Mãe, aluna e invisível: Os desafios que as mães universitárias enfrentam no Brasil
Por Felipe Dias, Maria Paula Estevam, Giulia Andrade e Pedro Egídio (Focas na Ciência e Agência Focas – Jornalismo Uniso)
Engravidar transforma a rotina de qualquer mulher, mas quando acontece durante a vida universitária, a maternidade representa um desafio a mais, pois tarefas que antes se adequavam à rotina, tornam-se sobrecarga quando há um filho pequeno demandando atenção constante.
Nessa reportagem, vamos entender melhor as dificuldades, desafios e até a discriminação vividas por mães na universidade.

Um panorama mais comum do que se imagina
A criação de filhos, especialmente durante os anos iniciais de vida da criança, é um percurso trabalhoso que exige dedicação constante. No Brasil, por uma construção cultural, a responsabilidade dos cuidados recai, majoritariamente, sobre as mulheres, e esse contrapeso acarreta enormes consequências para a vida profissional e acadêmica das mães.
Uma pesquisa do Datafolha, realizada em 2024 com 2.022 pessoas de 147 municípios de todas as regiões do país, revela que 69% dos brasileiros consideram que as mulheres devem ser as principais cuidadoras de filhos recém-nascidos, e com uma crescente evolução da participação das mulheres no ensino superior, chegando a um aumento de 138% entre 2013 e 2023, essas realidades acabam por colidir.
Em um país que sofre com paradigmas machistas, muitas mães relatam faltar às aulas por insegurança em deixar o bebê aos cuidados de terceiros ou por juízos de valor de colegas e professores, que interrogam sua “capacidade de foco” e sugerem que abandonem o curso em prol da maternidade.
A escassez de creches universitárias e a falta de políticas de flexibilização de prazos e presença penalizam mães em situação de vulnerabilidade e sem rede de apoio, impossibilitando as mães de assistir a aulas integralmente e cumprir atividades extracurriculares, tornando-se uma tarefa praticamente impossível.
As pesquisas que ajudam a entender
Para entendermos melhor essa realidade, conversamos com a pesquisadora Bruna Costa, que com o objetivo de identificar singularidades da vivência do público feminino no ambiente universitário, por questões de identificação, de relevância social, começou a se aprofundar nesse tema pouco explorado, e tão importante nas universidades.
“A motivação inicial desta pesquisa surgiu do desdobramento da primeira Iniciação Científica que eu realizei, intitulada ‘Políticas públicas de permanência estudantil no ensino superior na América Latina’, à qual me vinculei pelo Programa de Iniciação Científica da Universidade de Sorocaba (Uniso), e que me permitiu aprofundar sobre o quanto as marcações sociais de classe, raça e gênero influenciam na evasão universitária”.
Mesmo através de dificuldades, como a falta de informações e dados sobre isso, a pesquisadora analisa o que a literatura diz sobre os desafios de ser mãe, mulher e estudante no ambiente acadêmico, e compreender qual a assistência que as Instituições de ensino superior estão oferecendo nesses casos. Para Bruna, a universidade tem um papel social importante, e, portanto, deveria garantir, além do acesso, a permanência da estudante, através de meios que a façam aproveitar a universidade em sua plenitude.
Além disso, ela aponta que o aspecto psicológico é algo pouco abordado e de pouca assistência às mães estudantes, “[…] por não atenderem às expectativas sociais da maternidade, o sentimento de culpa é recorrente, e isso afeta diretamente a saúde mental dessas mulheres. Essas problemáticas demonstram um gargalo estrutural no espaço acadêmico, que não considera as necessidades singulares deste público, singularidades estas que foram estipuladas socialmente”.
Um panorama mais comum do que se imagina
A criação de filhos, especialmente durante os anos iniciais de vida da criança, é um percurso trabalhoso que exige dedicação constante. No Brasil, por uma construção cultural, a responsabilidade dos cuidados recai, majoritariamente, sobre as mulheres, e esse contrapeso acarreta enormes consequências para a vida profissional e acadêmica das mães.
Uma pesquisa do Datafolha, realizada em 2024 com 2.022 pessoas de 147 municípios de todas as regiões do país, revela que 69% dos brasileiros consideram que as mulheres devem ser as principais cuidadoras de filhos recém-nascidos, e com uma crescente evolução da participação das mulheres no ensino superior, chegando a um aumento de 138% entre 2013 e 2023, essas realidades acabam por colidir.
Em um país que sofre com paradigmas machistas, muitas mães relatam faltar às aulas por insegurança em deixar o bebê aos cuidados de terceiros ou por juízos de valor de colegas e professores, que interrogam sua “capacidade de foco” e sugerem que abandonem o curso em prol da maternidade.
A escassez de creches universitárias e a falta de políticas de flexibilização de prazos e presença penalizam mães em situação de vulnerabilidade e sem rede de apoio, impossibilitando as mães de assistir a aulas integralmente e cumprir atividades extracurriculares, tornando-se uma tarefa praticamente impossível.
As pesquisas que ajudam a entender
Para entendermos melhor essa realidade, conversamos com a pesquisadora Bruna Costa, que com o objetivo de identificar singularidades da vivência do público feminino no ambiente universitário, por questões de identificação, de relevância social, começou a se aprofundar nesse tema pouco explorado, e tão importante nas universidades.
