Cidade vertical: Sorocaba adapta urbanismo ao aumento populacional
Por Gabriela Vasconcelos, Giuliana Ribeiro e Kauã Rocha (Jornalismo de Dados – Jornalismo Uniso)

A verticalização urbana é o processo pelo qual as cidades crescem para cima, com a construção de edifícios altos, em vez da expansão horizontal, como ocorre com casas e construções baixas. Esse movimento acontece principalmente em regiões onde a população aumenta rapidamente e o espaço disponível para novas moradias é limitado.
No Brasil, esse movimento acompanha o avanço da urbanização e exige das cidades uma adaptação no planejamento, com foco em mobilidade, infraestrutura e sustentabilidade. Sorocaba (SP) é um exemplo desse fenômeno em curso: uma cidade média do interior paulista que, diante do crescimento populacional e da valorização do solo, passou a adotar a verticalização como estratégia de organização urbana.
Segundo o Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 87,4% da população brasileira — cerca de 177,5 milhões de pessoas — residia em áreas urbanas, um aumento significativo em relação aos 84,4% registrados em 2010. Em números absolutos, foram 16,6 milhões de brasileiros a mais morando nas cidades na última década, enquanto a população rural diminuiu em 4,3 milhões. A população total do país chegou a 203 milhões de habitantes em 2022 e, segundo estimativas divulgadas em 2024, já ultrapassa 212 milhões.

Sorocaba reflete essa dinâmica nacional com intensidade. A cidade ultrapassou os 723 mil habitantes em 2022, representando um aumento de cerca de 20% desde 2010 — um salto de aproximadamente 120 mil moradores que buscam na cidade oportunidades de trabalho, estudo e qualidade de vida. Essa pressão demográfica tornou claro um desafio: como acomodar tanta gente em uma cidade que cresce, mas enfrenta limites no solo disponível?
A resposta veio do alto. Dados do Censo Demográfico de 2022 mostram que o número de domicílios em edifícios em Sorocaba cresceu mais de 50% entre 2010 e 2022. Isso representa dezenas de milhares de novos apartamentos entregues ou em construção — um movimento urbanístico que não apenas transforma o perfil da moradia, mas também exige novos rumos no planejamento urbano.
Uma nova forma de ocupar a cidade
Nos bairros da zona sul e do centro, como o Campolim, Jardim Faculdade, Santa Rosália e arredores do Mangal, a verticalização já altera o cotidiano. Ruas antes marcadas por casas térreas e pequenos comércios agora abrigam edifícios com mais de dez andares, condomínios-clube e serviços voltados a públicos variados. Só no Campolim, foram mais de 30 novos alvarás de construção para prédios residenciais entre 2020 e 2024, segundo registros da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (Seurb).
Dados oficiais da prefeitura reforçam essa transformação. Entre 2020 e 2024, foram lançados 229 empreendimentos residenciais na cidade, sendo 172 verticais (prédios) e 57 horizontais (casas). Essa predominância dos empreendimentos verticais — que representam cerca de 75% do total — evidencia a transformação do cenário imobiliário local e reforça a tendência da verticalização como estratégia para acomodar o crescimento populacional.

Essa mudança de escala no modo de morar reflete também uma nova lógica familiar. A PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), pesquisa amostral produzida pelo IBGE de forma trimestral, aponta que em 2022 cerca de 44% dos domicílios sorocabanos eram ocupados por uma ou duas pessoas apenas. Esse dado ajuda a explicar a popularidade de apartamentos compactos e a crescente busca por praticidade, segurança e acesso a serviços — itens que os edifícios costumam oferecer em maior escala.
Para Amanda Santos, enfermeira que vive sozinha em um apartamento há três anos, em Sorocaba, a escolha foi motivada justamente por esses fatores. “Achei mais seguro e prático. A planta do apartamento atende minhas necessidades, e o monitoramento interno do prédio me traz tranquilidade para entrar e sair”, conta. No entanto, ela destaca os desafios da vida em condomínio: “Você mora em um lugar seu, mas que você não manda sozinho. Barulho e regras coletivas exigem adaptação, principalmente para quem vinha da liberdade de morar em casa.”
Mercado aquecido, solo valorizado
A demanda por imóveis verticais aqueceu o mercado. Esse movimento elevou o valor dos imóveis. Dados do Índice FipeZAP (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) mostram que, entre 2020 e 2024, o preço médio do metro quadrado de apartamentos em Sorocaba subiu cerca de 18%. Em bairros com maior valorização imobiliária, como o Jardim Paulistano e outros da zona sul — onde estão concentrados diversos lançamentos verticais —, o aumento foi ainda maior, ultrapassando os 24%. Com isso, a compra de apartamentos novos se tornou mais vantajosa para incorporadoras do que o investimento em casas horizontais.
