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O jornalismo-aparato em Harry Potter e a Ordem da Fênix (2007)

Por O jornalismo sempre esteve presente na saga Harry Potter, com o jornal Profeta Diário sendo citado em todos os filmes. No quarto filme, Harry Potter e o Cálice de Fogo, conhecemos Rita Skeeter, estereótipo da jornalista antiética e sensacionalista, que distorce falas de seus entrevistados em prol de narrativas apelativas.

Jornalismo e narrativas. É no quinto filme da série, Harry Potter e a Ordem da Fênix, de 2007, que essas duas palavras se unem definitivamente. O contexto é o seguinte: o vilão Lord Voldemort voltou à vida, e o mundo bruxo corre grande perigo. Porém, há apenas uma testemunha desse retorno: Harry Potter, única vítima sobrevivente do Lorde das Trevas. O mundo bruxo se divide entre os que acreditam em Harry e os que não acreditam.

Porém, há um desequilíbrio nessa disputa pela verdade: o ministro da magia, Cornélio Fudge, perturbado pela possível volta de Voldemort, faz um emparelhamento de interesses entre o Ministério da Magia, que dá a “versão oficial” dos fatos, e o principal jornal do mundo bruxo, o Profeta Diário. A partir daí, começa uma ampla campanha de difamação em cima de Harry e de seu mentor, Alvo Dumbledore.

O interessante de se observar é que as notícias falsas publicadas pelo jornal se baseiam em medos e desconfianças que já pairavam na opinião pública, que já desconfiava de uma ânsia pelos holofotes por parte de Harry, e já suspeitava de uma ambição de Dumbledore em assumir o cargo de ministro da magia. Dessa forma, a narrativa se inverte: quem está dizendo a verdade é mentiroso, e quem conspira está sendo alvo de uma conspiração. Essa lógica de paranoia tem amplo lastro da história do mundo real. A disputa pelo controle da narrativa é importante desde os primórdios da humanidade, mas especialmente central num mundo com imprensa.

Isso porque é conferido ao jornalista um papel de “autoridade”, de alguém que traz à tona a verdade. Essa visão, um tanto romântica e ingênua, é especialmente perigosa na disputa de narrativas, pois coloca nas mãos da imprensa um papel que vai além da credibilidade e assume o campo do poder.

O filme todo é repleto de discussões sobre o poder da verdade e de como a realidade é manipulada para a conservação do poder. A personagem Dolores Umbridge, que assume um cargo de “alta inquisidora” na escola de Hogwarts, pratica seu autoritarismo e seus métodos de tortura e silenciamento nos alunos com cada vez mais descaramento à medida em que o Profeta Diário vai ficando mais poderoso na sua manipulação da opinião pública.

Aqui, chegamos a um ponto crítico. Regime autoritário nenhum sobrevive muito tempo sem apoio popular. Esse apoio pode vir do medo ou da paixão. E ambos os sentimentos podem ser alimentados por narrativas falaciosas, distorcidas, inverídicas. Por isso, assim como no mundo real, no mundo bruxo de Harry Potter ter uma imprensa ao lado do regime é essencial para a manutenção da “ordem”. Elementos como censura de opositores e propagação de notícias falsas fazem parte do projeto de poder. Para usar uma expressão trumpista, um regime como esse se apoia em “fatos alternativos”.

Porém, em uma coisa o mundo bruxo e o mundo real de 2025 diferem. Quando o ministro da magia e demais autoridades finalmente veem com seus próprios olhos que Voldemort está vivo, o jogo vira instantaneamente: o ministro é descredibilizado, Harry e Dumbledore são “inocentados” e a opinião pública muda. Porém, nem num mundo de fantasia como Harry Potter se poderia imaginar um cenário onde, mesmo diante de provas cabais, o público, ou pelo menos uma parte ruidosa dele, se recusaria a acatar a verdade. Vivemos no mundo da “pós-verdade”, onde coisas essenciais para o fazer jornalístico, como fatos, testemunhas, evidências e a própria ideia de verdade, perderam o valor. Qual o papel do jornalista na segunda década do século XXI? Será que ainda somos caçadores da verdade?

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