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Focando em… Apurações fora das eleições

Em tempos de eleições, alguns termos se tornam comuns nas conversas de famílias, discussões no trabalho e até nos bate-papos de botequins. Apuração é uma delas. Quando a disputa eleitoral está nessa fase, a adrenalina e a ansiedade estão acima de qualquer coisa. Mas e fora deste cenário, qual a importância de se apurar? 

O dicionário traz definições que vão desde “livrar algo, alguém ou si mesmo de suas impurezas”, até “tornar melhor, mais aperfeiçoado”. Mas como bom jornalista, a que mais gosto é: “averiguar, conhecer ao certo: apurei a verdade do fato”. Apura-se para sempre trazer a verdade. E por falar em verdade, ela anda recebendo diversos significados nas falas das pessoas nos últimos tempos. Impossível não lembrarmos da frase bíblica utilizada exaustivamente por alguns políticos: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32) ou a que ficou famosa na edição de 2021 do Big Brother Brasil: “essa é a sua verdade”.

Mas somente jornalistas precisam apurar e buscar a verdade dos fatos?

De acordo com o autor Eduardo Belo (Livro-reportagem. São Paulo: Contexto, 2006, p. 86-88) apurar, “é antes de tudo buscar informação verdadeira e, de preferência, contextualizada”. Para ele, a humildade “ajuda o jornalista a não incorrer no erro de achar que sabe tudo e, com isso, ser atropelado por fatos e preconceitos“. Reforçando a importância da apuração correta, Belo traz o exemplo de um dos maiores erros do jornalismo nacional: o caso Escola Base

Sobre esse caso, o autor diz que: 

Foi a apuração equivocada, apressada, incompleta que proporcionou ao jornalismo brasileiro seu mais rumoroso, desgastante e vergonhoso erro. Em 1994 a imprensa publicou a informação de que os donos e professores da Escola base, um Educandário infantil de São Paulo, abusavam sexualmente de crianças. O que era suspeita dos pais de um dos alunos foi tratado como verdade e levado ao público sem maiores questionamentos.

Humildade e apuração foi algo que faltou e muito numa situação que presenciei uns tempos atrás. Em um grupo de WhatsApp de um condomínio, uma moradora levantou uma discussão: “não podemos aceitar essa nova empresa de prestação de serviço, eu pesquisei no Jusbrasil e a dona possui 40 processos nas costas”. Grande parte dos outros condôminos ficou alvoroçada, criando acaloradas discussões sobre como era “inadmissível uma empresária ter tudo isso de processos e ainda oferecer seus serviços”. 

A figura do síndico foi logo crucificada e a da moradora idolatrada. Em um tribunal de aplicativo de mensagens, ele foi julgado sem ser ouvido, condenado como irresponsável e recebeu como sentença um abaixo assinado entregue para a empresa administradora do empreendimento, solicitando sua destituição por ter cometido “um crime grave, com suspeita de ser comparsa e encobertar a situação negativa da prestadora de serviços”.

Não tive como não me lembrar daquela cena no ano passado, onde o então ministro da justiça Flávio Dino respondeu a um político que o acusava de ter 277 no Jusbrasil. “O senhor acaba de entrar para o meu livro de anedotas. Eu vou contar isso para os meus alunos [de direito] como piada. No Jusbrasil não aparece o nome de quem responde a processos”, ele rebateu. Ou seja, ter o nome no Jusbrasil não significa que a pessoa está respondendo a processos. Pensei em pontuar a colega vizinha, mas como percebi que era algo que estava partindo para o lado pessoal entre ela e o síndico, e aqueles que tentavam interpelar eram recebidos como traidores, deixei rolar. Cada um sabe o que faz. 

O imbróglio acabou chegando a uma reunião extraordinária de condomínio. Nela, a acusadora já chegou exibindo o “troféu” com o título “40 processos”. O síndico acusado disse: “prove então que a pessoa foi condenada em 40 processos”. A acusadora em tom esbravejante só sabia dizer: “eu tenho os prints. Eu pesquisei. Tenho provas!”.

Sabe qual foi o fim dessa história?

Alguns dias depois a acusadora teve que publicar no grupo uma retratação, desculpando-se pelas acusações, após receber uma notificação judicial. E, sabe o pior? O erro não foi a leitura equivocada da página do Jusbrasil, mas sim o fato de não ter se atentado a um pequeno, mas importantíssimo, detalhe: a possibilidade de existência de homônimos. A pessoa que ela pesquisou não era a dona da empresa prestadora de serviço. 

Talvez tenha faltado para nossa amiga acusadora, ler uma fala da professora e jornalista Mara Rovida (Etnografia e reportagem jornalística: aproximação possível para uma metodologia de pesquisa empírica. v. 18, p. 77–88, 20152015, p. 78): “a apuração ou coleta de informações implica em ir a campo, em observar a realidade e conversar com as pessoas que fazem parte das histórias narradas”.

Então, respondendo à pergunta que fiz lá no começo do texto: não, saber apurar e buscar a verdade dos fatos não é uma responsabilidade somente de jornalistas. Ela cabe a todo e qualquer cidadão.

Enquanto defensor de um jornalismo sério, de pessoas que não saem acusando a torto e a direito e da pesquisa cientifica, reafirmo:

Espalhar informações erradas, sem provas ou baseadas em julgamentos próprios é crime!

Dar um Google não significa que você esteja apurando ou, literalmente, fazendo uma pesquisa.

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