Para o engenheiro civil Rafael Berto Costa, a verticalização é uma resposta urbanística lógica à demanda crescente e à escassez de solo. “São construções que ocupam menos espaço horizontal e, hoje, surgem em locais estratégicos, próximos a supermercados, hospitais e centros comerciais”, afirma. Ele também destaca avanços em sustentabilidade e conforto: “O uso de energia solar tem crescido, e muitas obras já contam com captação de água da chuva para áreas comuns. Além disso, os sistemas de vedação acústica melhoraram para reduzir ruídos e desconfortos.”
O engenheiro civil Renato Soliani, que também é professor e atua na área de transações imobiliárias, reforça que a verticalização veio para ficar — e que é possível fazê-la de forma sustentável. “É essencial garantir segurança, conforto e sustentabilidade. Isso envolve desde o uso de energia solar e reúso de água da chuva até um bom isolamento acústico e áreas comuns que promovam bem-estar”, explica. Segundo ele, o desafio das cidades é crescer com planejamento: “A verticalização otimiza o uso do solo, mas pode causar sobrecarga na infraestrutura e aumentar o efeito de ilha de calor se não for bem pensada.”
Desafios que sobem junto
O crescimento vertical traz vantagens urbanas, como o adensamento controlado e o uso mais eficiente do solo, mas também impõe desafios imediatos à infraestrutura da cidade. O aumento da densidade populacional em bairros verticalizados demanda mais energia, mais água, mais transporte, mais serviços, e isso nem sempre acompanha o ritmo da construção.
Segundo Ricardo do Espírito Santo, engenheiro civil e diretor de Comunicação Social e Eventos da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba (AEAS), “mais prédios pressionam o trânsito, energia, telecomunicações, serviços públicos e, principalmente, as redes de abastecimento de água e esgoto, que precisam ser ampliadas e recalculadas”. Ele ainda reforça que “semáforos inteligentes, corredores de ônibus, reforço das redes e ampliação de escolas e unidades de saúde são urgentes”.
Sobre os impactos ambientais, Ricardo destaca que “a verticalização pode, sim, reduzir o avanço urbano sobre áreas verdes ao concentrar moradias em zonas já urbanizadas, como ocorre em Singapura [país asiático]. Mas, sem planejamento, traz efeitos negativos: ilhas de calor, alagamentos, mais tráfego e menos ventilação natural”. Para mitigar esses impactos, ele defende soluções como “telhados verdes, pisos drenantes e reaproveitamento de água”.
Ricardo também aponta que mudanças no Plano Diretor e no zoneamento vêm incentivando prédios altos, especialmente próximos a eixos viários. “Com terrenos caros nas áreas centrais, o adensamento vertical se torna mais viável. Também há maior procura por segurança, mobilidade e serviços próximos”, afirma. O fenômeno é potencializado pela chegada de moradores da Grande São Paulo em busca de melhor qualidade de vida e custo de moradia mais acessível.
Para que o crescimento seja inclusivo, ele ressalta que os novos prédios precisam atender mais classes sociais, com moradias populares nas áreas centrais, incentivos fiscais, parcerias público-privadas e exigência de unidades acessíveis. Ricardo também destaca a importância do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para garantir contrapartidas sociais que minimizem os efeitos da verticalização na comunidade.
O anúncio feito pelo prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, em outubro de 2024, sobre a construção do prédio mais alto do mundo no centro da cidade — com cerca de 1 km de altura e mais de 170 andares — tem gerado debates entre profissionais da área urbana e moradores.
A proposta busca revitalizar a região central, mas levanta questionamentos quanto à viabilidade e ao planejamento por trás da iniciativa.
Para a arquiteta e pesquisadora sorocabana Lígia Beatriz Carreri Mauá, a verticalização pode ser uma estratégia urbana eficiente, desde que esteja inserida em um contexto de planejamento estruturado. “A verticalização pode ser uma ferramenta muito benéfica, principalmente para cidades em expansão, porque ela presume uma ampliação do coeficiente de aproveitamento do solo. Então, ao multiplicar a quantidade de pavimentos, a gente consegue ter um melhor aproveitamento da metragem. Mas isso precisa ser pensado alinhado a um planejamento urbano adequado”, ressalta.
