1ª Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Sorocaba encerra Semana de Cultura e Arte Negra
O último dia do evento marca a história da cidade com a primeira reunião em prol da população negra sorocabana
Por Rafaela Monteiro e Maria Luiza Dionízio (Agência Focas – Jornalismo Uniso)
A Semana de Cultura e Arte Negra de Sorocaba, realizada no Núcleo de Extensão Educação, Tecnologia e Cultura (ETC) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Sorocaba, é encerrada com a realização da 1ª Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Sorocaba, neste sábado (17). A reunião tem como objetivo a apresentação de propostas dos movimentos negros da cidade por meio de sessões plenárias, para, então, encaminhá-las às instituições públicas.
José Adão Neres de Jesus, coordenador da conferência, explica a importância histórica da iniciativa para a população afrodescendente de Sorocaba. “Nós somos uma cidade com 230 mil pessoas na condição de pretos e pardos, e é a primeira vez que essa população está fazendo uma conferência para discutir suas reivindicações e suas propostas para a organização dessa sociedade. Isso é muito significativo, pois somos, no mínimo, um terço dessa população, falando apenas da autodeclaração do IBGE. Isso é de suma importância para a organização da sociedade. É o povo preto e pardo falando de sua participação”.
Márcio Roberto do Santos, conhecido como ‘Márcio Brown’, organizador do evento e coordenador da entidade social Ação Periférica, destaca a conferência como ponto alto da semana. “Esse é o momento principal da nossa Semana de Cultura e Arte Negra de Sorocaba, porque a conferência é um espaço de políticas públicas ao qual as pessoas olham para o que a prefeitura, o Estado e a União estão fazendo nas relações étnico-raciais, e nas políticas públicas, que é o mais importante. É uma reivindicação todo ano da população negra. Então, a Conferência acolhe essas ideias e leva para as instituições públicas para que as demandas sejam ouvidas. E fechar a Semana de Cultura e Arte Negra de Sorocaba com a conferência, é fechar com chave de ouro. A comunidade debate os problemas e aponta soluções. Isso, para nós, está sendo muito importante e um momento muito valioso, porque a nossa luta é todo dia.”
Brown reitera o significado de realizar o evento no mês de maio, que, em 2025, marca os 137 anos da abolição da escravidão no Brasil. “Assim a gente sai de novembro, porque todo mundo acha que o negro é só novembro. Não, o negro é todo dia. A gente está trabalhando, a gente estuda, a gente come, a gente faz um monte de situações durante o ano todo e as pessoas não percebem. E a população não pode ser olhada só em novembro”.
José Marcos de Oliveira, mestre de cerimônias da comissão da conferência, enfatiza esse momento histórico. “A expectativa geral é, na realidade, que supera todas as expectativas, porque a gente está falando da primeira conferência municipal. Sorocaba, historicamente, nos últimos 20 anos, sempre puxou as conferências regionais. Nunca, de fato, parou para discutir a sua realidade. Então, esta conferência é histórica por ser o momento em que a cidade vai discutir a sua realidade, a sua conferência municipal. E nos chamou muito a atenção a quantidade de pessoas que foram, que se inscreveram, mais de 200 pessoas”.
Odirlei Botelho da Silva, membro da comissão organizadora da conferência, demonstra orgulho e altas expectativas para os desfechos do evento. “O evento de hoje é um marco para a cidade de Sorocaba. É a primeira conferência de igualdade racial e isso é uma conquista para a população negra de Sorocaba, é um ganho na perspectiva de ter uma sociedade mais equânime, mais democrática, mais justa racialmente. E que nós consigamos fazer uma reparação social para essa população há tanto tempo marginalizada e historicamente excluída e subjugada por todo o processo histórico de escravização dos povos que vieram de fora.”
Antes da cerimônia de abertura da Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, o grupo de Tambores do Amanhã apresentou canções históricas e significativas para a cultura afro-brasileira.
Viviane Tavares, sacerdotisa do terreiro de umbanda e uma das coordenadoras do grupo, dividiu suas expectativas em relação ao futuro e o impacto dos diálogos ao longo do evento. “Que saiam ideias boas para o nosso futuro, para que a gente consiga realmente desenvolver políticas públicas, e posteriormente, começar a reduzir essa desigualdade racial, social, que a gente sempre enfrenta dentro do nosso município. E as expectativas e as perspectivas para o futuro, para mim, estão bem positivas. Eu acho que vai dar muito certo e essa união tem que acontecer mesmo, essa força tem que acontecer para a gente conseguir o nosso intuito. Para quem sabe um dia, nem digo que seja daqui a um ano, mas daqui a uns 30 anos, todos consigam viver num mundo mais apaziguado, com menos desigualdade.”
Vivian também destacou a importância de fortalecer essa aliança e colaboração para garantir um futuro mais justo. “A nossa luta é todo dia. Cada um de nós tem que estar aqui, participando, se unindo. Não podemos esperar que só uma pessoa ou um grupo de pessoas faça a mudança. Precisamos de todos para construir um futuro diferente, mais igualitário e sem as desigualdades que marcam tanto a nossa história.”
