Tatuí completa 199 anos
Entre músicas, doces e memórias, a cidade celebrou, na última segunda-feira, 11 de agosto, quase dois séculos de cultura, tradição e orgulho tatuiano
Por Letícia Américo e Rafaela Sallum (Agência Focas – Jornalismo Uniso)
A capital da música, a terra dos doces caseiros ou, para os mais próximos, a cidade ternura. Ao longo dos seus quase dois séculos de história, a cidade coleciona muitas tradições. A palavra “Tatuí” origina-se do tupi-guarani e significa “água do rio do tatu”.
O professor de História, Geografia e também advogado, Martinho Camargo Milani trabalhou em Tatuí (SP) entre os anos de 2004 a 2024. Ele, que é mestre em História da África e doutor em História Econômica do Brasil, conta que ainda há um ideal sobre os bandeirantes terem construído uma nação, mas não foi bem o que aconteceu. Eles expulsaram os povos originários com a intenção de explorar a região em busca de tesouros e, no início do século XIX, houve a solicitação da construção de uma vila em Tatuí no dia 11 de agosto de 1826.
A partir de 1881, a extensão da ferrovia sorocabana, construída para dar conta da produção do estado de São Paulo, transformou a cidade de Tatuí em um eixo; a cidade está localizada a 130 km de São Paulo e 190 km de Santos.
O primeiro contato do professor com a cidade foi em 1975 e, nesses cinquenta anos, ele conta que a cidade cresceu muito – “cresceu para os lados”. É notável, segundo ele, o desenvolvimento econômico observado nessas últimas décadas. Milani opina que Tatuí sempre se destacou pela culinária e pelos doces caseiros, como o tradicional ABC – abóbora, batata e cidra –, e relembra ir para Tatuí comer em restaurantes típicos da cidade com os seus pais.
Nos anos 50, o deputado Narciso Peroni prestigiou uma formatura na cidade e demonstrou interesse pelo talento dos músicos locais. Na ocasião, propôs ao governador Lucas Nogueira Garcez a criação de um conservatório no município. O projeto foi autorizado e, em 1954, teve início a história do Conservatório Dramático Musical Dr. Carlos de Campos, considerado um dos mais importantes da América Latina.
A primeira sede funcionou na casa da família de Manoel Guedes. Em 1969, o conservatório deixou o Casarão e passou a funcionar no endereço atual, na Rua São Bento, próximo ao centro da cidade.
João Armando Fabbro, 40 anos, ator, professor e ex-aluno da instituição, relata que o conservatório desempenha um papel fundamental na formação cultural da população e, hoje, são mais de 2.500 estudantes na área de música, sendo reconhecido mundialmente. De acordo com o professor, “o conservatório é uma escola que desenvolve muitas ações e os grupos dentro da instituição são grupos que estudantes participam e realizam apresentação, são rotativos e dão um gostinho para o estudante entender a apresentação artística como um espaço de trabalho”. O conservatório, de fato, é o grande pilar da cultura tatuiana e, apesar de estar muito presente na vida das pessoas e atrair pessoas de fora, o artista enxerga que o município acaba abandonando a cultura da cidade pela existência do conservatório. Para ele, a cidade carece de um teatro municipal, além disso faz falta ter uma secretaria de cultura própria.
Marcos históricos
Em 1826, o Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, conhecido por ser um dos mais ricos proprietários na Capitania de São Paulo, loteou as terras interioranas e fundou a Vila Tatuí, inaugurando, no mesmo ano, a primeira rua, a Onze de Agosto. Em 1861, Tatuí recebeu o título de cidade, e o português Martinho Guedes Pinto de Melo importou, dos Estados Unidos, as primeiras sementes de algodão, cultura que impulsionaria o surgimento de fábricas têxteis no município.
Anos depois, seu filho, Manoel Guedes – mais conhecido como Manduca – fundou, em 1881, a Fábrica de Tecidos São Martinho. A indústria ganhou notoriedade nacional e, com frequência, recebia visitas do imperador Dom Pedro II, que, fascinado por tecnologia, se hospedava no Casarão dos Guedes, residência da família dona da fábrica.
A arquiteta Veridiana Pettinelli entende que a arquitetura da cidade conta a história e a evolução da cidade. “As poucas edificações preservadas deixam para as futuras gerações uma espécie de ‘manual de instruções’ vivo e materializado, pois mostram como eram as formas de construção e moradia da época”, comenta. Veridiana, que é tatuiana e conta com mais de 25 anos de atuação profissional na área da construção civil, incluindo projetos de restauração de patrimônio histórico, afirma que a indústria São Martinho é um dos principais patrimônios arquitetônicos da cidade e representa a história do município.
Além de ter seu passado registrado na arquitetura que resiste ao tempo, Tatuí possui uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e leva, em poesias, os encantos de suas ruas.
O advogado Paulo Setúbal de Oliveira alternava períodos de dedicação à literatura com a faculdade de Direito. Influenciado por seu professor, “Chico Pereira”, outro ícone tatuiano, decidiu seguir a carreira de escritor. Começou como escritor na faculdade e, posteriormente, lançou livros aclamados pela crítica da época.
Setúbal também atuou como jornalista, ensaísta, poeta e romancista e, em 6 de dezembro de 1934, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, sucedendo a João Ribeiro na cadeira 31.
Fernando de Jesus Costa, formado em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências e Letras e Filosofia de Tatuí, trabalha, atualmente, como professor e coordenador da ETEC Sales Gomes desde 2008, além de fazer parte do Conselho Histórico de Patrimônio da cidade (Condephate). Ele comenta que sente orgulho de ser tatuiano e relembra uma curiosidade, que gosta de contar para seus alunos: “Conto aos meus alunos que um ex-integrante da Legião Urbana veio para Tatuí e aparece na contracapa de um disco com uma placa: ‘Tatuí, dois mil e poucos quilômetros de Brasília’. A cidade tem muitas histórias de músicos formados aqui”.
Os encantos do tradicional Cordão dos Bichos – bloco de carnaval da cidade –, os doces ABC e celebrações como a Festa do Doce fazem parte da história de Tatuí, terra de personalidades como o escritor Paulo Setúbal e a atriz Vera Holtz, que enchem de orgulho seus moradores, conhecidos carinhosamente como “pés-vermeios”.
