“Gomorra” de Roberto Saviano é a realidade que a máfia não quer que você veja
Por Graça Helena (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

O jornalista Roberto Saviano tinha apenas 26 anos quando decidiu usar suas palavras, em vez de uma arma, para lutar contra a violenta máfia napolitana, a Camorra. O resultado foi o livro “Gomorra: a história real de como o poder da máfia se infiltrou na Itália e no resto do mundo”, publicado em 2006, uma obra de retrato cru, detalhado e verdadeiro de uma realidade que ele conhecia de perto, afinal Savaiano cresceu na Campânia, na Itália. O livro não só expôs a estrutura, os negócios e a brutalidade da Camorra, como também transformou a vida de Saviano para sempre, tornando-o alvo da família mafiosa e o forçando a viver com escolta policial 24 horas por dia.
Como o título original sugere, “Gomorra” é uma palavra que remete a cidade bíblica de pecado e destruição, mas também é um jogo de palavras com o nome da máfia “Camorra”, nos fazendo ter uma breve ideia da jornada que a obra irá nos levar. Contado em primeira pessoa, o escritor mistura a experiência pessoal com investigações densas, exaustivas e aflitivas. Ele se infiltra nos “negócios da família”, trabalhando em portos, fábricas e até em canteiros de obras, testemunhando o controle que a organização exerce sobre a economia, a vida cotidiana e as pessoas.
O que o autor revela não é a imagem romantizada de filmes e séries, como o código de honra do “Poderoso Chefão” de Francis Ford Coppola, o estilo de gângster de “Os Intocáveis” por Brian De Palma, ou mesmo o drama psicológico de David Chase em “Os Sopranos”. A realidade é um monstro burocrático, uma empresa transnacional que lucra com o tráfico de drogas, a construção civil, a moda, a coleta de lixo e a exploração de imigrantes, e são nesses cenários que livro nos leva, como a entrega de roupas de grife em fábricas clandestinas, a cenas de horror no descarte de resíduos tóxicos que envenenam o solo da Campânia, entre muitos outros momentos vívidos de leitura que nos fazer se imaginar na própria pele de Saviano.
Mesmo com uma narrativa não linear, conseguimos nos guiar através de uma série de histórias interligadas, como um repórter de guerra que documenta cada batalha. A vida dos “soldados” da Camorra é mostrada em toda a sua tragédia e banalidade. Ele fala dos jovens
que trocam a infância por uma arma, das mães que perdem seus filhos para a violência e da submissão dos comerciantes que precisam pagar a taxa de proteção.
O livro teve um impacto enorme, e, em pouco tempo, se tornou um best-seller global traduzido para dezenas de idiomas. Sua força reside na honestidade e na coragem de um autor que não tem medo de apontar os famosos que, como, onde, quando e por que. “Gomorra” não é apenas um livro sobre a máfia mas sim uma denúncia sobre a corrupção, a impunidade e a falha do Estado em proteger seus cidadãos.