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A contra tendência do Slow Content

Em um mundo viciado em velocidade, o “conteúdo lento” resgata o valor do jornalismo de fôlego, da publicidade com propósito e das relações públicas com alma. É uma desintoxicação.

Por Clara Abrami (Agência Focas – Jornalismo Uniso)

Créditos: Clara Abrami

O polegar treme. Um espasmo involuntário, quase imperceptível, viciado na dopamina barata do scroll infinito.

Em um cenário saturado por clickbaits, scroll infinito e uma batalha incessante pela atenção imediata, essa contratendência propõe um retorno ao valor, à profundidade e à longevidade.

Esqueça a conotação de lentidão. O slow content não é sobre ser devagar; é sobre ser profundo. Ele emerge como a principal contratendência à cultura da superficialidade, um desafio direto à efemeridade que domina o campo digital.

Segundo Carla Monteiro, 32, editora-chefe do G1 Itapetininga, mesmo as matérias mais longas podem sim ser muito atraentes. “Não é porque uma matéria tem mais caracteres que ela não pode ser atraente. Podemos fazer com que o conteúdo maior seja muito atraente.”

Slow Content nas áreas de comunicação

No jornalismo, o slow content serve como um antídoto para a corrida pelo “furo” a qualquer custo. Ele se manifesta no resgate da grande reportagem, do jornalismo investigativo, da análise aprofundada, do jornalismo literário e em formatos como documentários e podcasts narrativos.

Enquanto o conteúdo rápido informa ou apenas “reage”, o conteúdo lento busca explicar, aprofundar e gerar reflexão. Para Carla o objetivo é construir credibilidade e uma audiência leal. “É um modo de fugir da superficialidade e das fake news. Só através do aprofundamento conseguimos garantir que todas as informações foram checadas e também trazer interesse sobre o assunto.”

Na publicidade e propaganda, o slow content se afasta da interrupção e da venda direta para focar na construção de valores da marca* por meio do storytelling e da entrega de valor genuíno. Em vez de bombardear o consumidor com anúncios e promoções de curta duração, as marcas passam a criar conteúdos mais robustos: artigos de blog que resolvem problemas reais, minidocumentários que apresentam os valores da empresa, tutoriais detalhados ou newsletters com curadoria cuidadosa. O foco deixa de ser o produto e passa a ser o propósito da marca, buscando criar conexão emocional e afinidade capazes de sobreviver além do ciclo de compra, transformando consumidores em defensores da marca.

Já nas relações públicas, essa abordagem é fundamental para a construção de reputações sólidas e liderança de pensamento. Em vez de focar apenas em comunicados de imprensa reativos ou na viralização de mensagens, o RP que adota o slow content investe na criação de relatórios de pesquisa originais, documentos* aprofundados sobre tendências do setor, ou no cultivo de relacionamentos autênticos e de longo prazo com público de interesse. Trata-se de posicionar a organização como uma fonte de conhecimento confiável e transparente, gerenciando a reputação de forma proativa através da autoridade e da autenticidade, em vez de depender apenas de táticas de curto prazo.

O slow content nas três áreas converge para um objetivo comum: trocar a atenção superficial pela conexão profunda.

“O principal para manter o público engajado é a informação de qualidade, apesar de todos os elementos gráficos, o principal é trazer um bom conteúdo”, afirma a editora-chefe.

Para Guilherme Dutra, professor de história e técnico em RH de 36 anos, o principal atrativo de conteúdos mais longos é a oportunidade de se aprofundar em temas que realmente despertam seu interesse e com os quais ele deseja se conectar. “Eu paro para ler textos e ver vídeos, habitualmente, para adquirir conhecimento. Contudo, cultura geral também me encanta bastante, principalmente a cultura LGBTQIAPN+. O que me faz encontrar tempo para apreciar conteúdos mais longos.”

É uma estratégia que valoriza mais a qualidade do que a quantidade, a reflexão sobre a reação, e entende que a confiança do público é o ativo mais valioso. Um ativo que só pode ser construído com tempo, consistência e conteúdo que realmente importa.

GLOSSÁRIO

Clickbait – Estratégia de produção de títulos chamativos e muitas vezes sensacionalistas criados para gerar cliques, mesmo que o conteúdo não entregue o que promete.

Scroll infinito – Design de plataformas digitais que carrega conteúdo continuamente à medida que o usuário desliza a tela, incentivando consumo constante sem pausas naturais.

Contratendência – Movimento que surge como resposta ou oposição à tendência dominante. No texto, refere-se ao slow content como resposta à cultura da rapidez e superficialidade.

Valores da marca* (Brand equity) – Valor intangível de uma marca, construído a partir da percepção do público sobre sua qualidade, reputação, propósito e credibilidade.

Liderança de pensamento (Thought leadership) – Posicionamento estratégico no qual uma pessoa ou organização é reconhecida como referência confiável e inovadora em determinado setor, oferecendo análises, tendências e debates relevantes.

Documentos* (White paper) – Documento aprofundado que explora um tema, problema ou tendência com rigor e detalhamento, geralmente usado por empresas e instituições para demonstrar qualidade especialista.

Público de interesse (Stakeholders) – Públicos de interesse de uma organização: como clientes, funcionários, investidores, governo, imprensa, parceiros e comunidades impactadas.

Brand advocates (advogados/defensores da marca) – Consumidores ou seguidores que promovem espontaneamente uma marca devido à forte conexão emocional ou confiança construída ao longo do tempo.

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