“Todo dia a mesma noite” de Daniela Arbex é uma obra atemporal de resistência e esperança
Resenha: O livro-reportagem lançado em 2018 e reimpresso em 2023 retrata as múltiplas tragédias decorridas do incêndio da Boate Kiss em 27 de janeiro.
Por Laura Machado (Agência Focas – Jornalismo Uniso)
“Todo dia a mesma noite” marca o início da parceria entre Daniela Arbex e a editora Intrínseca. Seus dois primeiros livros, “Holocausto Brasileiro” e “Cova 312”, foram publicados pela Editora Geração Editorial. Porém, não é apenas a editora que diferencia o terceiro livro de Arbex de suas publicações anteriores.
Em suas primeiras obras, a autora apresenta uma estrutura linear, porém explora estruturas não lineares e a alternância de perspectivas e temporalidades em seu terceiro lançamento. Essa construção narrativa faz todo sentido quando falamos de uma tragédia tão ampla quanto a da Boate Kiss, quando falamos de 242 vítimas, entre muitas outras vidas afetadas. Não existe linearidade correta, o luto e a luta não respeitam uma linha de temporalidade. Eles acontecem a todo momento, as lembranças de dias tão dolorosos não respeitam ordem cronológica, não pedem permissão para vir.
É dessa forma que Daniela explora a memória como uma das grandes potências do livro, detalhando a rotina de cada entrevistado naquele fatídico 27 de janeiro.
O formato com que a autora introduz as histórias dos pais das vítimas nos envolve. Ela conta aos poucos como passaram a noite da tragédia, nos fazendo sentir a agonia junto com eles. Ao intercalar as histórias, sem dar respostas rápidas sobre o que aconteceu com os filhos, ela reforça o que aqueles pais sentiram: ansiedade, desespero e a vontade de saber se estava tudo bem, se os filhos estavam vivos ou mortos. Ao longo do livro, muitas histórias também começam a se entrelaçar e começamos a entender melhor a produção narrativa e a escolha de cada personagem.
Para além da história das famílias, Arbex conversa com profissionais que atuaram no resgate, na hospitalização e transporte das vítimas. Essas histórias mostram a dor que consumia também os profissionais, que precisavam se manter estáveis e conscientes para trabalhar e ajudar a salvar a vida daqueles jovens, inclusive quando encontravam conhecidos em meio às vítimas. O profissionalismo de Daniela fica claro no cuidado e na apuração para apresentar termos técnicos e legais, detalhando todos os processos ocorridos durante e após a tragédia, ainda atualizando informações na edição de 2023.
A autora dá espaço para as emoções e memórias de cada história, ao mesmo tempo que traz à tona denúncias de desrespeito com as famílias, apontando negligências da mídia, do governo, da justiça e dos próprios moradores de Santa Maria.
O luto é atemporal, a juventude é atemporal, a maternidade, a paternidade, tudo o que pode ser afetado pela tragédia em Santa Maria e sentido por qualquer ser humano empático, é atemporal. Tudo isso faz com que “Todo dia a mesma noite” seja para sempre uma obra que traz reflexão, indignação, compaixão e esperança, além de um exemplo de cobertura jornalística.
