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Silenciado pela ditadura, Vladimir Herzog continua a falar por um país inteiro

50 anos depois, o Brasil ainda ecoa o grito que nasceu de seu silêncio, e o Instituto Vladimir Herzog nos lembra que esquecer também é uma forma de violência

Por Letícia Américo Camargo (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Entre papéis e palavras, Vladimir Herzog acreditava que a verdade era sua melhor arma | Foto: Instituto Vladimir Herzog

O corpo de um homem foi encontrado em uma cela do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) durante o regime militar. Diziam que ele havia se enforcado, mas seus pés tocavam o chão. Era o dia 25 de outubro de 1975, e o país vivia sob o silêncio imposto pela ditadura. A vítima era Vladimir Herzog, jornalista, professor e pai de dois filhos, mas a notícia de sua morte atravessou as paredes do medo e acendeu uma chama que nem o regime conseguiu apagar.

Seis dias depois, no dia 31 de outubro, o que deveria ser uma cerimônia religiosa se transformou em um grito coletivo. Cerca de oito mil pessoas caminharam até a Praça da Sé, em São Paulo, em uma das maiores manifestações contra as atrocidades cometidas pelo regime militar. Meio século depois, familiares, amigos, jornalistas e cidadãos voltaram ao mesmo local não apenas para homenagear Herzog, mas para lembrar que a democracia se sustenta na coragem de quem ousa lutar.

Nascido na Croácia, sua família, judia, mudou-se para a Itália fugindo do nazismo e depois, perseguida pelo fascismo, emigrou para o Brasil. Vlado, seu nome de batismo, não era bem visto por ele, que logo adotou Vladimir, e após ser naturalizado brasileiro iniciou sua carreira na filosofia, mas a comunicação era seu destino.

Professor da USP (Universidade de São Paulo) e diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, Herzog começou a ser vigiado pelos agentes da repressão, pois era um democrata e próximo de militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 25 de outubro de 1975, foi convocado para depor no Doi-Codi, o órgão repressivo do regime, em São Paulo, onde foi submetido a longas – e desumanas – sessões de tortura e acabou não resistindo.

Ele tinha apenas 38 anos quando foi dado como morto. Vlado se tornou parte das centenas de pessoas que lutaram pela democracia do país. A versão oficial de sua morte foi descrita como um suicídio por enforcamento, dentro das dependências do local, e a foto divulgada pelos militares gerou revolta na sociedade que, mesmo durante o Ato Institucional Número 5 (AI-5), foi às ruas em busca de justiça.

Um relato da Congregação Israelita Paulistana (CIP) conta que Vladimir Herzog foi enterrado em um caixão fechado, para que ninguém pudesse ver seu corpo. Entretanto, durante o ritual de limpeza e preparação, prática comum na tradição judaica, um dos funcionários percebeu marcas e hematomas no corpo. Ele então entrou em contato com o rabino Henry Sobel para informar que, em caso de suicídio, o enterro deveria ocorrer em uma ala específica do cemitério. Após ouvir o relato, Sobel concluiu que se tratava de um assassinato e determinou que Herzog fosse sepultado em uma ala nobre, com as honras devidas a uma vítima da violência do regime.

Hoje, o Instituto Vladimir Herzog continua a espalhar sua voz através do prêmio que leva seu nome, reconhecendo jornalistas que transformam indignação em esperança. Estimulando a luta pela democracia, a intenção é trazer para a mídia temas como direitos humanos, escravidão, violência, povos nativos, comunidade LGBTQIAPN+ e tantos outros. Em sua 47° edição, a premiação não só homenageia o jornalista, mas dá coragem para que mais pessoas lutem pelo país em momentos de repressão e desesperança.

Visto como um articulador da imprensa paulista e uma figura de liderança, ele dedicou suas esperanças ao fim da ditadura, e infelizmente não viveu o suficiente para ver a luz no fim do túnel. Desde criança, foi forçado a fugir de regimes autoritários que eram contra a sua existência e, mesmo assim, cresceu na área da comunicação e defendeu seus valores até o último suspiro.

A ditadura tentou silenciar um jornalista, mas acabou dando voz a um país inteiro. Vladimir Herzog ainda vive em cada jornalista que escolhe a verdade, mesmo quando ela dói, e nos lembra que o silêncio imposto é também uma forma de violência, e que resistir é recusar a normalização do absurdo.

Esperamos que o mesmo sentimento que mobilizou Vladimir Herzog esteja presente na cobertura do cenário de violência que acompanhamos nesses últimos dias, principalmente, mas não somente, na cidade do Rio de Janeiro. Aos jornalistas, nossa admiração, aos familiares e amigos das vítimas, nosso profundo pesar.

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