Vai ver o Sol amanhã?
Novembro, mês da Consciência Negra. Eu poderia usar o espaço da coluna dessa semana para falar sobre o tema. Poderia desabafar que a sensação de que “muitas pessoas só lembram que existem pessoas pretas neste mês” ainda me acompanha, mesmo depois de anos de ações referente à temática. Eu poderia comentar sobre a dor que senti em uma palestra na OAB de Tatuí, quando um advogado mostrou para a plateia, um processo de inventário no qual os escravizados constavam na lista e eram divididos entre os herdeiros, da mesma forma que os animais.
Mas vou fazer diferente.
Vou falar sobre algo que aconteceu comigo no dia 20 de novembro.
Cheguei de um evento bem tarde na véspera, então acabei perdendo o sono e fiquei vendo tv até no intuito de reencontrá-lo.
Quando me dei conta, vi algo que meus olhos não encontravam há muito tempo: o pôr do sol.
“Ver o sol amanhecer”, é algo que aconteceu comigo pela última vez, em fevereiro, no Sambódromo do Anhembi, no carnaval.
Mas não foi a mesma coisa.
A última vez que isso aconteceu mesmo, não consegui recordar.
Ao ver o sol surgir no céu, fiquei assustado e pensei: “nossa, mas já é 6h ou 7h da manhã?”.
Além das mudanças climáticas, a falta de presenciar essa cena me fez esquecer que o Astro Rei nasce bem mais cedo. Nesse Caso era por volta das 5h.
Foi lindo.
E ao vê-lo, eu disse uma frase que me lembrou um samba (algo que acontece constantemente, pois o estilo musical faz parte da minha rotina).
O samba é o “Canto da Bisa”, escrito pelo Mestre Paquera, líder do coletivo “Samba da Vela”, da capital de São Paulo.
Ao cantá-lo em minha mente, fiz uma grande reflexão sobre a vida e creio que seja algo que deva ser compartilhado.
Antes de continuar, apresento a letra do samba:
Meu trabalho em vida é pra semear
Meu caminho é certo pra poder chegar
Meu talento é dádiva, Oxalá me deu (Epa Baba)
Se erro tentando é pra fazer o certo, direito e honesto
O melhor que tenho entrego a você
Meu prazer é acordar
Ver o sol amanhecer
Ver o bem ao meu redor
E colher o que plantei
Acho essa letra — relativamente simples — de uma grandeza e humildade descomunais.
Ela me fez parar, vislumbrar um novo dia chegando, admirar a beleza do céu. Algo que pela correria do dia a dia, eu não tenho feito ultimamente.
Mas será que — pergunta que fiz a mim mesmo e faço a você que me lê, e peço que a resposta seja sincera — o motivo é a correria mesmo ou a usamos como desculpa?
Assumir, às vezes, pesa. É mais fácil culpar algo/alguém. Mas pode ser libertador.
Meu dia foi diferente. Minha forma de ver a vida foi diferente. Minhas relações naquele dia foram diferentes.
Parece que virei uma chave, que há muito tempo eu precisava virar, e estava tão próxima às minhas mãos, mas eu não via.
Vamos viver mais a vida? Dar mais atenção para as coisas “simples”, deixando cada vez menos espaço para o stress, impaciência e outras coisas ruins entrarem? Vamos arrumar tempo entre nossos compromissos para ver pelo menos um pôr do sol por semana? Parece pouco, mas tenho certeza de que já fará diferença.
Quem sabe nosso “trabalho” na Terra possa semear mais e melhor, entregando ao nosso próximo o melhor que temos.
Perceba como é libertador sentir o verdadeiro prazer de acordar e ver o sol amanhecer. Ver tudo de bom/bem que você tem ao seu redor e muitas vezes não percebe. Para quando partirmos, podermos colher o melhor do que plantamos.

