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Lavagem das escadarias da capela de João de Camargo é marcada por celebração e resistência ao racismo religioso

Evento gratuito reuniu toda a comunidade em memória do líder negro que marcou a história de Sorocaba

Por Maria Clara Russini (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Foto- Maria Clara Russini

Na manhã do último sábado (27), moradores de Sorocaba participaram da segunda lavagem das escadarias da Capela de João de Camargo. O ato reuniu cânticos, flores e roda de samba em lembrança aos 83 anos da morte do líder negro e reafirmou a luta contra o racismo religioso. Estiveram presentes o Templo de Umbanda Mamãe Oxum Baiana Maria Luziara e o Mestre Zé Pilintra, que prestaram tributos e valorizaram as tradições de matriz africana.

A limpeza simbólica dos degraus, realizada com flores brancas e água perfumada, tem origem em práticas afro-brasileiras e representa purificação, renovação espiritual e preservação da memória coletiva. O gesto também remete ao período da escravidão, quando, proibidos de realizar seus cultos dentro das igrejas católicas, os negros passaram a ocupar as escadarias, transformando-as em território de fé e afirmação cultural.

Rafael Filho, jornalista formado pela Universidade de Sorocaba (Uniso) e integrante da comunicação da Comissão de Trabalho Mista Viva Nhô João de Camargo, destacou o significado do ritual. “A lavagem das escadarias é muito importante porque remete ao nosso passado, quando os negros escravizados tiveram que resistir à proibição de realizarem seus atos religiosos dentro da Igreja Católica. É sempre um lembrete de que, se vocês fecham a porta da igreja para nós, nós vamos continuar a nossa celebração afro-brasileira nas escadarias, com as portas da igreja fechadas mesmo.”

Figura marcante da história sorocabana, João de Camargo foi um homem negro escravizado que se tornou referência espiritual e social ao acolher a população pobre e fundar uma escola para crianças negras em um período de exclusão educacional. Sua trajetória permanece como símbolo de fé, solidariedade e enfrentamento ao preconceito, consolidando a capela como espaço de valorização cultural.

Elaine Machado, psicóloga formada pela Unesp, pesquisadora de culturas africanas e coordenadora da CTM – Viva Nhô João de Camargo, ressaltou a atuação do líder não apenas no campo religioso, mas também como agente social no combate à desigualdade. “João de Camargo foi um homem preto, que foi escravizado, chegou em Sorocaba em busca de trabalho e assumiu o compromisso com a sua ancestralidade. Nesse espaço, ele propiciou o acolhimento das pessoas pobres e pretas que eram excluídas do sistema educacional. A CTM – Viva Nhô João de Camargo tem como compromisso continuar o legado desse líder, ajudando a todos assim como ele mesmo nos ensinou.”

A vereadora Fernanda Garcia (PSOL) também esteve presente e ressaltou a relevância histórica e política da capela. “Para mim é uma grande honra participar dessa atividade, porque a Capela João de Camargo representa uma luta histórica, não só contra o processo escravocrata e preconceituoso, mas também contra o apagamento das religiões de matriz africana. Poucos vereadores vêm até aqui, mas é preciso cobrar essa presença, porque este é também um espaço político e ecumênico.”

Além dela, marcaram presença a vereadora Iara Bernardi (PT) e a equipe de comunicação do vereador Raul Marcelo (PSOL).

O encontro terminou em clima de reverência e confraternização, reforçando a capela como lugar de fé, identidade negra e cultura popular. Entre flores, cânticos e samba, a figura de João de Camargo segue viva, lembrando à cidade que a luta contra o racismo também é a luta pela preservação da história e pelo direito de existir em plenitude.

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