Nos corredores do conservatório
Uma tarde na capital nacional da música
Por Camila Alves (Agência Focas- Jornalismo)

Na lateral da movimentada Rua São Bento, em Tatuí, já era possível ouvir os sons. Ao passo que caminhávamos para dentro do Conservatório de Tatuí, as notas musicais ficavam cada vez mais audíveis. Uma mistura de flautas, violões, cavaquinhos e outras dezenas de instrumentos, compunham a trilha sonora na entrada da maior e mais importante escola de música de toda a América Latina.
Andando pelo pátio, sotaques de diferentes países. O Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí – ou apenas Conservatório de Tatuí, criado por uma lei estadual em 1951 e fundado em 11 de agosto de 1954, comemorou, em 2024, 70 anos de existência. De lá para cá, inúmeros alunos foram formados, entre eles, vários de outros países, que buscam o local para, principalmente, se aperfeiçoarem em música brasileira. “Estou dando aula para um aluno de intercâmbio agora. Já tive contato com estudantes de várias nacionalidades, até um de Cabo Verde, na África, né?”, comentou Felipe Brisola, professor de música formado pela escola, enquanto caminhava e apontava para seu aluno Norueguês, que seguia em direção à sala de aula.
Entrando nos corredores do prédio, as luzes eram baixas. Não se ouviam vozes, apenas músicas, dos mais diferentes gêneros. As salas de aula eram diferentes das convencionais. Pequenas e com isolamento acústico, acumulavam instrumentos de todas os tipos, alguns até difíceis de serem identificados, tamanha exoticidade. Numa escola como essa, ninguém anda com cadernos e canetas em mãos. Trazem consigo os suportes instrumentais, muitas vezes, nas costas e, nas mãos, apostilas com partituras. Quem não pode perder tempo, vai parando em cada canto do conservatório para estudar, e, assim, as melodias se misturam, resultando em uma sonoridade única.
A tarde daquele 1 de outubro não decepcionou: céu completamente azul, sol forte, dia bonito. A temperatura chegava aos 36 graus celsius. O calor intenso fez o Coordenador da matéria de Música Popular Brasileira, e também aluno egresso, Jotagê Alves, se abrigar nas sombras das árvores que rodeavam a área de convivência, abanando-se com uma folha sulfite. “No início dos anos 70, quando comecei a estudar aqui, o foco do conservatório era a música erudita. A ideia inicial, então, era que todos os alunos entrassem em orquestras renomadas. Tenho muito orgulho de dizer que, hoje, ensinamos diversos gêneros musicais, inclusive a MPB, que coordeno.”
Durante os 70 anos de existência, o Conservatório de Tatuí passou por diversas mudanças estruturais. O prédio foi aumentado, salas anexadas, o teatro Procópio Ferreira construído e polos em outras cidades fundados. Com mais de cinquenta cursos livres e regulares, bolsas de estudos e auxílio moradia, a instituição, que fica a 130km da capital paulista, coleciona bons feitos e músicos conceituados formados pela escola. “Um dos maiores orgulhos da minha vida é ter sido aluno desse lugar e, hoje, poder lecionar e coordenar esse curso que amo”, completa Jotagê, ainda se abanando.

Dividindo-se entre uma aula e outra, Felipe Brisola, o professor de música brasileira, voltou ao pátio. Com a camiseta molhada de suor, pelo calor intenso, seguia caminhando pela escola e sempre sendo parado por alunos que, ora o cumprimentavam, ora abordavam para tirar dúvidas. Entre uma conversa e outra, relembra como sua paixão pela música começou.
“Meu pai é músico, então, consequentemente, eu e meu irmão somos também. Cresci em uma casa repleta de instrumentos. Lembro que todos ficavam na sala, espalhados. Vim de Itapetininga para cá (Tatuí) estudar violão clássico, mas depois me apaixonei pelo contrabaixo, instrumento que me formei e dou aulas até hoje.”
Por volta das 17h, o sol já era menos intenso. Uma leve briza refrescou a caminhada pela instituição. Nesse momento, um grupo de crianças carregava instrumentos – alguns, até maiores que elas mesmas – em direção a uma sala. A imagem de uma faculdade, ou de uma escola de curso superior, parecia ficar confusa com aquelas figuras, tão pequenas e inocentes, presentes.
Ao ser indagado, Jotagê esclareceu: o conservatório também oferece aulas para crianças, a partir dos oito anos de idade, com o curso de musicalização infantil. “Nós oferecemos aulas para as crianças, elas se preparam e, depois, aos quatorze anos, podem, de fato, escolher um curso específico. Muita gente não sabe disso, e se perguntam o que essas crianças estão fazendo aqui. É importante para nós fazer com que essas informações, inclusive a de bolsas e auxílios, cheguem até a população. Assim, a gente consegue atrair cada vez mais estudantes.”
Com o fim da tarde, a noite se aproximava. Sons de buzina e carros acelerando, ocasionados pelo horário de pico, não ofuscaram a musicalidade do Conservatório de Tatuí. Era algo quase intrínseco do local. Os alunos do período noturno iam passando pela catraca, muito característicos, com seus respectivos instrumentos. Os futuros bons frutos da capital nacional da música.