A desvalorização do profissional jornalista: desafios e resistência na carreira
Com baixos salários, falta de segurança e a crescente precarização do trabalho, os jornalistas enfrentam um cenário cada vez mais adverso. Profissionais e especialistas comentam a crise e apontam possíveis saídas
Por Jean Camargo (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Em um contexto de crescente precarização das condições de trabalho, os jornalistas enfrentam uma das maiores crises da profissão nas últimas décadas. Com salários cada vez mais baixos, contratos temporários, maior acúmulo de funções e a ausência de direitos trabalhistas básicos, muitos profissionais encontram-se em um cenário de desvalorização, o que ameaça a qualidade da informação e a própria sobrevivência do jornalismo.
Nos últimos anos, a profissão passou por transformações profundas, impulsionadas pela digitalização dos meios de comunicação e pelas mudanças nas dinâmicas de consumo de informação. No entanto, esses avanços tecnológicos não foram acompanhados de uma valorização adequada dos profissionais que fazem a cobertura dos fatos. Pelo contrário, a profissão parece estar sendo cada vez mais desvalorizada, tanto financeiramente quanto em termos de segurança e condições de trabalho.
Renan Henrique Alvarez Vieira, um dos fundadores do podcast Futebol Show, canal de jornalismo esportivo que acompanha o Ituano Futebol Clube, enxerga uma dificuldade na garantia dos direitos do jornalista. “A categoria é fortemente impactada pela ‘pejotização’, o que de certa maneira limita a garantia dos direitos ao profissional da área. Tem muito jornalista de carteira assinada que não consegue trabalho por não ter condições de administrar seu tempo e suas tarefas”, desabafa.

Um exemplo dessa “pejotização” descrita pelo jornalista, é a perda dos direitos previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na Convenção Coletiva da Categoria, como férias, 13º salário, reajuste salarial na data-base, horas extras, entre outros. Ainda no caso do jornalista, há também a perda do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e do seguro desemprego.
“Com os modelos híbridos de trabalho, que dispensam o modo CLT, em que você tem garantias básicas como empregado, e passa ser seu próprio chefe na maior do tempo, o salário tende a ser afetado, e isso te leva a depender de serviços freelances para obter uma renda melhor. Na maioria dos casos, você passa a ser empregador e empregado ao mesmo tempo”, completa Renan.
Ainda segundo ele, a ascensão das redes sociais e dos influenciadores digitais contribui para esse cenário, muitas vezes misturando os papéis de comunicador e influenciador. “Abre-se mais portas para informação, para o público se manter informado e noticiado, mas ao mesmo tempo precariza a ‘mão-de-obra’. Eu costumo dizer que o profissional não pode levar consigo essa marca de influenciador, porque o papel da imprensa, acima de tudo, é informar, e não influenciar. No entanto, percebo que os profissionais e as profissões se misturam nesse meio, que hoje confundem o público que consomem conteúdos do tipo”.
O cenário descrito pelo jornalista reflete uma tendência nacional de precarização do trabalho jornalístico, intensificada pela crise econômica, o pós-pandemia da COVID-19, o avanço das plataformas digitais, a crise de modelo de negócios que afeta as grandes redações e a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17), de acordo com a pesquisa da Fundacentro (Fundação de Segurança e Medicina do Trabalho) e da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), com apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT). A diminuição das equipes e o aumento da demanda por conteúdos 24 horas por dia geram um ambiente onde os jornalistas enfrentam insegurança financeira e falta de apoio institucional.

