Profissionais da ciência comentam dificuldades ao conciliar desafios da profissão com a maternidade: ‘Deixei de ver minha filha dar os primeiros passos’
Adriana Martins e Sandra Masalskiene são profissionais de diferentes áreas da ciência e, mesmo assim, convergem em um ponto pouco explorado: o peso da profissão durante o capítulo da maternidade
Por Diogo Del Cistia Fabrízio Setti, João Pedro de Andrade Gonçalves, João Pedro Torres e Laís Rodrigues dos Santos (Focas na Ciência e Agência Focas- Jornalismo Uniso)

“Na vida, não existe nada a temer, mas a entender”. A frase, considerada uma das mais lembradas e comentadas no mundo da ciência, foi dita pela emblemática cientista polonesa Marie Curie, responsável pela descoberta de elementos químicos da tabela periódica.
O que foi dito por Curie, com seu contexto original à parte, pode dar margem a diversas interpretações. Entre seus vários significados ou vários desafios a serem enfrentados, procuramos entender melhor a maternidade.
Adriana Martins, de 56 anos, começou a trilhar sua trajetória científica a partir de seu ingresso na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), no campus Piracicaba (SP). Desde o início, ela já possuía intenções de seguir na carreira como pesquisadora.
“Tenho mestrado e doutorado na área de fitotecnia, ou seja, no cultivo de plantas perenes. A ciência sempre me fascinou, então, eu sempre me preparei desde a graduação, porque eu sabia que era isso que queria fazer. Eu queria ser cientista. Sempre adorei estudar e descobrir novidades”, lembra. A porta de entrada para o mundo da pesquisa foi na Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Neste ano, ela completará duas décadas trabalhando no mesmo lugar.

“Basicamente, eu trabalho com a parte de adaptação de variedades das plantas perenes. Quais são elas? O café, a seringueira, a banana, o maracujá e afins, voltada para a adaptação regional em diversas localidades do estado”, comenta.
Apesar de estar na carreira que tanto sonhou desde o início de sua graduação, a engenheira pontua que passou por diferentes obstáculos durante a construção do “eu profissional”. A maior delas começou a partir da chegada de sua filha única, Júlia Martins, hoje formada em Jornalismo.
“A área da pesquisa é algo que demanda muito de nós. Viajamos muito, nos ausentamos com frequência. Eu perdi muita coisa. Eu deixei de ver minha filha dar os primeiros passos por conta das viagens. Aquela história de filmar, de ter os primeiros momentos da vida da criança, não existiu comigo”, lamenta.
Mesmo estando ausente em momentos importantes, a cientista de Marília (SP) não se arrepende da carreira que escolheu. Hoje, ela e a filha estão separadas por 350 quilômetros de distância, já que Júlia seguiu a vida em Sorocaba (SP). Porém, estão juntas sempre que podem.
“Eu saí para uma viagem e quando voltei, a Júlia estava andando. Nós perdemos tempo e algumas situações, mas, por outro lado, aprendemos a dar valor para o tempo que temos junto dos filhos. Tudo que eu tive que abrir mão valeu a pena. Não faria nada diferente, já que eu consegui atingir tudo aquilo que eu queria”, diz.
“A vida de cientista nunca termina. Todos os dias estou entendendo algo novo. Tudo aconteceu da forma que tinha que acontecer e minha filha também está trilhando a vida dela da forma que ela quis. Nunca interferi em nada. Isso faz parte”, complementa.
Adriana explica que, hoje, é classificada como uma pesquisadora nível seis na escala da secretaria, ou seja, a patente mais alta. As funções já foram mais variadas, porém, a redução veio em consequência de um corte de funcionários.
“Eu também trabalho muito com a produção de mudas e enxertia, mas, precisamos dar uma afunilada. A pós-graduação foi uma das partes mais importantes. Por causa dela, temos contato direto com as universidades de todo o país, seja ela pública ou privada. Trabalhamos diretamente com alunos, seja de pós-graduação ou não”, explica.
Sob a ótica de Adriana, a ciência está sofrendo um processo de desvalorização profissional. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estima que, no Brasil, 43,6% dos profissionais da ciência são mulheres, no entanto, a cientista acredita que o número geral de pesquisadores tem diminuído cada vez mais.
“De um tempo para cá, a ciência é sim uma área que chama bastante a atenção das mulheres. Nós temos uma certa tranquilidade para trabalhar. A área de pesquisa tem sido cada vez mais reduzida aqui no Brasil, ao decorrer dos governos. Muita gente tem saído daqui porque não acha um local com boas condições para trabalhar”, revela.

O ato de entender também trouxe reflexões e mudanças para a cientista Sandra Masalskiene, de 53 anos. Com experiência no ramo da engenharia ambiental, ela atua como professora no campus Sorocaba da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp) desde 2004.
À agência, ela pontua que, apesar de ter passado dificuldades cotidianas no ramo profissional que escolheu seguir, acredita ter sido privilegiada por estar na mesma área de trabalho que seu marido.
“Por ele ter escolhido o mesmo que eu e vivido muitas das coisas que vivi, eu tenho uma rede de apoio. Sinto que, por muitas vezes, ele pôde entender o meu lado e sentir as mesmas coisas que eu sinto”, compartilha.

Sandra, que além de professora é chefe do Departamento de Engenharia Ambiental, teve dois filhos com seu marido: Lucca, de 18 anos, e Davi, de 14. Para ela, a conciliação da maternidade com o ramo profissional foi um tanto difícil.
“Na primeira vez que tive filhos, a licença-maternidade era apenas de quatro meses. No começo, eu tive que fazer apenas o básico da minha profissão”, conta.
Sandra afirma que, no começo, o cansaço era uma sensação recorrente. Na pausa entre as aulas, a produção do trabalho não era tão boa quanto antes.
“Logo depois que eles nasceram, eu tentava ler alguma coisa ou escrever algum artigo na pausa do almoço, em algum horário de descanso ou fora do trabalho. Mas o cansaço batia rapidinho. A maternidade não é fácil em nenhum contexto”, recapitula.
Olhando para trás, a engenheira considera as “barras pesadas” como um período essencial para refletir e entender melhor a como seguir a vida. Agora, com um dos filhos já na maioridade e outro na adolescência, ela segue a carreira normalmente e está se preparando para assumir a vice-reitoria do campus no mês de maio.
“Eu gosto de olhar pelo lado positivo. A maternidade me ajudou muito em ser professora, em ser didática. Por conta disso, eu consigo entender melhor não só os meus filhos, mas também os meus alunos. Se fosse hoje, eu procuraria fazer as coisas de uma maneira mais equilibrada”, finaliza.