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Como a violência e o apagamento de identidades podem levar à depressão e ao suicídio?

Especial Série Setembro Amarelo – De acordo com um relatório foram encontrados 26 tipos de “terapias de conversão” para sexualidade e identidade de gênero no Brasil

Por Ana Torres (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

As conquistas da comunidade LGBTQIAPN+ são muito recentes. Há 35 anos atrás, ser homossexual era considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para a comunidade trans o ganho só veio em 2019.

Entretanto as violências permanecem recorrentes, minando a perspectiva de vida e deixando a comunidade LGBT+ vulnerável a tendências depressivas e suicidas.

“Sejam héteros, homens e mulheres de ‘verdade’”

Há uma expectativa social para que todas as pessoas performem um padrão heterossexual e cisgênero, definido a partir do sexo de nascimento, que de acordo com o psicólogo e mestrando em Estudos das Condições Humanas pela UFSCAR, Jhonatan Saldanha do Vale, de 25 anos, essa pressão social é denominada pelo termo Hétero Cis Sexualidade Compulsória.

Neste cenário, o preconceito estrutural desenvolve uma série estratégias para “curar” os traços de identidade dessa comunidade. De acordo com o relatório “Entre ‘curas’ e ‘terapias’: esforços de ‘correção’ da orientação sexual e identidade de gênero de pessoas LGBTI+ no Brasil”, esse é um movimento que se inicia desde a infância, partindo de familiares, instituições religiosas e escolas.

“É um processo cruel, eu vejo como uma tentativa de extermínio mesmo. Dizer que precisa de cura quando não há doença é uma crueldade”, comenta a ativista trans e conselheira tutelar de Sorocaba, Thara Wells, Mestra nos Estudos da Condição Humana pela Unopar. Saldanha complementa que “por muito tempo a medicina, a psicologia e a ciência acabaram colaborando com a perspectiva dos corpos que deveriam ser adequados a uma norma padrão, e isso era aceito e visto como uma função da ciência”.

Jonathan continua dizendo que os impactos dessas “terapias” são muito negativos, afetando a construção de identidade e perspectiva de futuro, quando há uma reação negativa constante a como ela se entende como pessoa.

Bullying e Rejeição

Dentro do ambiente escolar, a comunidade LGBT é alvo recorrente de bullying. De acordo com a “Pesquisa Nacional sobre o Bullying no Ambiente Educacional Brasileiro” (2024), feita pela Aliança LGBT, 90% dos estudantes entrevistados já sofreram uma agressão verbal, 34% de violência física, sendo que dentro deste número, os estudantes trans representam 34%.

A resposta das intuições não se mostra satisfatória, dado que “2 em cada 10 escolas informaram ter projetos sobre enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIA+. E isso representa apenas 22,1% das 74.539 escolas que participaram da edição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), em 2021”, aponta o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)

Gustavo Monticelli Guebert, de 31 anos, expõe que sua vivência na escola como um homem gay foi muito difícil “eu sempre tive uma questão muito forte com bullying desde criança. […] E eu sempre fui o que hoje em dia a gente chama de criança viada” ele continua dizendo que era mais afeminado, mais sensível, gostava de “coisas de meninas”, além de que neste período lidava com os hábitos do TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). “Eu sempre estudei na mesma escola, então aquela imagem me acompanhou e eu nunca conseguia reverter […] chegou em um ponto que o bullying até parou, mas o que ficou foi a exclusão, era isso que me pegava, eu me sentia rejeitado.”

A rejeição no período de infância e adolescência afeta a construção pessoal do indivíduo, explica Vale, “como eu vou construindo a minha visão sobre mim mesmo? Como uma pessoa que não é desejada, que nunca vai ser respeitada, que não merece amor e carinho”. É neste período, entre 12 e 18 anos, que se forma a construção da ideia sobre si, os outros e a sociedade como um todo.

Acesso e permanência ao mercado formal de trabalho

“Em 30 anos de prostituição eu nunca me senti tão acuada, desrespeitada e tão violentada do que quando eu decido entrar para o mercado formal de trabalho” fala Thara.

Thara Wells conta ainda que só tomou a decisão de mudar de vida, após perceber que não tinha virado mais uma dentro das estáticas, visto que de acordo com a Antra, no ano de 2024 houve uma média de 10 assassinatos por mês, e a expectativa de vida de uma mulher trans é de 35 anos.

No Mapeamento das Pessoas Trans no Município de São Paulo, 46% das travestis e 34% das mulheres trans entrevistadas se declararam profissionais do sexo, e 57% da comunidade trans como um todo não tinha nenhuma formação técnica ou especializada.

“Entre acesso e permanência tem uma distância gigantesca” expõe Thara, “então eu vejo que tem um plano com uma articulação cis normativa que age tentando te dizer que você não é bem-vinda ali”.

Referenciando Meyer, Jhonatan fala que essa contante exposição à violência e à discriminação pode levar ao Estresse de Minoria que, de acordo com o psicólogo, isso afeta diretamente a saúde mental do indivíduo.

Acesso a Saúde

Na área da saúde o descaso é alarmante, de acordo com o Relatório Técnico nº3/2023 Saúde da População LGBTQIA+, a comunidade carece de saúde em diversos setores:

  •  Das mulheres lésbicas que buscam serviço de saúde, 40% não revela sua sexualidade, das que contam 28% relataram um atendimento mais rápido e 17% afirmaram não terem sido pedidos alguns exames necessários;
  • 45% da população trans paulista afirma sentir falta de algum tipo de acompanhamento de súde; em primeiro lugar, com 46% de indicações, a endocrinologia, seguido de tratamentos ginecológicos, com 34% de ocorrência, e por último psicólogos e psiquiatras, em 23% dos casos;
  • Os serviços ambulatoriais transexualizador especializados só foram acessados por 4,6% das pessoas. 84,7% não tinham acesso ao serviço “o que leva as pessoas trans ao uso indiscriminado de medicamentos e substâncias não apropriadas para o processo de mudanças corporais”;
  • E, por fim, 74,1% da população trans relatou ter sido maltratada nos serviços de saúde.

No cenário de Sorocaba, Thara expõe ainda que o Ambulatório de Hormonioterapia da cidade, inaugurando em 2018 com apoio do Ministério Público, foi fechado por pressão política pelo mesmo órgão. O serviço sofre com aberturas e suspensões constantemente e atualmente se encontra suspenso.

Thara indica que há uma tendência suicida entre as pessoas da comunidade trans, principalmente no período da adolescência, o que piora com o descaso e a falta de atendimento adequado. “O adolescente transgênero que não tem acesso a hormonioterapia por conta da idade, não tem acesso a acompanhamento psicoterapêutico por conta da vulnerabilidade, e quando tem não encontra profissionais capacitados para atender, ele só vai querer dar fim a isso mesmo.”

Jhonatan complementa falando que há poucos profissionais preparados para acolher essa população, “ainda não se entende o que é identidade de gênero, o que é orientação sexual […] ainda não se respeita o básico, como por exemplo o nome social, onde algumas unidades de saúde nem tem esse campo ou não o preenche da forma correta”. A invisibilização leva a pessoa a nem falar quais são as suas demandas de saúde, porque o estigma chega antes do atendimento.

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