Dia do Feirante destaca a importância do comércio popular nas cidades
O comércio a céu aberto é comemorado dia 25 de agosto por consequência do Ato 710 de 1914, instituído pelo prefeito de São Paulo, Washington Luís
Por: Paola Ferreira e Sabrina Alves (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Na Idade Antiga, devido ao surgimento das primeiras cidades, as trocas comerciais estiveram localizadas em centros específicos onde as pessoas concentravam-se para a venda e a compra de mercadorias de seu interesse. Os centros comerciais apresentam evoluções diferentes nesse período conforme as civilizações, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Todavia, os modelos atuais de feira vieram da Baixa Idade Média, a partir do século XI.
No Brasil, colonos portugueses trouxeram o modelo de feira livre e desde a formação da Vila São Paulo, no século XVI, que daria origem à cidade de São Paulo, há relatos de grandes bancas com verduras nas ruas comerciais. Além disso, o modelo comercial em pequenos vilarejos denominava-se “hortifrutigranjeiro” – barracas que vendiam verduras, frutas, hortaliças e animais criados na granja, como aves.
A feira do Largo General Osório tornou-se uma das mais populares em São Paulo em 1914, que, até nesse ano, acontecia de forma desorganizada e não-periódica – não apenas esta, como outras que ocorriam na cidade. Por isso, o então prefeito de São Paulo, Washington Luís, por meio do Ato 710, de 25 de agosto daquele mesmo ano, instituiu a criação de mercados abertos como meio de regulamentar minimamente as feiras livres. Graças ao Ato, o problema da organização e periodicidade foi resolvido e a data passou a ser lembrada e comemorada como o Dia do Feirante em todo o Brasil.
Histórias de vida na feira
Na cidade de Sorocaba, o comércio a céu aberto ainda tem visibilidade, como a feira da CEAGESP, conhecido como Varejão e é realizada às quartas-feiras – das 17h às 22h – e aos sábados – das 7h às 13h –, sendo considerada referência na cidade.
As feiras não são apenas lugares de negócios, elas também servem de cenário para histórias de vida, de aprendizagem e de transformação. “Aprendo muito com as pessoas”, relata Viviane Motta, 43 anos. Viviane trabalha na CEAGESP desde 2007, sua barraca tem como foco o público infantil e a cada quarta-feira vivencia momentos únicos: “lidar com criança é maravilhoso, ter mais contato com o cliente e conversar diretamente com ele”. A feirante é formada em gastronomia há 20 anos, não exerceu a profissão e nem se arrepende disto, ela descobriu uma nova vocação e afirma ter sido uma das melhores escolhas de sua vida: “adoro trabalhar aqui, estar com meus amigos o período todo de serviço. Não tem dinheiro que pague isso!”
A geração atual de jovens também se interessa pelo comércio aberto, como é o caso dos amigos Lívia de Lima Costa e Caique Morales Sanches, ambos têm 18 anos. Os dois colegas trabalham em barracas na feira livre. Lívia iniciou sua jornada de feirante este ano, em abril, numa barraca de comida oriental, juntamente com outro colega seu, Leonardo Shimada: “trabalhar com ele é leve e gostoso, nem parece que estou trabalhando”. A jovem fala sobre suas dificuldades no ofício e a assistência que lhe é dada por Shimada nos períodos árduos: “trabalhar na feira não é tão fácil quanto parece. Há dias em que não vendemos nada e outros em que é muita correria – assim como há a questão do cansaço –, mas com o Leonardo ao meu lado isso não é um problema. Ele busca olhar o lado positivo.”
Sanches ingressou no mercado aberto com a finalidade de aprimorar seu desenvolvimento acadêmico, cursa Gestão de Marketing e a sociabilidade é um dos fatores primordiais na sua área: “o contato com as pessoas e fornecer um atendimento de qualidade e educação para os clientes é algo essencial para um profissional da área da comunicação, isto enquadra-se igualmente com o relacionamento da equipe, principalmente em momentos estressantes.”

