Não me mate!
A coluna de hoje abre espaço para outra voz. A seguir um trecho do poema “O que nos abala”, de Ademir Barros dos Santos, que dialoga e muito com as manchetes recentes da imprensa brasileira.
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Por que maltratas quem te deu a VIDA?
O que te fiz para me olhar como objeto?
O fim do amor não pode ter outra saída?
É preciso meu sangue regando o concreto?
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Onde foi parar aquele que me conquistou com FLORes em uma MARINA?
Que me dizia todos os dias: “te escolhi para ser a mãe do meu filho”
Que apaixonado escreveu no espelho: “é você que eu amo CARINA”
Que com gentilezas na frente dos amigos enaltecia meu brilho
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Hoje o que vejo são minhas irmãs tendo suas vidas devastadas
A cada dia é uma nova notícia de um futuro ceifado
Casas, famílias, filhos e filhas ficando desamparadas
E os discursos se repetem: “fiz pelo ciúmes que me tem cegado”
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Suas lágrimas, flores e chocolate não me comovem mais
Por muito tempo, cega de amor cedi ao: “amor retire o BO”
Me arrependo de não ter escutado a amiga que ouvia meus ais
Pensei que tinha um companheiro, mas na verdade sempre estive só
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Por vezes pedia à Deus: “Pai, não aguento mais, porque não me lEVAs”
Foram momentos de desespero, na cozinha, no carro e elevador
Não via caminhos, portas e nem luz para me tirar daquelas trevas
Hoje posso conviver com marcas, mas não mais me causas dor
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Agradeço a minha mãe, que por minha vida, pediu em roMARIA
Além da justiça humANA, pela khármica serás julgado
Pois o destino via, quando do meu sofrimento, você sorria
E no fogo do inferno não poderás dizer: “ela me fez culpado”
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Somente um levante feminino trará solução?
O masculino terá que assumir sua missão
Para que o feminicídio não fique só na televisão
E eu possa parar de gritar: “Não me mate mais não”
Até quando precisarei clamar: parem de nos matar?
Será que só com campanhas isso SARA?
Acho que não, pois “só conhece a dor do tiro, quem no peito apara a bala”*
*Poema “O que nos abala”, de Ademir Barros dos Santos, disponível em https://pordentrodaafrica.com/artigos/africa-em-verso-o-que-nos-abala