“A motivação inicial desta pesquisa surgiu do desdobramento da primeira Iniciação Científica que eu realizei, intitulada ‘Políticas públicas de permanência estudantil no ensino superior na América Latina’, à qual me vinculei pelo Programa de Iniciação Científica da Universidade de Sorocaba (Uniso), e que me permitiu aprofundar sobre o quanto as marcações sociais de classe, raça e gênero influenciam na evasão universitária”.
Mesmo através de dificuldades, como a falta de informações e dados sobre isso, a pesquisadora analisa o que a literatura diz sobre os desafios de ser mãe, mulher e estudante no ambiente acadêmico, e compreender qual a assistência que as Instituições de ensino superior estão oferecendo nesses casos. Para Bruna, a universidade tem um papel social importante, e, portanto, deveria garantir, além do acesso, a permanência da estudante, através de meios que a façam aproveitar a universidade em sua plenitude.
Além disso, ela aponta que o aspecto psicológico é algo pouco abordado e de pouca assistência às mães estudantes, “[…] por não atenderem às expectativas sociais da maternidade, o sentimento de culpa é recorrente, e isso afeta diretamente a saúde mental dessas mulheres. Essas problemáticas demonstram um gargalo estrutural no espaço acadêmico, que não considera as necessidades singulares deste público, singularidades estas que foram estipuladas socialmente”.
A história contada pelas mães
“Quando a gente vira mãe, a mentalidade muda e o amadurecimento naturalmente acontece… quando a Lara nasceu, eu quis fazer por ela. Me doeu saber que para isso teria que abrir mão de uma parte do meu dia com ela, mas também sabia que a longo prazo eu poderia proporcioná-la um futuro muito melhor”.
O desabafo de Clara Sanches, estudante do 4° semestre de Odontologia na Faculdade Anhanguera, em Sorocaba (SP) e mãe da Lara de 2 anos, é uma realidade que muitas mães acabam enfrentando quando o mundo da maternidade e universitário colidem.
Sendo mãe aos 19 anos, Clara se viu à beira de desistir do sonho do ensino superior ao ser confrontada com as responsabilidades que uma criança oferece, mas graças a uma rede de apoio forte, consegue conciliar a vida com a pequena Lara, a faculdade de odontologia e o trabalho.
“Tenho muitos privilégios, mas o maior desafio é saber que no final do dia preciso terminar um trabalho da faculdade ou estudar para uma prova e ainda sim tenho minha filha que precisa de mim ou a minha casa faltando coisas para fazer.”

“Tenho muitos privilégios, mas o maior desafio é saber que no final do dia preciso terminar um trabalho da faculdade ou estudar para uma prova e ainda sim tenho minha filha que precisa de mim ou a minha casa faltando coisas para fazer.”
A futura dentista desabafa ao falar sobre a flexibilidade da faculdade, e como isso dificulta o seu desempenho acadêmico: “Grande parte das notas finais vem de seminários presenciais ou trabalhos que demandam muito tempo de nós… acredito que uma mãe sem rede de apoio e principalmente para mães solos, seja quase impossível concluir os estudos, infelizmente”.
Podemos ver que a base de apoio é algo crucial no bom balanceamento entre os dois mundos que uma mãe universitária vive todos os dias, e Luísa Toledo nos conta sobre outro ponto de vista de um dos fatores que assolam todos os estudantes: o cansaço. “É extremamente difícil e cansativo, principalmente com recém-nascido. A privação de sono no puerpério é muito presente na minha vida e não posso dormir quando ele dorme pois tenho que cumprir com as demandas da faculdade.”
Luísa conta que é difícil se manter disposta, concentrada e a disposição para a universidade com uma criança dependente da mãe, e que mesmo com ajuda da família e do pai, sente a pressão do acúmulo de matérias e trabalhos: “A sobrecarga emocional e física é muito grande, já é grande para mães que só cuidam do bebê, se juntar às demandas da faculdade é uma exaustão enorme”.
A mãe ainda coloca a acessibilidade como um ponto a ser melhorado, apontando rampas ao invés de escadas ligando ao estacionamento e ponto de ônibus, principalmente para as mães com carrinho. Salas no térreo também facilitariam muito a vida de quem tem dificuldade de mobilidade como as grávidas.
Caminhos para apoio e inclusão
Caminhos para apoio e inclusão de mães universitárias passam, necessariamente, por políticas institucionais que reconheçam as múltiplas jornadas dessas mulheres. A pesquisadora Bruna Costa se assusta com a falta de avanço: “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), criada em 1996, não abrange este tema em nenhum artigo. Somente no ano passado, em 2024, houve a alteração pela Lei no 14.9524, que estabeleceu o regime escolar especial para atendimento a educandos nas instituições, como mães estudantes lactantes.”
Para colocar de volta no mapa esse grupo tão marginalizado, ações como a criação de creches nos campi, a flexibilização de prazos acadêmicos e a garantia de licença-maternidade estudantil são medidas urgentes para combater a evasão. Além disso, programas de apoio psicológico, auxílio financeiro direcionado e redes de acolhimento entre estudantes podem oferecer suporte emocional e prático.
Investir nessas políticas é reconhecer que criar filhos e construir conhecimento são jornadas que se potencializam mutuamente, e tirando a ideia de que se anulam, tornando a comunidade universitária mais forte e diversa. Porque, quando mães têm vez, toda a sociedade aprende que a maior nota de todas é a coragem de quem não abre mão de ser estudante e mãe ao mesmo tempo.