Gabriel Rodrigues, 18 anos, trabalha atualmente como repositor da parte de hortifrúti no Atacadão, antes atuou em uma lanchonete e em uma indústria especializada de temperos. Posteriormente a esses três serviços, aos 14 anos, trabalhou na CEAGESP, onde adquiriu seu conhecimento sobre alimentos e aprendeu a atender seus clientes: “uma mulher veio elogiar meu serviço uma vez, pois fui educado e o produto estava ao seu agrado. Aquilo me marcou muito, porque ela gostou do que eu fiz.”
Não só de amores fraternos e experiências profissionais são feitas as feiras, há também histórias de amor e legado. José Antônio Ginjo, 71 anos, e Elizabeth Mendes, 66 anos, iniciaram sua história em uma barraca de roupas há 50 anos. Ginjo trabalhava com seus pais desde os 13 anos. Ele assume que no começo não gostava do ofício, mas, conforme os anos foram passando, adaptou-se à feira e se tornou destaque em vendas: “nunca esquecerei do dia que fiz minha maior venda! Vendi mil blusas de lã num único dia”. Já sua esposa, Elizabeth, iniciou aos 16, sendo funcionária de sua futura sogra, trabalhou para manter a mãe e os irmãos mais novos e relembra com saudades os tempos de barraca: “eu faria tudo de novo, sem pensar. Eu gostava muito de conhecer pessoas de todos os cantos do Brasil e das amizades que tínhamos um com o outro na feira – sem inimizade ou concorrência.” O casal permaneceu na feira por longos anos antes de irem para uma loja convencional – eles montaram um comércio fixo no centro de Sorocaba. Nesse tempo como feirantes, em meio a barracas, viagens à Aparecida do Norte e grande fluxo de pessoas, criaram seu filho José Augusto Ginjo, 48 anos, também conhecido como Guto que, desde novo, trabalhou ao lado dos pais na barraca de roupas. Depois de alguns anos, ele também montou sua loja própria, e, assim como Rodrigues, desenvolveu habilidades para trabalhar com o público: “segui os passos do meu pai”. Guto conta um episódio curioso sobre sua carreira de vendedor, “quando eu tinha 9 anos, um colega feirante nosso foi à rodoviária tomar café e pediu para eu olhar a barraca dele. Ao voltar, toda a mercadoria tinha sumido e eu não estava lá. Ele desceu à barraca do meu pai desesperado achando que o tinham roubado e me sequestrado, mas na verdadeira eu tinha vendido toda a mercadoria e lhe dei o dinheiro.”
Aparecida do Norte, a maior feira do Brasil

Inaugurada em março de 1980 e localizada na Avenida Monumental Papa João Paulo II, a feira da cidade de Aparecida do Norte é local de referência para turistas e peregrinos no Brasil, assim como para feirantes que buscam abrir seu negócio. Composta por mais de duas mil barracas, os visitantes têm acesso a diversos produtos como lembranças de Aparecida.
Até novembro de 2024, a feira funcionava todos os dias da semana. Devido a uma decisão judicial, a feira livre passou a funcionar apenas de quinta-feira a domingo e, após o horário de funcionamento, as barracas são desmontadas.
De acordo com o documento assinado pela juíza Rita de Cássia Magalhães, as barracas foram instaladas permanentemente na avenida, atrapalhando o movimento pela via e tornando o local insalubre. A juíza também aponta que o poder público “permitiu, de maneira irresponsável, verdadeiro retrocesso na ocupação do espaço público […] Lixo acumulado, fezes de animais e [de] humanos, sem ventilação, coberto por lonas altamente inflamáveis, com feirantes utilizando-se de energia elétrica provenientes de ‘gatos’, sem corredores para viaturas e ambulâncias, sem saídas de emergências e houve um retrocesso na substituição das lonas inflamáveis por materiais não sujeitos à imediata combustão.”