sociedade menos desigual e mais justa”. Por isso, os homenageados foram pessoas que atuam de acordo com os princípios de Formação, Convivência, Ação e Transformação, os mesmos que orientam as instituições organizadoras.
De acordo com a psicopedagoga e militante negra desde 1980 Lourdes Lieje, a ideia do evento surgiu da necessidade de uma reparação. “Nós precisamos ter reconhecimento em vida. É importante nos lembrarmos daquelas pessoas que já se foram, mas das que estão hoje e que fazem a história da cidade também. A fala da Vanda nos faz perceber que somos realmente apagados pela história e esse apagamento não pode mais acontecer.”
Saúde, uma área ainda desvalorizada
Vanda Lopes de Oliveira Pereira iniciou sua carreira em 1967 como auxiliar de enfermagem, ela enfrentou o desafio diário de viajar de Sorocaba/SP a Mogi das Cruzes/SP para concluir sua graduação em Enfermagem. Chegou ao cargo de diretora do hospital Santa Lucinda, um dos mais conhecidos de Sorocaba/SP, função que ocupou por 40 anos. Após a aposentadoria, sua paixão pelo ensino a levou a compartilhar seus conhecimentos com as novas gerações, atuando como professora no Projeto FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) em Sorocaba/SP. Vanda foi responsável por uma das falas mais impactantes da noite: “eu sou uma mulher negra e pertenço a uma área esquecida, a enfermagem. Jamais imaginei em minha vida que receberia um reconhecimento como este.”
A importância da saúde mental
Reconhecida pelos seus trabalhos de pesquisa e defesa da saúde mental de pessoas pretas e trans, Ruca Maria é uma mulher preta e trans, administradora por formação e dançaria por vocação. Ao receber a premiação ela afirmou que a saúde mental é necessária para todas as pessoas. “Quando a gente fala de problemas estruturais, do racismo na cidade, é preciso falar também de um grande câncer que é a exclusão da saúde mental da população preta”, aponta Ruca Maria. Para ela, a população preta não tem mais que “fazer 300% para ser reconhecido como igual. Ela tem que fazer o que realmente faz sentido para si” e isso só será possível se as pessoas se autoconhecerem.
Políticas públicas para o acesso à leitura
Homenageada pelo seu trabalho na área da literatura, Ariani Teodoro é fã de livros e clubes de leitura, curadora do Cine por elas (um projeto que combina literatura e cinema) e idealizadora da página @ari_entrelinhas no Instagram, onde escreve majoritariamente sobre literatura negra e feminina. Para ela, ganhar um prêmio em vida é extremamente importante porque as maiores lideranças negras foram reconhecidas muito depois da sua morte. “Vide Carolina Maria de Jesus que hoje é um grande ícone, que todo mundo fala, que foi traduzida para mais de 13 idiomas e não teve o reconhecimento que ela merecia em vida.” De acordo com Ariani, o segredo para que mais pessoas tenham acesso à literatura, está no investimento em políticas públicas. “O livro no Brasil é caro e são poucas as pessoas que acessam bibliotecas também, a gente tem as bibliotecas comunitárias que muitas vezes são fruto das próprias pessoas que estão na comunidade. Mas as políticas públicas precisam ser incentivadas para que a literatura chegue para todos.”
O Movimento Negro Unificado
O é uma organização que surgiu no fim dos anos 1970 com o objetivo de lutar contra o racismo na sociedade brasileira. Ele foi criado em um contexto de efervescência racial, marcado por uma série de episódios discriminatórios em São Paulo. Suas lutas renderam resultados como por exemplo:
- Proclamação do Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro.
- Proibição da discriminação racial na Constituição Federal de 1988.
- Criação da Lei Caó, de 1989, que tipifica o crime de racismo no código penal.
Conforme documento fornecido pela organização, o MNU se formou em meio a um ambiente de repressão durante a ditadura civil-militar, especialmente após a promulgação do AI-5. Neste período, manifestações eram fortemente reprimidas, e o movimento negro tornou-se uma força fundamental na contestação ao governo de Ernesto Geisel. Os jovens militantes, inspirados por eventos como a proibição de quatro jovens negros de usar a piscina do Clube de Regatas Tietê e a morte do trabalhador Nilton Lourenço, uniram-se a outros grupos organizados em partidos de esquerda para formar o MNU.
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