Na ausência do prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, seu secretário jurídico Douglas Moraes o representou no evento. “Estamos realizando a primeira conferência do município e já com algum atraso, tendo em vista uma demanda tão importante para a cidade e para toda a região. Hoje eu estou aqui para, mais do que ouvir vocês, para poder aprender com todos que estão aqui presentes. E a gente espera que a gente tenha uma conferência produtiva, que a gente possa discutir esses temas, essa questão toda de desigualdade. E porque, com o passar do tempo, parece que às vezes a gente tem evoluído em algumas questões aqui. Durante muito tempo, a gente olhava os secretários, prefeitos [esse grupo] era formado, basicamente, por homens com mais de 40 anos, brancos. Esse talvez seja o secretariado mais heterogêneo que a gente tem. A gente tem brancos, negros, homens e mulheres.”
Durante a abertura do evento, o coordenador José Adão reforçou a lembrança da causa da desigualdade racial no contexto urbano, evidenciando a necessidade imediata e o valor representativo do encontro e caráter simbólico do evento. “Sorocaba foi criada dentro desse processo civilizatório onde a carne mais barata já era a carne preta. […] Nós somos quem faz a riqueza dessa cidade. Nós somos quem produz em cada uma das fábricas, em cada comércio, em cada serviço desta cidade.”
Adão finalizou seu discurso de abertura afirmando que a conferência deve ir além do debate e impulsionar políticas públicas de longo prazo. “Nós precisamos sair daqui com um cronograma concreto e dizer: ‘Até o ano que vem, precisamos ter um Programa Municipal de Enfrentamento ao Racismo’. Nós temos programas municipais em outras áreas, mas ainda não temos um programa específico de promoção da igualdade racial. Queremos que essa conferência produza propostas concretas e que a prefeitura encaminhe um plano municipal à Câmara, para que tenhamos, de fato, um instrumento legal de enfrentamento ao racismo.”
Após realizada a leitura e aprovação do regimento da primeira Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Sorocaba, foi apresentada a palestra “Igualdade e Democracia: Reparação e Justiça Racial” com a Dra. Jaqueline Lima Santos e Maria Regina Cardoso. Jaqueline destacou a importância da Década Internacional dos Afrodescendentes, uma iniciativa da ONU, lembrando que “no ano passado a gente encerrou a primeira década internacional dos afrodescendentes das Nações Unidas, que foi de 2015 a 2024. E uma década é insuficiente para resolver um problema, um crime histórico de séculos.”
Jaqueline também contextualizou o extenso período de escravidão no Brasil, afirmando que “dos 525 anos do Brasil, a maior parte da nossa história foi marcada pelo contato colonial. E desses 525 anos, a gente tem 388 anos sob o regime da escravidão”, contrastando com os “137 anos com liberdade”. Diante desse cenário, a palestrante enfatizou que “uma década é insuficiente para reparar os crimes históricos que foram cometidos contra a população negra”, sendo crucial a nova década (2025-2034) para a continuidade das ações reparatórias.
As vereadoras Iara Bernardi (PT) e Fernanda Garcia (PSOL) também marcaram presença na Conferência. Fernanda Garcia expôs a necessidade de levar atenção às questões que prejudicam a comunidade negra de Sorocaba, especificamente no alto índice de violência doméstica contra mulheres negras e, também, na falta de direitos em relação à saúde. “A gente sabe que falta. A questão da pressão alta, que é muito particular da comunidade negra, a anemia falciforme também, tem vários elementos. Quando pensamos que a política pública tem que ser voltada para esse público, achamos que esse é um momento de avaliar e cobrar o Governo Municipal para que essas políticas sejam implementadas.”
A vereadora destaca a necessidade de um aumento dos recursos da Lei Orçamentária Anual (LOA) destinados especialmente para a população negra, e afirma haver uma baixa presença de representantes na conferência. “Temos o maior respeito por esse espaço, que tem que ser valorizado. Inclusive, faltaram representantes também da política do Governo Municipal para ouvir as demandas. Nós sentimos essa carência e a falta de acompanhamento do Governo, seja a Secretaria de Saúde, seja a Secretaria de Cidadania, algumas secretarias que seriam essenciais nessa discussão.”
A Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Sorocaba encerrou-se com a plenária, momento crucial para a apresentação, debate e votação das propostas, teses e moções originadas dos grupos de trabalho. As deliberações aprovadas nesta etapa serão, então, levadas às Conferências Regionais e Estaduais de Promoção da Igualdade Racial, como a V COREPIR, onde são aprofundadas e adaptadas aos contextos específicos, visando soluções para o racismo e outras formas de discriminação.
Esse processo é estruturado pelo Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), que busca descentralizar as políticas públicas e estimular a participação social. Através das diversas etapas das conferências (municipal, estadual e nacional – CONAPIR), as discussões progridem, influenciando a formulação de políticas de igualdade racial em diferentes esferas governamentais, desde o município até o âmbito federal.