A jornalista Mara Rovida, mestre em Comunicação Social e doutora em Ciências da Comunicação, vê como um dos principais elementos que contribuem com a precarização a falta de tempo hábil e o acúmulo de funções, o que diminui a chance de um trabalho bem feito. “Prazos irreais e o volume de produção, assim, fora do normal, com certeza impactam a capacidade de uma apuração mais detalhada, mais atenta, da busca mesmo de outras vozes, outras perspectivas sobre os temas que estão em pauta. Isso dificulta a gente entregar um trabalho mais qualificado para o nosso público, de forma geral”.
Além disso, a professora Mara comentou sobre suas experiências e como o machismo também afeta a desvalorização da profissão, seja pelo salário desigual ou pelo esforço extra de provar mais competência, até mesmo em relação a outras mulheres. “Qualquer mulher que tenha uma presença no mercado de trabalho no Brasil, em algum momento, já passou por isso (machismo). Estar em início de carreira, sendo mulher, isso é uma constante. Então, assim, a gente tem que se provar sempre um pouco a mais do que os colegas homens, e isso tanto na carreira profissional, quanto na carreira acadêmica”.
De acordo com um estudo da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), elaborado pelo DIESSE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a média salarial recebida pelas mulheres jornalistas contratadas formalmente no Brasil, em 2021, foi de R$ 5.575,4, enquanto a dos homens era de R$ 5.914,7. Apesar de parecer uma pequena diferença, ela se torna mais evidente em cargos mais altos. Diretoras de redação, por exemplo, ganhavam, em média, R$ 7.714,5, enquanto os diretores homens ganhavam, em média, R$ 13.161,8. Ou seja, as mulheres ganhavam apenas 58,6% do salário recebido pelos homens.
Em 2022, a empresa Open AI lançou o ChatGPT, uma ferramenta de Assistência Artificial que marcou uma grande revolução na humanidade. No jornalismo, a IA também foi usada de diversas maneiras em textos jornalísticos. São apenas alguns segundos, e “voilà”, o texto está pronto. Apesar disso, o GPT está sujeito a erros, já que ainda é um protótipo em fase de testes. Isso pode levar a matérias imprecisas, afetando a credibilidade do trabalho jornalístico.
Um relatório realizado pelo grupo de pesquisa Tecnologias, Processos e Narrativas Midiáticas da ESPM-SP (Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo), em parceria com o boletim Jornalista&Cia, em 2023 e 2024, revelou que 56% dos jornalistas utilizam as IAs em suas atividades jornalísticas.
Em relação à credibilidade, em países como os Estados Unidos e Reino Unido, 52% e 63% (respectivamente) dos entrevistados consumidores de notícias, disseram que não se sentem à vontade com notícias produzidas majoritariamente com a IA, de acordo com pesquisa realizada pelo Reuters Institute.
Érica Aragão, coordenadora da Regional Sorocaba do Sindicato dos Jornalistas (SJSP), falou das oportunidades e desafios que o profissional jornalista enfrentará nos próximos anos, destacando o uso das IAs. “A chegada da Web já trouxe muitos desafios e oportunidades para os jornalistas e, agora, com a Inteligência Artificial, tudo foi potencializado. Inclusive, tem uma pesquisa da Unifor que fez uma projeção de estratégias para o futuro, partindo de três teorias: a primeira é se a IA substitui o jornalismo; a segunda se IA melhora o jornalismo; e a terceira de que a IA engole o jornalismo”.
“Na minha opinião, a credibilidade e o reconhecimento do jornalismo estão muito ligados à profissionalização, e isso se perdeu um pouco neste mundo digital. As Fake News e a desinformação são frutos desta questão. Assim como, na chegada da Web, começamos a discutir, no jornalismo, engajamento orgânico e pago, tivemos que voltar a aprender a escrever só para atender às regras dos algoritmos, entre outras novas realidades. A IA também trará desafios. A gente não pode se conformar com o que aprendemos na faculdade ou estamos aprendendo. O conhecimento sempre será um parceiro vitalício do bom jornalismo”, defendeu Érica.
Apesar do cenário preocupante, algumas iniciativas buscam contornar o problema. A coordenadora do SJSP aponta principalmente a volta da obrigatoriedade da graduação e ações junto ao sindicato como os primeiros passos. “Volto a defender a volta da obrigatoriedade do diploma para exercer nossa profissão e se organizar mais enquanto classe trabalhadora. O jornalista, muitas vezes, não se reconhece enquanto trabalhador e tem preconceito com o trabalho do sindicato. A primeira coisa que precisa fazer quando quer mudar uma realidade, é agir. O sindicato é uma ferramenta que a categoria pode usar para ajudar a melhorar as condições de trabalho e a valorização profissional”.

A desvalorização do jornalista é um problema que transcende o profissional, impactando diretamente a qualidade da informação que chega ao público. Em um momento em que a desinformação e as Fake News ganham espaço, valorizar o jornalista é também preservar a integridade do jornalismo e, por consequência, a democracia. As vozes ouvidas nesta reportagem deixam claro que, apesar dos desafios, ainda há caminhos para a revalorização da profissão, mas esses demandam organização, inovação, apoio social e da classe.