Além do olhar técnico, Beatriz destaca também a preocupação de quem vive na cidade. “Eu sou uma sorocabana nata. Acabo sendo apaixonada pela minha cidade, mas a gente não consegue fechar os olhos para certas questões. Para mim, esse crescimento está sem controle, sem os planejamentos necessários, seja em mobilidade, trânsito ou Plano Diretor. Como que um prefeito reeleito quer acelerar uma revisão do Plano Diretor para construir o prédio mais alto do mundo no centro de Sorocaba? Isso não tem embasamento nenhum, é um delírio.”
A pesquisadora ainda aponta problemas estruturais na região central que, segundo ela, deveriam ser prioridade. “A gente tem outros problemas no centro, por exemplo, o esvaziamento depois das seis da tarde. O edifício mais alto do mundo não vai resolver. Talvez só vá piorar”, completou.
O projeto, que envolve um investimento estimado em R$ 2 bilhões da iniciativa privada, está em fase de estudos e depende de mudanças no Plano Diretor, atualmente em revisão pela Prefeitura.

A vereadora de Sorocaba, Iara Bernardi (PT), também tem uma leitura crítica sobre esse processo de adensamento. Para ela, o problema central é a ausência de planejamento público. “Não penso que Sorocaba esteja planejada para isso, porque não se pensa em um sistema viário mais amplo, avenidas duplicadas. O sistema de esgotamento sanitário não comporta, e explode o esgoto nas casas do Jardim São Carlos”, afirma, referindo-se a um bairro vizinho ao Campolim, uma das áreas mais verticalizadas da cidade.
Iara também chama atenção para a falta de espaços públicos de convivência nas áreas com maior densidade populacional. “É um prédio olhando para outro. As vias de acesso não comportam”, critica. Segundo ela, propostas como a criação do Parque do Quiló — na parte alta do Campolim — são necessárias para garantir áreas verdes e abertas à população, evitando que cada condomínio feche seu próprio espaço e impeça a formação de um parque de uso coletivo.
Para a vereadora, a cidade se desenvolve de forma desequilibrada, com forte influência do setor privado. “Vejo que quem faz o planejamento de fato dessa cidade são os empreiteiros imobiliários, e não a prefeitura”, resume.
O futuro que já começou
Sorocaba chega a 2025 em meio a uma transformação irreversível. A cidade que crescia em bairros horizontalizados agora se adapta ao adensamento vertical, apostando na reorganização urbana como resposta ao crescimento da população. Em meio a esse movimento, surgem perguntas essenciais: é possível crescer sem perder qualidade de vida? É viável adensar e, ao mesmo tempo, preservar espaços verdes, mobilidade e inclusão social?
A arquiteta Gabriella Eléro defende que esse crescimento só será sustentável se houver sensibilidade urbana no processo de verticalização. “Considero uma questão de respeito pensar em como iremos afetar quem já habita aquele meio. Com um novo edifício em um bairro já consolidado, trazemos um movimento muito maior para vias residenciais que muitas vezes não foram preparadas para isso”, afirma.
Ela reforça que o papel da arquitetura vai além do projeto interno dos edifícios: envolve o cuidado com o entorno e o estímulo ao uso coletivo do espaço urbano. “É essencial fazer a implantação de um edifício imaginando o uso cotidiano de quem irá habitar e os impactos no futuro, considerando e respeitando toda a integração com o bairro”, explica. Gabriella também defende o uso da chamada “fachada ativa” como ferramenta de inclusão urbana: “Ela promove interação entre pedestres e os serviços no térreo dos prédios, tornando as ruas mais vivas, seguras e interessantes para todos.”
Segundo ela, o crescimento populacional e a migração têm pressionado Sorocaba a buscar soluções habitacionais rápidas e viáveis — e os edifícios surgem como resposta prática. “A verticalização é uma forma eficiente de atender à demanda por moradias, principalmente em regiões onde a infraestrutura já está consolidada e a disponibilidade de terrenos é limitada”, avalia.
O futuro urbano da cidade não depende apenas de novos prédios. Depende de como esses prédios se conectam à cidade real — com transporte acessível, saneamento garantido, áreas públicas bem distribuídas e moradia digna para todos os perfis sociais. Mais do que torres altas, Sorocaba constrói agora uma nova identidade urbana. E o êxito dessa transformação não estará apenas nos metros quadrados entregues, mas na capacidade de fazer da verticalização uma ferramenta de equilíbrio — entre crescimento e planejamento, entre lucro e acesso, entre moradia e vida.
Saiba mais sobre ilhas de calor, acessando: https://sistema.uniso.br/site-uniso/unisociencia/jornal/tabloide-ed-29.pdf